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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Paralisados pela crise, não podemos esquecer que quem tem fome tem pressa

Ação do Sopão das Manas, em São Paulo. - Marina Sapienza
Ação do Sopão das Manas, em São Paulo. Imagem: Marina Sapienza
Flora Bitancourt

Colaboração para Ecoa, de São Paulo (SP)

24/03/2021 06h00

Que futuro é esse, que prometeram que a nossa geração viveria? Quais as bases para essa sociedade mais socioambientalmente responsável? As respostas para essas perguntas são cada dia mais incertas.

Cresci ouvindo que somos a "geração do futuro", da tecnologia, e com familiares me perguntando o que eu queria ser quando crescesse. Esta pergunta vem carregada de privilégio, porque, no país em que vivemos, poder sonhar com o futuro é para poucos se considerarmos que a nossa população diariamente luta por sobrevivência, sendo controlada pela escassez. Acredito que este é o tempo onde, ou mudamos a lógica de como vivemos ou não haverá mais planeta.

Neste mesmo caminho, de imaginar o nosso futuro desejável, em 2015, a ONU estabeleceu um pacto global, no qual foram escolhidos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Este movimento trouxe uma linguagem uníssona ao ecossistema de impacto social e positivo e para além dele, integrando diferentes setores, como empresas e organizações do terceiro setor. A tão falada Agenda 2030 nos convida a pensarmos coletivamente ações para salvarmos o planeta ainda nos próximos dez anos.

Índice de Progresso Social

Mas a verdade é que os dados não são os mais otimistas. A previsão, segundo o "Social Progress Index" (Índice de Progresso Social), é que no passo em que estamos a humanidade só atinja essas metas atuais em 2073. Com a pandemia é possível que esta data se torne ainda mais distante. E, bom, isso se grande parte das pessoas e organizações no mundo mudasse agora seu modus operandi.

As consequências geradas pela longa duração da crise provocada pela covid-19 não tem precedentes e mesmo quem diariamente tenta fazer a diferença se sente paralisado. O direito de sonhar com o futuro nos foi arrancado, as dúvidas nos atropelam.

Afinal, quando tudo isso vai acabar? Quais serão as consequências para as crianças presas em casa, sem escola, sem socializar? Quantas pessoas estão passando fome? Como será o colapso no sistema de saúde? Quem cuida de quem cuida? Quantas pessoas mais precisam morrer para que primeiro, segundo e terceiro setor trabalhem de fato juntos? o momento que estamos vivendo definitivamente é um futuro que ninguém previu.

Quem tem fome tem pressa

Refletir sobre essas questões nos tira o sono, não é à toa que estamos em uma espécie de estado de choque coletivo, lentos, incapazes de tomar atitudes imediatas. Porém, "quem tem fome tem pressa", já diria o sociólogo Betinho. Se hoje temos milhões de pessoas nessa situação, não podemos mais falar de futuro, precisamos agir no presente.

Gostaria de compartilhar alguns aprendizados como empreendedora social. Nos últimos anos, algumas das perguntas que mais me fizeram foram: Qual o seu propósito? Por que você está fazendo o que você está fazendo? O que te move?

Neste tempo já respondi e senti isso de diferentes formas. E, realmente, quando temos a sensação de que estamos fazendo exatamente aquilo que faz mais sentido para a gente, para o outro e para o mundo é uma sensação arrebatadora de felicidade. Receber o agradecimento, ou apenas saber que você está fazendo o bem para algo ou alguém traz uma satisfação gigantesca, que resulta em um ânimo e um engajamento de continuar nesse caminho e trabalhar dia e noite sem parar.

Mas agora está diferente, o desafio é tão grande, que parece que paralisamos. Que não sabemos para onde ir. Estamos perdidos, sem direção, sem saber o que fazer e por onde começar. As incertezas e angústias nos congelam. Relembro que quem tem fome não tem como pensar em futuro e, principalmente num país que não se pode contar com o poder público, o sentimento é que não podemos parar, é como se não tivéssemos o direito de diante de uma adversidade congelar, não podemos focar apenas nos nossos propósitos individuais.

Precisamos agir coletivamente, hoje. Precisamos criar estratégias para colaborar mais, conectar diferentes segmentos, mas além disso, fortalecer e unir forças principalmente entre os atores do campo do impacto social que já sabem o poder exponencial do trabalho em rede.

Colaboração radical

Uma expressão que me guia é a colaboração radical, quando a gente consegue quebrar barreiras e crenças sobre concorrência, competição e núcleo familiar para pensar no todo e nas ações conjuntas que podem ir muito mais longe se agirmos juntos.

O que chamo de "ecossistema de impacto" são pessoas, ativistas, empreendedores sociais, organizações do terceiro setor e negócios de impacto e sociais que estão liderando transformações profundas na sociedade, construindo empresas e iniciativas que atuam diretamente na resolução de problemas sociais, agindo em rede para impulsionar o crescimento e multiplicação de iniciativas que impactam positivamente as pessoas e o mundo.

Precisamos mudar hoje essa cultura da escassez que estimula esse individualismo cultural. Será que mais do que salvar o nosso, não queremos ser a geração que salva o futuro?

Ao invés de pensar no futuro, que tal agirmos agora para termos o que contar no futuro, para que mais pessoas tenham a chance de chegar com a gente nesse futuro desejado!