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OPINIÃO

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Big Brother Brasil: o retrato de uma sociedade em ruína na sua TV

Lucas e Gilberto foram vítimas de diversos preconceitos no BBB 21 - Reprodução/Globoplay
Lucas e Gilberto foram vítimas de diversos preconceitos no BBB 21 Imagem: Reprodução/Globoplay
Luanda Pires

07/02/2021 15h44

Em um ano em que a rede Globo lança o Big Brother Brasil 21 como o mais diverso e racialmente equânime de todas as suas edições, um corpo negro é meticulosamente levado à saída do programa.

Como não podia deixar de ser, desde a estreia do BBB, o centro da atenção foi o corpo negro. Enquanto dentro da casa - ainda mais vigiada desse país - os participantes nos trazem o retrato de uma sociedade completamente adoecida. Aqui fora, é construído um diálogo raso, fundamentado em opiniões, construídas a partir de lugares de privilégio.

Sem correlacionar comportamentos à estrutura dessa sociedade, pessoas negras começaram a ser analisadas e julgadas, dentro e fora da casa, a ferro e fogo, sem que suas subjetividades fossem levadas em consideração, como é de praxe, em relação às pessoas brancas.

Assim como o comportamento dos negros retintos são discutidos veementemente, o branqueamento de não retintos é mais uma vez imposto e uma autodeclaração é motivo de discussão e piadas racistas.

O estopim? A sexualidade de um homem - negro retinto - sendo questionada em rede nacional. O resultado? Sua saída - compulsória - do programa. Lucas não saiu, ele foi expulso. E essa construção de expulsão não começou ontem. Ela começou lá atrás, quando a emissora chamou a atenção pelo feito inédito: diversidade dentro da casa do BBB.
A edição desse programa tem demonstrado como a manutenção dessas discriminações (crimes) adoece a todes nós, negros e não negros; como a luta secular pela manutenção de espaços de poder faz com que corpos que não reflitam, minimamente, os padrões eurocentrados sejam compelidos a se retirar da vida em sociedade; como somos o país mais inseguro para a população LGBTQI+ viver no mundo.

Estamos adoecides, atentes à televisão, sem conseguir enxergar nossa própria face. Julgamos e condenamos comportamentos, sem pensarmos na subjetividade de cada um - entendendo-a como o espaço íntimo de cada ser, aquele lugar onde opiniões são formadas, com base no que nos é dito/imposto - e como, a partir disso, nos relacionamos com o mundo externo.

Em ruínas, ainda somos incapazes de reconhecer que em nossa sociedade a tolerância de uma pessoa negra é construída através de mimetismos - adaptações físicas e comportamentais que a pessoa negra é obrigada a fazer para que possa transitar pelos espaços predominantemente ocupados por brancos - e que quanto mais pigmentada a cor da pele de uma pessoa, mais exclusão e discriminação sofrerá. O que quer dizer que, ainda que uma pessoa seja reconhecida como negra ou afrodescendente, a tonalidade de sua pele será decisiva para o tratamento que a sociedade lhe concederá.

Inertes, assistimos a mais um episódio de bifobia, onde a orientação sexual de um homem é confortavelmente questionada. E adoecido, ele se retira de cena. Cena essa observada sem que consigamos entender que orientação sexual e identidade de gênero, quando falamos de pessoas LGBTQIA+ - porque a heterossexualidade cisnormativa não é colocada em pauta a partir desse lugar -, não são discutíveis ou questionáveis e, sim, inerentes e de foro íntimo.

Enquanto isso, a história e atuação de um movimento social que há muito luta pelos direitos humanos dessas pessoas é colocada em xeque, como se ali estivessem militantes da causa. Desconsiderando a origem típica de um reality show, a discussão de temas importantíssimos para construção de um avanço social entra nos lares brasileiros completamente distorcida e não fundamentada.

Com o BBB 21, o país que orgulha-se em ser conhecido mundialmente por sua diversidade, escancara a todos, invariavelmente, que não sabe conviver com ela. Demonstra que a inclusão da diversidade não será realizada sem que seja compreendida de forma interseccional - analisando gênero, raça e classe como elementos de uma só equação - e realizada do micro para o macro, do espaço privado de cada um para os espaços públicos.

Estamos doentes e adoecendo uns aos outros há 520 anos. Precisamos agir.

Luanda Pires, advogada e CEO da P2 InterDiversidade