Topo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Em meio ao caos do governo Bolsonaro, uma novidade corajosa de Lula

Presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva participa de reunião com povos indígenas do mundo durante COP27, no Egito - 17.nov.2022 - Mohammed Salem/Reuters
Presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva participa de reunião com povos indígenas do mundo durante COP27, no Egito Imagem: 17.nov.2022 - Mohammed Salem/Reuters

André Baniwa*

10/12/2022 06h00

Depois de mais de meio milênio de destruição dos povos indígenas, em meio ao caos e às sequelas da política de governo irresponsável e negacionista que vem promovendo prejuízo à nação e à democracia, finalmente uma novidade corajosa do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva: a criação do Ministério dos Povos Originários.

Por meio de grupos de trabalho nesse período de transição, várias lideranças-representantes indígenas participam do desenho do arranjo institucional para a política indigenista do governo que começa dia 1º de janeiro.

Além do desafio de planejar e articular ideias futuras, este grupo tem pela frente a recuperação imediata do sucateamento e a destruição da política indigenista do governo que está terminando. Durante o mandato dos próximos quatro anos, existirão como desafios pautar a revisão e atualização do Estatuto do Povos Indígenas, adequar mais ainda a política, a gestão e os serviços públicos.

Isso faz lembrar que ser indígena no Brasil não é somente dentro das comunidades, nas terras demarcadas, mas também nas áreas urbanas. Na verdade, a nossa legislação não separa quem está ou não nas cidades. Se é indígena em todo território nacional, inclusive fora dele.

Junto a tudo isto temos outros desafios: propor PECs em favor ou para inclusão de conceitos indígenas como bem viver, adequação de formas de compras públicas para a Amazônia, regulamentação da tributação sobre patrimônio, evidenciar a medicina milenar indígena no SUS-Subsistema da saúde indígena.

Também temos pela frente a criação do sistema nacional de educação escolar indígena, a gestão do patrimônio cultural material e imaterial dos povos indígenas, além de lutar e transformar a imagem negativa indígena, as terras indígenas demarcadas como novidade para inovação e criatividade nas iniciativas interculturais no âmbito da bioeconomia, sustentabilidade e desenvolvimento sustentável.

Outro ponto importante também, além dos direitos sociais e previdenciários, será discutirmos a governança de territórios indígenas.

Por exemplo, será que não seria bom criar a unidade administrativa das Terras Indígenas para melhor a implantação dos planos de gestão ambiental e territorial das terras indígenas? Essa seria uma forma de garantir transferência direta dos recursos aos povos de acordo com seus planos, onde poderiam definir seu rumo de vida, seu bem-estar e seu bem viver?

Terras indígenas e a luta pelo clima

Como todos sabem, as terras indígenas são importantíssimas para o combate ao aquecimento e para o controle do clima. Elas são garantias de estoque de carbonos milenares.

Trabalhar com elas demanda alta capacidade de conhecimento e manejo. E, geralmente os indígenas são vistos como se fossem preguiçosos, o que não é verdade.

Como se a devastação fosse inteligência para longevidade da vida, inclusive dos humanos que gostam de queimá-las, invadi-las, criminalizando os líderes e até provocando mortes dos mesmos por defender um modelo diferente de vida na Terra.

Neste sentido está mais que na hora de colocar em prática o "pagamento por serviços ambientais", pois os povos indígenas em sua maioria ainda são aqueles que ajudam a manter florestas que executam esse serviço não só aos povos indígenas, mas a toda sociedade brasileira, aos governos e empresas, além dos benefícios globalmente.

Talvez pela primeira vez, os povos indígenas estão em ascensão na participação da política do Estado brasileiro, que historicamente tem sido contra esses povos.

Esse crescimento e a presença no próximo governo traz inspiração de novos ares de esperança ao Brasil indígena, para a Amazônia indígena. Neste sentido, vejo a necessidade da criação da "Escola de Governo Indígena", para dar conta ao manejo da gestão da máquina administrativa.

A outra expectativa é a de criar e implantar o Instituto do Conhecimento Indígena e Pesquisa do Rio Negro, que está pronto desde 2014. Resultado das experiências bem sucedidas em educação indígena, essa proposta em questão é voltada ao ensino avançado e superior construído coletivamente pelos 23 povos do Rio Negro, de quatro famílias linguísticas: Aruak, Tukano Oriental, Nadahup e Yanomami.

Por fim, tem se muita expectativa de inovação e fortalecimento político dos povos indígenas. Mas o movimento indígena organizado local, regional, estadual e nacionalmente deverá se manter mobilizado, pois sabe-se que terá conflito de interesses durante os processos.

E por isso será necessário muita força, conscientização e compreensão para que se tenha sucesso nesta "reconstrução do bem-viver e viver bem dos povos indígenas do Brasil". Que Deus Heeko nos abençoe e nos proteja, o Brasil seja abençoado.

*André Baniwa é vice-presidente da Organização Indígena da Bacia do Içana (OIBI), empreendedor social, escritor, consultor e liderança do povo Baniwa desde 1992. As conquistas do povo Baniwa está a produção e comercialização autogerida da Arte Baniwa (cestarias de arumã) /2000, Pimenta Jiquitaia Baniwa/2013 e a Escola Indígena Baniwa e Koripako EIBK Pamáali/2000 de gestão participativa com inovação e criatividade intercultural.