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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A inovação construída com diversidade

Getty Images
Imagem: Getty Images
Noah Scheffel

12/08/2020 04h00

A inovação é um propulsor para soluções que abranjam óticas de sustentabilidade, igualdade, direitos humanos e diminuição de vulnerabilidades de recortes populacionais colocados como marginalizados. São eles quem sofrem com maior intensidade os impactos de qualquer instabilidade social.

Essa necessidade de reestruturação social sempre foi urgente para aquelas pessoas afetadas pelas desigualdades, porém se torna agora uma questão latente também a toda a sociedade. Quando os impactos são tão grandes, escondê-los torna-se inviável, ainda que ignorá-los seja uma escolha. É aí que a inovação passa a ser uma peça-chave para a conscientização, em uma vertente necessária para a reconstrução do mundo como o conhecemos.

Muito se fala de inovação e de como a tecnologia pode ser fundamental para processos de mudança. Porém pouco se fala que a inovação não parte necessariamente de processos inéditos e disruptivos. Inovar também pode ser o processo de transformar ideias para que elas se adaptem às necessidades atuais.

Partindo de um contexto em que precisamos reinventar nossa forma de viver, as necessidades atuais são, em si, uma inspiração para a inovação.

Como podemos usar o momento como oportunidade de diminuição de desigualdades sociais, e para que todas as pessoas sejam de fato incluídas nessa reinvenção de forma de vida?

A resposta é: por meio da inclusão de todas as pessoas neste processo inovativo.

Precisamos pensar a partir de um olhar estrutural: quem desenha atualmente os caminhos tecnológicos e inovativos? Quem traz as soluções para os dilemas da sociedade?

Quando olhamos para este protagonismo, podemos observar nitidamente que são construídos por uma persona específica e que detém todas as formas de acesso social, o "homem hétero branco cisgênero". Esta persona está presente nas frentes que determinam os caminhos que a sociedade deve seguir, e estruturalmente sempre esteve ali: é o tomador de decisões. Aquele que representa o que se entende ser uma pessoa de sucesso: casa própria, carro do ano, filhos em escola particular, férias no exterior.

O que há de inovador, ou de adaptável, quando essa persona possui uma ótica limitada pelos privilégios que historicamente o construíram? A ideia de que todas as pessoas são iguais ou que não possuem os mesmos privilégios por "falta de esforço" ignora a diferença de oportunidades, fatos que privam alguns grupos de compartilharem este mesmo espaço. Seja o acesso à educação, desde o ingresso à universidade potencializado por estudos em uma escola particular e cursinhos pré-vestibulares, seja na empregabilidade, por meio de cursos e especializações, intercâmbios e aprendizado de idiomas que formam um currículo modelo a ser buscado para contratação e digno de altos cargos de liderança.

Se sempre que você faz um bolo, ele queima, você vai continuar a deixá-lo no forno pela mesma quantidade de tempo?

Então, como chegar a novos resultados e solucionar problemas diferentes da sociedade se partimos de uma mesma fórmula, quando a narrativa continua sendo desta mesma persona?

Mais uma vez a resposta é: por meio da inclusão de todas as pessoas neste processo inovativo.

É necessário dar protagonismo para a diversidade na construção de soluções para os dilemas da sociedade, pois somente a partir de óticas diversas, os diversos problemas são de fato visibilizados.

A inovação é capaz de redesenhar os processos da sociedade em busca de equidade social. Mas ela só acontece, de fato, se todas as pessoas da sociedade fizerem parte deste desenho. Nada mais que o justo, afinal a sociedade não é formada apenas por uma persona.

Por meio de novos olhares e partindo de outras vivências, descobrem-se questões que às quais não se dava atenção, mas que atingem grande parte da população, visto que ela é formada por diversas pessoas. E quando essas pessoas trazem a sua vivência para a discussão de justiça e equidade social, percebe-se que os problemas são muito mais amplos e que é necessária uma renovação estrutural igualmente proporcional à diversidade de existências.

Quando incluímos no processo de renovação as pessoas que vivem os impactos de uma sociedade feita para poucos, trazemos uma ótica de quais são as ações que devem ser tomadas para que a sociedade passe a abranger todos.

Se não escutamos a mãe trabalhadora moradora da periferia quando pensamos em políticas territoriais, e damos espaço e voz somente para o dono de um shopping localizado em uma "área nobre", vamos acreditar que criar uma nova rua asfaltada de fácil acesso ao empreendimento seja algo urgente para toda a sociedade, quando o urgente poderia ser a construção de uma estrutura de saneamento básico para a região onde aquela mãe e tantas outras moram.

Se não escutarmos as pessoas pretas quando pensamos em políticas de acesso à educação, como mudamos o fato de que elas não chegam nas universidades? Se não escutarmos as pessoas LGBTQIA+ quando pensamos em políticas de saúde e proteção, como mudamos a baixa expectativa de vida relacionada a este grupo?

Só é possível abordar os problemas sociais trazendo essas pessoas para construírem junto uma necessária renovação estrutural.

É hora de a sociedade entender que a persona do "homem hétero branco cisgênero" não tem enxergado ou dialogado com toda a população. As pessoas que não se enquadram nessa normatividade têm o direito de protagonizar suas próprias existências e de contrariar as estruturas sobre elas impostas — por um sistema limitado, racista, lgbtfóbico e machista — em detrimento de suas próprias vidas.

As pessoas, com seus recortes de diversidade e interseccionalidade, é quem são, em sua existência, a própria inovação.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.