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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A polarização não é a vilã da história

Polarização - iStock
Polarização Imagem: iStock

22/05/2022 06h00

Gente, coitada da polarização. Não sei quando e como exatamente começou, mas sei que ela tem se tornado "persona non grata" para muitas pessoas, sendo considerada inclusive um dos grandes problemas de nossa sociedade. Mas, será mesmo? E se eu te dissesse que a polarização não é um problema em si mesma, mas a grande questão é o que escolhemos fazer diante dela? Seja você de direita, esquerda, centro, ou uma metamorfose ambulante, quero te convidar a descobrir junto comigo as belezas da polarização e possíveis caminhos para não nos estagnarmos nela.

A polarização não é malvada nem boazinha

Pegue uma corda com cerca de 40 cm de comprimento e segure firmemente em cada uma das pontas. Aproxime as mãos uma da outra, até se tocarem. Agora, comece a afastar as mãos uma da outra. Afaste-as o máximo que puder. Use de toda a força que conseguir.

Qual a diferença entre as mãos mais próximas, e cada vez mais afastadas? A tensão da corda.

Pegue uma corda com uns 6 metros de comprimento, coloque 4 ou 5 pessoas em cada ponta e repita o experimento. Substitua a corda por um tema central. Multiplique o número de pessoas em cada ponta, pelo número que quiser. Peça para que cada uma continue a puxar para seu lado, com toda a força e argumentos ao seu alcance.

Eis aí a polarização. O resultado de um puxar de cordas que, quanto mais intenso e extremo, mais tensão gera, sempre trazendo consigo o risco de uma ruptura quando a tensão chega a seu limite.

A estagnação num puxar de cordas com alta tensão, sem o vislumbre de um distensionamento e aproximação, se torna o grande problema.

A beleza por trás da polarização

Quando você fica indignado com algo que destoa daquilo que lhe é importante, e tenta convencer o outro de que ele está errado, ou se junta a aliados para defender este algo importante, acho muito legítimo. Inclusive, compreendo sua raiva e vontade de dizer poucas e boas na cara, ou no comentário, de fulano.

Mas, veja bem. Tem algo além. Vou ser polêmico, eu sei. E já tenho medinho de ser massacrado por todos os polos. Porém, tô aqui pra provocar, não é?

Sabe aquela pessoa que deseja liberação da posse de arma? Talvez para ela seja importante SEGURANÇA (no sentido de poder defender a sua vida, patrimônio e de sua família) e LIBERDADE (no sentido de ter a possibilidade de escolher se quer ou não uma arma em casa).

Sabe aquela pessoa que deseja dificultar, ou até proibir, a posse de arma?

Talvez para ela seja importante SEGURANÇA (no sentido de que alguém com uma arma na mão pode cometer um deslize e matar alguém, ou perder a cabeça e fazer uso indevido desta arma) e LIBERDADE (no sentido de poder andar sem se preocupar que a qualquer momento pode aparecer uma bala perdida de alguém que achou necessário usar a arma).

Isso é um exemplo simples, gente. Claro que a conversa não se limitaria a isso. Meu ponto é:

Por trás das estratégias que escolhemos (e que às vezes estão bem polarizadas em relação ao divergente) existe algo importante do qual queremos cuidar. Esse algo nos é comum, e eu chamo de necessidades. Todos queremos SEGURANÇA, LIBERDADE, COMPREENSÃO, ESPAÇO, RECONHECIMENTO, dentre várias outras coisas, ainda que tenhamos distintas maneiras de cuidar disso tudo.

Imagina que legal seria se a gente conseguisse escutar e reconhecer as necessidades por trás das estratégias divergentes. Será que rola ver nossa humanidade refletida no outro que, outrora, era nosso antagonista? Ainda que o façamos só por alguns segundos, antes de voltarmos a brigar e dicutir.

E se além de opinar, a gente se implicasse um pouco mais?

Eu acho importantíssimo debater opiniões e argumentos sobre diversos assuntos. Aliás, tenho um tesão danado em debater e discordar. Seja num contexto mais formal, seja numa mesa de bar. Porém, para além das opiniões que temos, existe nosso sentir diante disso tudo.

Nossas opiniões partem de algumas premissas, tais como:

- Base acadêmica: vi estudos que apontam para determinado lugar

- Base afetiva: meu tio me contou que aconteceu com ele, e confio no meu tio

- Experiência pessoal: eu já passei por tal situação X vezes e estou convencido

- Argumento de autoridade: fulano é especialista no assunto

- Notoriedade social: passou no canal de televisão X, então é garantia de veracidade

Enquanto nosso sentir vem de uma fala do que está vivo em nós:

- Eu fico bem triste e desesperançoso quando vejo mortes por armas de fogo, e tenho medo de que amanhã possa ser eu ou alguém da minha família.

- Eu tenho muito medo de que alguém mal-intencionado entre em minha casa e, além de nos assaltar, cometa algum horror comigo e com todos que aqui vivem.

Quando nos implicamos emocional e pessoalmente numa conversa, para além das opiniões que temos, estamos falando de nossa humanidade compartilhada. Do desafio que é ser quem somos, sabe?

Claro que falar de como se sente, é se expor. Vulnerabilizar-se. Dá medo, não? E, aqui, resgato Joseph Campbell, uma de minhas inspirações: "Na caverna que você tem medo de entrar está o tesouro que você procura". A questão é: quem de nós está disposto a dar um primeiro passo em direção à caverna?

A pergunta de um milhão de dólares

- Tá Sérgio! E isso vai resolver os meus problemas? Os nossos problemas coletivos?

Sinceramente, eu não tenho essa resposta. Se a gente nem sequer consegue distensionar a corda por um momento, como poderíamos chegar a uma solução diferente da imposição, do ganhar no grito, do cancelamento?

Rumi, poeta Sufi, disse: "Para além das ideias de certo e errado, existe um campo. Eu me encontrarei com você lá".

Quando chegarmos nesse campo, ali no meio do caminho, onde a corda está menos tensionada, talvez um diálogo surja. E sabe o que é mais lindo e, ao mesmo tempo, amedrontador?

Nesse campo reside um potencial criativo e de construção de novas estratégias que cuidem das necessidades de ambos os lado da corda. As pessoas estão implicadas no processo, ainda com suas opiniões e convicções em mãos (sim, não precisamos deixar de ser quem somos), mas desarmadas. Vulneráveis. Porém, a gente não sabe o que vai surgir nesse diálogo até que ele aconteça.

A polarização não é a vilã da história. E para sairmos da atual estagnação nos extremos, nos é necessário fortalecer a capacidade de escuta e criar espaços seguros para estar em contato com o diferente e divergente. Será que você topa o desafio de ser parte desta construção?

Aos ativistas de plantão: reconheço que existe um sistema complicado que permeia todo esse tema, mas um texto de opinião não é uma tese de mestrado,viu? Se quiser debater mais seriamente sobre isso, me chama nas mídias sociais e engajamos numa troca.