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Reportagem

Projeto refaz viagem de Darwin e forma jovens para atuar na conservação

O Projeto Darwin200 refaz a viagem do naturalista inglês Charles Darwin realizada no século 19 e passa por 32 portos no mundo até 2025.

Os tripulantes do veleiro são 200 jovens que atuam com conservação ambiental no mundo e se alternam na embarcação para conhecer iniciativas dos locais por onde passam.

A Mongabay acompanhou a passagem da embarcação pelo Rio de Janeiro, em que Sarah Darwin, tataraneta de Charles Darwin, também esteve presente.

Enquanto você está lendo este texto, um veleiro refaz o trajeto do naturalista inglês Charles Darwin no século 19 — a mesma viagem que inspirou sua teoria da seleção natural para a evolução das espécies. A jornada faz parte do projeto Darwin200, que partiu da Inglaterra em agosto de 2023 e passará por 32 portos em todos os continentes até 2025.

O objetivo da expedição é colaborar com a formação de 200 jovens pesquisadores e disseminar a importância da conservação ambiental para diferentes públicos. Para isso, em cada porto que atraca, cerca de cinco jovens de diferentes países (os Darwin Leaders) embarcam e, em um período médio de uma semana, conhecem iniciativas de conservação realizadas na região para que possam aplicar conhecimentos em seus países de origem.

O resto do mundo também acompanha ao vivo o percurso: a cada semana, uma aula interativa em vídeo — a chamada Sala de Aula mais Emocionante do Mundo — mostra onde está a embarcação, apresenta os desafios de conservação locais, entrevista pesquisadores e, para entreter crianças e adolescentes, faz experimentos e quizzes. Para questionar os especialistas sobre os problemas ambientais mundiais, entram também na transmissão estudantes da educação básica.

A volta ao mundo possibilita ainda o desenvolvimento de pesquisas, como a que está catalogando espécies de pássaros — 200 já tinham sido registradas até novembro de 2023 — e a que registra o volume de microplástico encontrado no oceano.

Darwin no Brasil

Depois de sair da Inglaterra, a expedição Darwin200 passou pela Espanha e Cabo Verde, cruzou o Oceano Atlântico para três paradas no Brasil (Fernando de Noronha, Salvador e Rio de Janeiro), seguiu para Uruguai, Argentina e chegou no Chile em fevereiro de 2024. Daqui, segue pelo Oceano Pacífico até a Austrália. O veleiro em que a viagem é feita, o Oosterschelde, está à altura da empreitada: construído em 1917, tem 50 metros de comprimento e acabamento em madeira.

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O barco não passou em branco quando atracou no centro do Rio de Janeiro, ao lado do Museu do Amanhã, em novembro de 2023. A reportagem de Mongabay acompanhou as atividades realizadas pela privilegiada tripulação, que incluiu Darwin Leaders e a botânica Sarah Darwin, tataraneta de Charles Darwin.

Ela ressaltou anotações feitas por seu antepassado sobre o país: "Darwin observou a grande biodiversidade do Brasil em relação ao Reino Unido. Então se perguntou: por que há uma variedade tão grande de espécies? Isso foi uma semente para as ideias sobre seleção natural que desenvolveu nos 20 anos seguintes".

Sarah Darwin, que é uma das apoiadoras do projeto Darwin200, contou da admiração do naturalista pela paisagem brasileira, destacando a "elegância das ervas, a beleza das flores, a mistura de silêncio e ruídos". E disse: "No último dia em que estava na Mata Atlântica, ele caminhou pela floresta para observar as belezas e fixar na memória o que via. Sabia que não voltaria ao país e que essas maravilhas poderiam ser destruídas".

Charles Darwin navegou pelo mundo por cinco anos no HMS Beagle a partir de 1832, quando tinha 22 anos. A experiência ampliou seu repertório para outras formas de vida e para a biodiversidade, colaborou para a sua teoria evolutiva e a escrita de A origem das espécies, em 1859. A viagem que está refazendo seu percurso também promete impactos para a ciência: inspirar mudanças, trocas de experiências e mobilizar os 200 Darwin Leaders para a ação.

Sarah Darwin, tataraneta de Charles Darwin, diante das Ilhas Cagarras (RJ), onde mergulhou com Darwin Leaders e pesquisadores brasileiros
Sarah Darwin, tataraneta de Charles Darwin, diante das Ilhas Cagarras (RJ), onde mergulhou com Darwin Leaders e pesquisadores brasileiros Imagem: Beatriz Santomauro/Mogabay

Envolvimento dos pesquisadores

Os Darwin Leaders que passarem pela expedição têm o compromisso de gerar materiais sobre conservação em vídeo e texto e divulgá-los em suas redes sociais ou outros canais disponíveis. Sarah vê muita relevância na disseminação de informações: "Os jovens têm energia, foco, sabedoria. Estamos vivendo uma série de crises, e os cientistas continuam não se comunicando bem. Temos que aprender com essa geração, notar sua paixão pela natureza e aprender a falar com o público".

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Nicolás Marín Benítez, argentino de 24 anos e sorriso fácil, fotógrafo, jornalista e cinegrafista, é um dos Darwin Leaders craques nos meios atuais de comunicação. Com mais de 200 mil seguidores no Instagram, é explorador da National Geographic atuando nos Estados Unidos com orcas. Ele acompanha o vaivém de Darwin Leaders em diversas partes do mundo, inclusive quando estiveram nas Ilhas Cagarras, no Rio de Janeiro.

Nico, como é conhecido, também comemora sua recém-anunciada vitória no Prêmio de melhor fotografia de natureza de 2023: "Me sinto como um explorador do passado, que percorria o mundo atrás de novidades, e isso me inspira a ser um Darwin do século 21", diz, rindo. "Temos o desafio de colocar as informações complexas em palavras simples, usando fotografia para chamar atenção, ciência para explicar os fenômenos e ativismo para que não sejamos só espectadores. É essencial mesclar esses conhecimentos para compreender o problema, comunicar e partir para ação".

No Rio de Janeiro, Nico registrou a experiência da Darwin Leader chilena Camila Calderón Quirgas e seu contato com o Projeto Ilhas do Rio, que pesquisa peixes e tartarugas-marinhas nas Ilhas Cagarras, Unidade de Conservação que sofre com poluição urbana, invasão de coral-sol (Tubastraea spp.) e pesca excessiva.

A Darwin Leader chilena Camila Quirgas e o cinegrafista argentino Nicolás Benítez em visita às Ilhas Cagarras, no Rio de Janeiro, para o Projeto Darwin200
A Darwin Leader chilena Camila Quirgas e o cinegrafista argentino Nicolás Benítez em visita às Ilhas Cagarras, no Rio de Janeiro, para o Projeto Darwin200 Imagem: Beatriz Santomauro/Mongabay

Camila, de 31 anos, é médica veterinária, mestranda em oceanografia, autora de livros infantis sobre vida marinha, cofundadora de um grupo de estudos de mastozoologia, exploradora da National Geographic e palestrante do TEDx. "Estar no Brasil, no Oceano Atlântico, conviver com pessoas de todas as culturas, me comunicar em outra língua, isso é tudo novidade para mim", conta.

No Chile, Camila trabalha com baleias da espécie sei (Balaenoptera borealis) a 600 km ao sul de Santiago, na região em que nasceu. Ela explica que esses animais estão em perigo de extinção e sofrem a degradação do ecossistema e poluição industrial. "O local em que atuo não é uma área marinha protegida, então é interessante conhecer a Unidade de Conservação no Brasil e pressionar as autoridades para replicar os melhores exemplos. Precisamos de políticas públicas que gerem resultados imediatos e outras em longo prazo, como educação. Só assim conseguimos sentir os efeitos. O momento de atuar é agora, e não depois".

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Enquanto ela falava com a Mongabay, o barco chacoalhava rumo às Cagarras, em um mar agitado após dias de ressaca, tendo a companhia da equipe do Ilhas do Rio e do ICMBio. "Uma arraia saltou!", se espantou Camila enquanto admirava o mar azul-turquesa. Por baixo da água, aparecem algumas das 300 tartarugas-verdes (Chelonia mydas) registradas nos últimos três anos pelo Ilhas do Rio. O projeto monitora o comportamento dos animais na região antes de migrarem para reprodução.

Camila nunca viu tartarugas em seu habitat natural e se mostra instigada pelas descobertas, assim como os outros Darwin Leaders que estiveram no Rio de Janeiro: um indiano acompanhou o projeto de reintrodução de macacos-bugios, uma venezuelana conheceu atividades com mico-leão-dourado, uma francesa viu de perto uma iniciativa de pesquisa de golfinhos e uma holandesa aprendeu sobre reflorestamento da Mata Atlântica.

A chilena Camila Quirgas, uma Darwin Leader, avaliando com pesquisadores do ICMBio espécimes de coral-sol, espécie invasora no litoral do Rio de Janeiro
A chilena Camila Quirgas, uma Darwin Leader, avaliando com pesquisadores do ICMBio espécimes de coral-sol, espécie invasora no litoral do Rio de Janeiro Imagem: Beatriz Santomauro/Mongabay

Da Bahia a Cabo Verde

Nina Marcovaldi, nascida na Bahia há 37 anos entre as tartarugas-marinhas da Fundação Projeto Tamar, iniciativa pioneira criada por seus pais em 1982, também foi escolhida como Darwin Leader. Jornalista com especialização em documentário, ela conheceu projetos de conservação do outro lado do Atlântico, em Cabo Verde, e viu de que forma é feito o cuidado das tartarugas-marinhas, o histórico da exploração e a relação da comunidade com as espécies.

Nina conta que enriqueceu seu conhecimento sobre mais um habitat das tartarugas e que conversou com biólogos, pescadores, mulheres e crianças. "Para atuar com conservação, é preciso entender a população local, respeitar a ancestralidade e as tradições, dar voz àqueles que não são normalmente escutados e fazer ciência tendo um olhar carinhoso e amoroso."

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Nina Marcovaldi, que pesquisa tartarugas-marinhas no Brasil, é Darwin Leader em Cabo Verde
Nina Marcovaldi, que pesquisa tartarugas-marinhas no Brasil, é Darwin Leader em Cabo Verde Imagem: Divulgação/Projeto Tamar

Segundo Nina, enquanto os moradores mais velhos de Cabo Verde lhe contaram que se alimentavam de ovos de tartaruga, os mais novos afirmaram que isso é crime, o que demonstra uma grande mudança cultural em pouco tempo. "Para melhorar o que é preciso, precisamos ter coragem, responsabilidade, tempo e envolvimento de todos. Se cuidamos das pessoas, elas cuidam das tartarugas", diz.

O argentino Nico vibra com essas trocas entre pessoas: "É muito importante fazer conexões com diferentes histórias, que nos aproximam, encurtam distâncias, dão oportunidades. São como reservas de energia, que fazem que o mundo siga girando para a conservação!".

É preciso continuar a jornada pela conservação, conforme diz Sarah: "Nós não precisamos voltar atrás para conviver com a natureza; temos que olhar para frente vivendo de um jeito diferente e sustentável. Todas as nossas decisões precisam ser tomadas tendo a natureza como prioridade".

*Notícias da Floresta é uma coluna que traz reportagens sobre sustentabilidade e meio ambiente produzidas pela agência de notícias Mongabay, publicadas semanalmente em Ecoa. Esta reportagem foi originalmente publicada no site da Mongabay Brasil.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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