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Crime sem solução motiva criação de instituto para ajudar negros na Justiça

Punhos levantados em ato pró-democracia - TABA BENEDICTO/ESTADÃO CONTEÚDO
Punhos levantados em ato pró-democracia Imagem: TABA BENEDICTO/ESTADÃO CONTEÚDO

Djalma Campos

Colaboração para Ecoa, de São Paulo

14/08/2020 04h00

O assassinato de um tio, em Minas Gerais, deu o primeiro sinal. Muitos anos depois, a morte do adolescente João Pedro, 14 anos, baleado em uma ação policial no Rio de Janeiro, fez com que novamente o clique surgisse na cabeça do jornalista e fotógrafo Ismael dos Anjos, 36 anos.

Ismael sentiu que era preciso criar algo que desse suporte jurídico que desse suporte à população negra. Fundado pelo jornalista em parceria com os advogados Ana Paula Freitas, de 33 anos, e Joel Luiz Costa, de 31 anos, o IDPN (Instituto Nacional de Defesa da População Negra) abre as portas hoje para oferecer assistência jurídica gratuita para a população.

O jornalista conta que, a partir dos protestos do Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), em maio, ele passou a ser contratado por empresas para falar sobre questões raciais. Mas sentiu que precisava destinar os valores de seus pagamentos para causas ligadas à raça negra.

"Chamei o Joel, que é meu amigo há algum tempo, e falei que investiria o dinheiro que ganhei nas palestras. Minha ideia era dar suporte à atuação dele, que integra uma rede de apoio a moradores de comunidades e favelas, no Rio. Mas concluímos que a solução não seria a doação de dinheiro, mas criar uma instituição para este fim", explica o jornalista.

Miguel, Floyd e tio assassinado

Segundo Ismael, os casos de George Floyd (assassinado pela polícia da cidade de Minneapolis, EUA) e o caso do menino Miguel (morto após cair do 9º. andar de um prédio em Recife) foram muito importantes no momento de criação do IDPN. Além disso, o projeto é fruto de própria história de vida do jornalista.

Filho de um policial aposentado, Ismael relembra o assassinato de um tio, que serviu de inspiração para seu nome. O autor do crime, segundo ele, nunca foi descoberto.

Antes de fechar o projeto do IDPN, Joel lembrou a Ismael sobre o número de 1% de advogados negros nos grandes escritórios do país. E decidiram ampliar a atuação do instituto, que também vai investir na inclusão de mais negros no Direito.

Nosso objetivo é trabalhar em algumas frentes: auxilio jurídico para a população negra e também capacitação para profissionais negros, como mentorias, aulas e práticas para recém-formados que tenham interesse em enveredar pela área criminal. Sabemos como é difícil para a nossa população ingressar no mercado de trabalho
Joel Luiz Costa, advogado

joel - Tamiris Feliciano e Thamiris Rocha - Tamiris Feliciano e Thamiris Rocha
O advogado criminalista Joel Luiz Costa
Imagem: Tamiris Feliciano e Thamiris Rocha

Colin Kaepernick, a inspiração gringa

Ismael conta que o plano de ação do instituto traz semelhanças com o que vem sendo feito pelo jogador de futebol americano Colin Kaepernick, que paga advogados para manifestantes presos em protestos nos Estados Unidos.

"A situação do Brasil é diferente. Não dá para a gente se 'limitar' a fazer isso [criar um fundo financeiro]. Precisamos ter ações como fomentar a advocacia desde a formação. Se a gente entrasse com o investimento em dinheiro, certamente teríamos pessoas brancas defendendo pessoas negras nos processos. Existe esta inspiração, sim. Mas temos de ir além", completa Ismael.

Para financiar o funcionamento, o IDPN pretende captar doações e participar de editais de fomento a movimentos sociais.

Acesso à Justiça qualificada

Ligada a projetos como o Solta a Minha Mãe, que defende o direito das mães encarceradas, a advogada Ana Paula Freitas explica que o IDPN pretende oferecer assessoria jurídica qualificada aos negros.

A Defensoria Pública oferece um trabalho de qualidade na defesa dos negros. Mas, como órgão público, ela tem suas limitações de atuação. Neste sentido, vamos nos colocar para atuar tanto em parceria, mas também de forma autônoma na defesa de uma pessoa negra. Seremos mais um aparato jurídico e judicial a disposição dos movimentos sociais, e que atuam no combate ao racismo e à violência social e policial que vem sendo perpetuada pelo Estado

A advogada - que já atuou no programa "Política: Modo de Fazer" (Globo News) - e hoje é coordernadora-executiva da Rede Liberdade, explica que o IDPN contará com parceiros como Instituo Geledés, IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), Conectas Direitos Humanos e Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.

Por conta da pandemia da covid-19, o IDPN fará uma inauguração virtual hoje, às 18h, por meio de uma live (https://bit.ly/3kBVvKF). Na próxima semana, o instituto deve inaugurar sua sede, que funcionará na cidade do Rio de Janeiro.