Dados mostram que fumaça em Manaus não veio do Pará, como diz governo do AM
No início deste mês, o governador do estado do Amazonas, Wilson Lima, e o Secretário do Meio Ambiente, Eduardo Taveira, declararam que a fumaça que encobriu a cidade de Manaus seria proveniente do estado do Pará.
Embora, de fato, o estado do Pará concentre um maior número de focos de queimadas que o Amazonas, diferentes fontes de dados apontam que a fumaça do Pará não foi responsável pela "nevoeiro" que cobriu a capital amazonense e atingiu teor de particulados PM2.5 chegando a 314,99 microgramas por metro cúbico de ar (µg/m³), valor que inclusive superou a crise de poluição de Nova Delhi, na Índia.
Ao analisarmos os dados públicos do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), verifica-se que o Amazonas vivenciou uma calmaria de ventos durante os períodos mais críticos da fumaça, o que dificulta a chegada de fumaça do Pará até a Amazônia central.
Durante o El Niño, o aquecimento das águas do Pacífico gera um padrão climático de alta pressão sobre a região amazônica, inibindo a ascensão do ar quente e úmido necessário para a formação de chuvas. Além disso, o aquecimento do Pacífico enfraquece os ventos alísios vindos do leste, que normalmente trariam umidade para a Amazônia, tornando a região mais suscetível à seca, o que facilita a propagação de incêndios criminosos.
O enfraquecimento dos ventos alísios vindos do Leste também não torna plausível que a fumaça do Pará fosse carregada para Manaus, uma vez que a fumaça é mais densa que o vapor de água cujos ventos não conseguem carrear para a Amazônia central devido ao efeito do El Niño
Os monitoramentos de emissão de particulados e qualidade do ar registrados pelo Meteored apontaram para duas áreas de alta emissão no estado do Pará e outra grande área de emissão localizada no estado do Amazonas, próximo à região sul de Manaus.
Os dados do Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), indicaram uma concentração de queimadas sobre o município de Careiro e Autazes, que coincide com a área de emissão de particulados e a pior qualidade do ar na região central da Amazônia.
Dados do projeto ATTO (Amazon Tall Tower Observatory) reforçam a influência das queimadas nas proximidades de Manaus como principal causadora do intenso aumento de fumaça na cidade.
A torre de 325 metros de extensão, localizada a leste de Manaus, próximo ao rio Uatumã, é operada pelo Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) em colaboração com parceiros da Alemanha desde 2015.
No auge das queimadas, em 12 de outubro, os sensores da UEA (Universidade Estadual do Amazonas) acessíveis pela plataforma PurpleAir registraram partículas PM 2.5 em 314 ?g/m³ na parte sul de Manaus, enquanto o ATTO registrou 141 ?g/m³ no mesmo dia.
Mesmo que considerarmos que a fumaça que estava sobre o ATTO no dia 10 (maior registro do ATTO) tenha demorado dois dias para chegar em Manaus, os níveis de poluição na capital amazonense ultrapassam em mais de 110 ?g/m³ o pico registrado na torre. Isso indica que a fumaça proveniente do Pará não explica os elevados índices de poluição em Manaus, desacreditando as afirmações do governador do Amazonas Wilson Lima e do Secretário do Meio Ambiente Eduardo Taveira.
Adicionalmente, os dados dos medidores da PurpleAir em Santarém revelaram o primeiro pico de poluição após 12 de outubro, atingindo 205 ?g/m³ apenas no dia 13, um valor consideravelmente inferior ao máximo observado em Manaus.
Essas constatações descartam a hipótese de que a fumaça do Pará seja responsável pelos níveis alarmantes em Manaus, evidenciando a complexidade dos fatores envolvidos na poluição atmosférica na região.
Diante dessas evidências, fica claro que a fumaça que encobriu Manaus não provém do estado do Pará, e sim de focos de queimadas que estão ocorrendo no próprio estado do Amazonas e que não estão sendo devidamente controlados pelo governo estadual
A discrepância entre as alegações do governador e os dados de monitoramento torna as afirmações do político inconsistentes e evidencia uma negligência no enfrentamento do problema.
Além disso, um estudo publicado na renomada revista Environmental Conservation demonstrou que agências de fiscalização ambiental, como o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM), têm sido coniventes com o desmatamento, queimadas e a grilagem de terras no estado do Amazonas durante a gestão do governador Wilson Lima, especialmente na área da rodovia BR-319.
O mesmo estudo apontou que a rodovia BR-319 tem concentrado parte dos principais hotspots de desmatamento e focos de queimadas no Amazonas. Dados do Inpe revelam que a fumaça que tomou conta de Manaus nas últimas semanas também se deve ao deslocamento da fumaça de incêndios florestais em Autazes e Careiro, intensificados pela estiagem.
O Ibama no Amazonas aponta pecuaristas como responsáveis dos incêndios florestais, enquanto o Ministério do Meio Ambiente afirma que o desmatamento é o principal motor das queimadas na região. A identidade e interesses dos fazendeiros envolvidos permanecem desconhecidos. Suas atividades pecuárias impactam adversamente a Amazônia, mas suas conexões políticas e produção específica não são esclarecidas.
A situação ressalta a necessidade de fiscalização e responsabilidade na preservação do meio ambiente e revela a interligação entre questões ambientais e políticas. A falta de fiscalização e a conivência das autoridades locais contribuem para a deterioração da situação ambiental na Amazônia Central.
Diante deste cenário, torna-se essencial que as autoridades, como o Ministério Público, cobrem uma atuação mais efetiva dos órgãos ambientais do estado do Amazonas e responsabilizem os gestores pela fumaça que está prejudicando a saúde e a qualidade de vida da população da capital amazonense.
A inércia e a negligência na gestão ambiental não podem ser toleradas, uma vez que afetam não apenas o meio ambiente, mas também a saúde e o bem-estar dos cidadãos
Isso aponta a necessidade de que o governo federal também reveja grandes obras com potencial de ampliar o desmatamento e queimadas na região, como é o caso da rodovia BR-319 que, de acordo com estudos de modelagem realizadas pelo IDESAM, tem o potencial de aumentar em mais de 1200% os índices de desmatamento entre Porto Velho e Manaus.
Saúde em risco
A exposição contínua à fumaça das queimadas tem sérias consequências para a saúde das pessoas. A inalação de partículas finas presentes na fumaça, pode causar uma série de problemas respiratórios, como tosse, falta de ar, bronquite e até mesmo aumentar o risco de doenças cardíacas e câncer de pulmão, além de ardor nos olhos e na garganta.
A fumaça das queimadas contribui para a piora da qualidade do ar, que afeta a qualidade de vida da população, limitando as atividades ao ar livre e a prática de esportes.
No dia 21 de setembro, requisitei à Secretaria de Saúde do Estado do Amazonas, através da Lei de Acesso a Informação (LAI), dados referentes ao número de internações em Manaus causadas por alergias e doenças respiratórias. Entretanto, não obtive nenhuma resposta do estado, demonstrando a omissão e tentativa de encobrimento dos índices de doenças respiratóras ligadas as queimadas.
Em nota à imprensa, o secretário de meio ambiente Eduardo Taveira afirmou: "Podemos verificar por imagens dos satélites que todos os municípios, que sofrem influência do Rio Amazonas, que serve como um corredor de fluxo de ventos, até chegar a Manaus, têm sido impactados pela fumaça mesmo sem ter focos de incêndios registrados".
Como podemos ver nos dados apresentados neste artigo, a explicação do Secretário de Meio Ambiente é insólita e evidencia-se a ausência de um compromisso efetivo com o meio ambiente e saúde pública por parte do estado do Amazonas. Como especialista em meio ambiente, mestre e doutor em ecologia, é desalentador presenciar justificativas que carecem de consistência, especialmente considerando os impactos da fumaça na saúde da população.
Em resumo, a fumaça que cobre Manaus não pode ser atribuída aos incêndios do Pará, como alegou o governador Wilson Lima e o Secretário de Meio Ambiente Eduardo Taveira, mas sim de focos de queimadas no próprio estado do Amazonas.
Além de afirmar que a fumaça que atinge capital é causada por incêndios florestais no Pará, Eduardo Taveira disse no dia 4 de novembro que a qualidade do ar em Manaus deve continuar ruim até dezembro. É essencial que as autoridades tomem medidas imediatas para controlar as queimadas e responsabilizem os envolvidos na degradação ambiental para proteger a saúde e o bem-estar da população.
*Lucas Ferrante é formado em ciências biológicas pela Unifal (Universidade Federal de Alfenas), mestre e doutor em biologia (ecologia) pelo Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), onde em sua tese avaliou as mudanças contemporâneas da Amazônia, dinâmicas epidemiológicas, impactos sobre os povos indígenas e mudanças climáticas e seus efeitos sobre a biodiversidade e pessoas. Foi ganhador do "The Chico Mendes Courage Award", em 2023, pelo Sierra Club, um dos mais importantes prêmios em ecologia no mundo, devido aos seus estudos sobre a rodovia BR-319.
Deixe seu comentário