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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Com aumento de ruídos em alto-mar, golfinhos e baleias passaram a 'gritar'

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Imagem: Getty Image

Beatriz Mattiuzzo*

15/05/2023 06h00

Te desafio a dizer o nome de duas empresas que realizam o transporte internacional de cargas. Daquelas que têm navios cheios de containers, por onde entram os pedidos da Shein, Shopee e outras grandes importadoras, sabe?

Por mais que 90% do transporte de bens do mundo passem pelo oceano em algum momento, sabemos muito pouco sobre quem faz esse trabalho. Isso só nos mostra que não temos quase nenhum conhecimento do que acontece mar afora.

Milhares de navios se movendo pelo globo não passam sem deixar algum impacto, ainda que nem sempre seja algo físico. Vejamos o caso da poluição sonora. O som é o meio de comunicação mais eficiente debaixo d'água.

Como as ondas sonoras se propagam melhor que a luz no ambiente aquático, o som é a principal maneira com que muitas espécies marinhas coletam e compreendem informações para caçar, encontrar parceiros e filhotes, evitar predadores e localizar.

A chave é, sempre, a acústica. Com interferências nesse campo, você pode imaginar os impactos.

O website Marine Traffic mostra ao vivo a localização de navios por todo o globo - Reprodução - Reprodução
O website Marine Traffic mostra ao vivo a localização de navios por todo o globo
Imagem: Reprodução

Ao longo do último século, as atividades humanas, como o transporte marítimo, aumentaram exponencialmente. O ruído dessas atividades, especialmente em baixas frequências, percorre longas distâncias debaixo d'água levando a aumentos e mudanças nos níveis de ruído oceânico em muitos habitats costeiros e offshore.

Na prática, baleias mundo afora já não sabem o que é o silêncio, pois com sua audição apurada não há canto do planeta onde elas não possam ouvir o ruído de embarcações.

Algumas populações de golfinhos e baleias passaram a 'gritar' para conseguir se comunicar em meio ao ambiente barulhento que criamos nos mares.

Áreas em azul mostram as Águas Internacionais, trecho do oceano sob jurisdisção internacional - Reprodução - Reprodução
Áreas em azul mostram as Águas Internacionais, trecho do oceano sob jurisdisção internacional
Imagem: Reprodução

Mas se sabemos tão pouco sobre as ameaças ao nosso oceano aberto, o que fazer para ajudar? Em 5 de março, o mundo assinou um novo tratado internacional para proteção das águas internacionais.

Águas internacionais áreas do mar que não estão sob jurisdição de nenhum país específico, estão além dos limites nacionais de cada nação. O documento demorou 20 anos para ficar pronto.

Não é pouca coisa: as águas internacionais são áreas não-jurisdicionais regidas por acordos multilaterais e tratados internacionais, como a Convenção da ONU sobre o Direito do Mar, conhecida pela sigla em inglês Unclos, celebrado em 1982. Elas representam 43% da superfície do planeta ou 61% de todo o oceano.

Dentre as grandes conquistas do novo tratado, temos a determinação do Alto-Mar como um Patrimônio Comum da Humanidade e o estabelecimento da relação entre acordos climáticos e acordos do Direito do Mar.

O objetivo é justamente impedir que algumas poucas empresas consigam privatizar e lucrar em cima das descobertas desse ambiente, como minérios e recursos biológicos.

A mineração do fundo do mar é outra atividade que vem ganhando destaque: algumas regiões do oceano possuem nódulos polimetálicos, pequenas bolinhas formadas naturalmente no solo oceânico e que concentram cobalto, manganês e níquel, e que há algumas décadas vêm sendo alvo de interesses de empresas privadas.

Como era de se imaginar, o recurso para essa exploração vem geralmente de empresas do Norte Global, enquanto os impactos, ainda pouco conhecidos, seriam divididos por todos - entre eles, a massiva liberação de carbono do solo oceânico.

O novo tratado traz esperanças quanto à regularização da atividade, mas muitos passos ainda são necessários até sua implementação efetiva.

Em meio a tantos desafios cotidianos, é compreensível a vontade de colocar nosso fone de ouvido e esquecer os problemas mar afora. Mas, assim como as baleias não conhecem mais o silêncio, não podemos ficar mudos enquanto se discute nosso futuro.

*Beatriz Mattiuzzo é oceanógrafa, mestranda em Práticas de Desenvolvimento Sustentável, instrutora de mergulho e cofundadora da Marulho, negócio socioambiental que intercepta redes de pesca junto a pescadores locais em Angra dos Reis.

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