Topo

Organização acelera negócios na favela para mudar ciclo de pobreza em BH

A aceleradora de negócios Fa.Vela ajuda moradores de comunidade em BH a empreender de forma sustentável - Reprodução/Vídeo Fa.Vela
A aceleradora de negócios Fa.Vela ajuda moradores de comunidade em BH a empreender de forma sustentável Imagem: Reprodução/Vídeo Fa.Vela

André Luís Santana

de Ecoa

03/10/2019 08h00

João Souza quase viu um dos maiores talentos que conhece ser perdido. Júlio Souza, seu irmão mais velho, já foi o Todo Feio, apelido da época em que se envolveu com drogas e criminalidade na comunidade do Morro do Papagaio, em Belo Horizonte (MG).

Júlio passou 12 anos preso e, quando estava em liberdade condicional, deu início a uma nova história ao lado do irmão, que a essa altura já tinha formação universitária em marketing e buscava uma maneira de compartilhar com sua comunidade de origem os conhecimentos que havia adquirido.

Os dois irmãos se uniram a Tatiana Silva, graduada em comunicação social e ciências sociais, e Débora Silva, formada em administração, também nascidas em periferias, para criar, em 2014, a aceleradora de negócios Fa.Vela, uma ONG que ajuda moradores do Morro do Papagaio, em Belo Horizonte, a empreender de forma sustentável.

João Souza, um dos idealizadores da Fa.Vela - Reprodução/Vídeo Fa.Vela - Reprodução/Vídeo Fa.Vela
João Souza, um dos idealizadores da Fa.Vela
Imagem: Reprodução/Vídeo Fa.Vela

"Mais do que planos de negócio, ajudamos os empreendedores da favela a criarem planos de vida. Estamos construindo com eles projeções para a transformação das suas famílias, das suas oportunidades, e não apenas oferecendo uma forma de tirar uma grana a mais no fim do mês. São estratégias para mudar um ciclo de pobreza", conta João, que tem 38 anos.

O irmão, Júlio, conquistou a liberdade definitiva em 2016 e hoje é educador social. Em cinco anos, a Fa.Vela atendeu mais de 200 empreendedores, oferecendo formações e monitorias.

A organização

A Fa.Vela atua no desenvolvimento do ecossistema de empreendedorismo, tecnologia e inovação de comunidades de baixa renda, por meio de programas de aceleração de negócios e projetos com foco em impacto socioambiental e econômico.

A metodologia inclui o uso de gamificação e a adaptação de ferramentas de gestão para a realidade da favela. Há inclusive uma moeda própria, o Corres Novos, utilizada nos ciclos de aceleração.

"Os moradores da favela já são grandes empreendedores. O que fazemos é instrumentalizar com algumas ferramentas quem já está nos corres. É como lapidar diamantes", explica João.

O cara acorda correndo atrás do dinheiro do gás para fazer a comida. Vai dormir com a esposa lembrando que o menino precisa de dinheiro para um material escolar e tem de se virar. Por isso ele vai vender fone de ouvido se tem jogo do Brasileirão, água se o dia é de calor ou capa em dia de chuva"
João Souza, idealizador do Fa.Vela

Entre os projetos acelerados pela organização, há de negócios voltados a serviços, como eletricistas e manicures, a criadores de aplicativos ou investidores na agroecologia. Além da gestão, a organização contribui na produção, no escoamento e na logística. Também ajuda a melhorar a presença digital, visando alcançar outros públicos.

"Entendemos que os serviços e produtos da favela precisam dialogar com o asfalto. A autoestima dos moradores se eleva ao saber que pessoas de fora se interessam pelo que é produzido ali, que passam a considerar o local um território de muitos potenciais e renda sendo gerada", diz João.

Aceleradora Fa.Vela - Reprodução/Vídeo Fa.Vela - Reprodução/Vídeo Fa.Vela
A metodologia da organização inclui adaptação de ferramentas de gestão para a realidade da favela
Imagem: Reprodução/Vídeo Fa.Vela

Compromisso com o território e diálogo

Uma das dificuldades no início do projeto foi encontrar uma linguagem adequada para começar a conversa com os empreendedores. "Em nossa primeira mobilização, colocamos faixas com dizeres como: 'Você que tem um negócio e quer empreender, temos uma proposta para você, nos procure', bem estilo Polishop", brinca João. Uma semana se passou sem nenhuma manifestação.

O grupo, então, imprimiu panfletos e distribuiu em locais de maior movimentação. "Chegávamos para o morador e perguntávamos: 'você é um empreendedor?' O cidadão fazia cara de estranheza. Até que aprendemos a pergunta certa: 'Você tem algum negócio ou um serviço aqui na favela, que gere uma renda a mais para você e sua família?'."

Após um ano de atuação, eles começaram a receber retorno dos participantes das formações, incluindo relatos que iam do aumento da renda até a projeção para o núcleo familiar. "É quando o morador nos diz que está sobrando mais dinheiro para um passeio ou um lanche no shopping com as crianças que a gente vê que o trabalho está dando resultado", comemora João.

A ONG se mantém com participação em editais públicos e financiamentos privados voltados ao empreendedorismo social, além de prestar consultoria nessa temática.

Como ajudar Quem quiser contribuir com a Fa.Vela pode entrar em contato diretamente com os organizadores pelas redes sociais do projeto, para articular a melhor forma de apoio: facebook.com/maisfavela e instagram.com/maisfavela