Topo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

R$ 1 bilhão foi captado para evitar desastres. Então por que eles ocorrem?

Sobe para 49 o número de mortos após chuva recorde no Litoral Norte - Divulgação/ Governo de SP
Sobe para 49 o número de mortos após chuva recorde no Litoral Norte Imagem: Divulgação/ Governo de SP

Diosmar Filho*

Colaboração para Ecoa, de Salvador (BA)

24/02/2023 12h04

Os eventos climáticos extremos nas regiões Norte, Nordeste e Sudeste do país têm impactado as populações com perdas e danos sociais, culturais, econômicos e ambientais.

Na Bahia, no final do ano passado, eram quase 120 mil pessoas afetadas, 16 mil desalojadas e 49 municípios em estado de emergência. No total, mais de 100 mil sofreram diretamente com os desastres.
Sendo assim, precisamos urgentemente entender como paramos sempre no "problema das chuvas".

Primeiro, é preciso reconhecer que esses impactos são resultados da falta de prevenção: significa que gestores municipais, estaduais e federais não executam ações de alerta e evacuação, acesso a terrenos seguros, cuidados com rios urbanos, recuperação de matas ciliares, reflorestamento de morros, medidas normalmente silenciadas diante dos relatórios de previsão do clima.

Hoje as previsões de precipitações de chuvas para 90 dias - estão se transformando em 30 dias -são realizadas em 24 horas. Então, por que esses alertas não são dados à população?

Cidades atlânticas e amazônicas não aguentam 100 mm de chuvas em sete dias, essas desaguam nos bueiros das desigualdades - é o que alerta os boletins do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).

Ilustro esse ponto com o evento de 29 de fevereiro de 2008, dia que Salvador (BA) acordou debaixo d'água com o volume de 29,3 mm de chuva em 24 horas registrando 78 ocorrências de deslizamentos de terra, desabamento de imóveis, quedas de muro e alagamento de pistas.

Com o decreto de calamidade pública, o município captou no Governo Federal R$ 117,4 milhões para obras de infraestrutura e transformou em esgoto os rios urbanos, sem as ações de prevenção apresentadas pelo Instituto de Gestão das Águas e Clima (Ingá).

A autarquia estabelecia que a permissão para obras em rios urbanos deveria ter ações de preservação dos corpos d'água devendo ser "objeto de recuperação através de medidas adotadas nas respectivas Bacias Hidrográficas tais como: esgotamento sanitário e recuperação de matas ciliares".

A norma foi silenciada e estamos diante dos decretos de emergência com chuvas que devastam cidades e aprofundam as desigualdades de gênero, racial, étnica e social nos territórios.
Nesse campo, é preciso olhar diferente para os efeitos com o aumento dos volumes de chuvas diante das desigualdades nas regiões de maioria populacional negra, pobre ou extremamente pobre, sobreviventes dos aglomerados subnormais urbanos nos estados e regiões.

Segundo dados do Portal da Transparência (2019-2022), se investiu do Programa de Gestão de Riscos e Desastres quase um bilhão, mais precisamente R$ 777.758.318 milhões, com pagamentos em transferência aos municípios e/ou estados em despesas de auxílio e contribuições, em quatro anos.

Captaram desse recurso o estado do Acre (2,05%), Alagoas (6,58%), Amazonas (11,92%), Amapá (3,74%), Bahia (12,81%), Espirito Santo (1,87), Minas Gerais (27,21%), Pará (7,11%), Pernambuco (4,80%), Rio de Janeiro (5,12%), Rio Grande do Norte (2,07%), Roraima (0,18%), Santa Catarina (7,11%), Sergipe (0,24%) e São Paulo (7,19%).

Já para esse ano, a previsão é de o orçamento federal para gestão de riscos e desastres é R $ 1,17 bilhão, segundo levantamento da Associação Contas Abertas. Apesar da quantia parecer alta, é o menor valor dos últimos 14 anos.

É importante saber como os recursos agora serão acionados pelos governos federal, estadual e municipal para redução dos impactos com a tragédia evitável no litoral paulista em São Sebastião, com 54 mortos até a publicação desse texto.

No momento que tramita no Congresso Nacional o processo de aprovação das diretrizes para o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA), mantendo na invisibilidade a prevenção e o investimento nos grupos vulneráveis pelas ações de saúde da família, saneamento, moradia, recuperação de matas ciliares e reflorestamento urbano, revisão dos planos diretor municipal e acesso à terra urbana.

A conveniência com as tragédias faz das chuvas cifrão para gestores públicos sem a devida responsabilidade com a emergência das mudanças climáticas.

*Diosmar Filho é geógrafo, Doutorando em Geografia na Universidade Federal Fluminense - UFF. Mestre em Geografia pela Universidade Federal da Bahia - UFBA. Coordenador Científico da Associação de Pesquisa Iyaleta, líder da linha de pesquisa "Desigualdades e Mudanças Climáticas".