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Alertas sobre riscos futuros são boas notícias

Um quarto da população, usuária de plano de saúde, tem acesso a mais da metade dos leitos de UTI do país - SILVIO AVILA/AFP via BBC
Um quarto da população, usuária de plano de saúde, tem acesso a mais da metade dos leitos de UTI do país Imagem: SILVIO AVILA/AFP via BBC

Carina Martins

Colaboração para Ecoa, em São Paulo

05/05/2020 18h30

Com cada vez mais frequência, há dias como hoje: como publicar uma página de boas notícias quando o Brasil chega à taxa de 16 mortos por hora? Quando já há um protocolo ético e técnico formalizado para ajudar os médicos a decidirem quem terá direito a uma vaga na UTI? A única resposta possível está no trabalho das pessoas preparadas que seguem produzindo resultados e caminhos.

Por exemplo, quando o coordenador do Centro de Contingência do Coronavírus de SP, infectologista David Uip, diz que não levará um mês para que o sistema hospitalar de São Paulo entre em colapso se as taxas de isolamento social seguirem abaixo de 50%, a boa notícia é que temos esse dado, tornado informação, e podemos agir. Saber o que pode dar errado, e como e quando, isso acontece, pode ser positivos. Se o conselho for ouvido, evidentemente.

Fila única indiscutível

Se houve algum dia, não há mais discussão sobre a necessidade de fila única de leitos hospitalares durante a pandemia. A fila única significa um mesmo cadastro de leitos, unificando as vagas privadas e públicas, como acontece na fila de transplante. A maneira como isso vem se tornando realidade, aos poucos, indica que várias versões do conceito são possíveis. No Espírito Santo, por exemplo, o governo reservou um contingente de leitos privados, preservando a demanda dos pacientes de plano de saúde e aumentando a oferta do SUS. Em São Paulo, o governador anunciou que pacientes da região metropolitana, mais afetada, podem ser internados em hospitais do interior do Estado, enquanto na capital o prefeito já negocia leitos privados.

Aos muitos especialistas que já vieram a público defender essa necessidade e à campanha que pede ação nesse sentido, junta-se uma das referências no país em políticas de saúde, o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto. Ele acredita que a proposta seja possível por meio de diálogo mas, se não for, o estado deveria requisitar os leitos privados. "Você tem leitos subutilizados no setor privado. Não tem por que não fazer isso se você tem gente morrendo por falta de leitos de UTI", diz ele, ex-secretário da Saúde de São Paulo e ex-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). É uma boa notícia que estejam todos de acordo. Se a coisa for colocada em prática, evidentemente.

Alerta com dados

Especialista não costuma trabalhar com opinião. As análises que embasam a unanimidade acima são sustentadas não apenas por sua experiência, mas por dados como os do estudo preliminar que estima que a fila única para UTIs públicas e privadas evitaria até 14,7 mil mortes por Covid-19 em todo o País. Publicado no fim de semana por pesquisadores da FGV, USP, Universidade Federal da Paraíba e Instituto do Câncer e ainda sem revisão de cientistas independentes, o estudo calculou a probabilidade de infectados precisarem de UTIs em cada região, considerando o ritmo de mortes e infecções.

Sem esperar a má notícia

Pesquisadores do Nordeste decidiram não esperar a notícia ruim chegar e ir logo atrás dela. O projeto criado pelo Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste desenvolveu um aplicativo em que as pessoas descrevem se possuem os sintomas da doença. "Os dados são armazenados e médicos prestam atendimento à distância a quem necessite. Quando vários relatos chegam de uma mesma região em determinada cidade, equipes de saúde vão ao local. Além de examinarem e testarem pessoas que possam estar contaminadas, elas procuram por quem teve contato com gente contaminada e possa ter sido infectado". A ideia é agir, sempre que possível, antes do problema. Porque notícia ruim espalha rápido.

"Não tenho tudo que amo"

Também porque notícia ruim espalha rápido, a avaliação do SUS historicamente sempre foi pior entre quem não usava o serviço do que entre seus usuários. O protagonismo do Sistema Único de Saúde em tempos de pandemia, no entanto, fez subir a valorização dessa conquista da Constituição de 88. Levantamento da Rede Nossa São Paulo, elaborado em parceria com o Ibope Inteligência e divulgado hoje (5), mostra que as classes média e alta de SP passaram a ver a saúde pública com outros olhos. No estudo, o SUS é visto pela maioria (69%) desses habitantes como a estrutura que tem evitado que as consequências da crise sanitária sejam "muito piores".