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Noah Scheffel

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O que uma guerra e o BBB têm em comum?

Divulgação/Rosoboronexport
Imagem: Divulgação/Rosoboronexport

28/02/2022 06h00

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O cenário mundial com relação a grupos de diversidade que fogem do padrão aceito nas sociedades tem se mostrado cada vez mais cruel, com agressões normalizadas e carregadas de discursos nos quais vidas são relativizadas. Com o título desta coluna você pode achar que eu vou comparar um programa de entretenimento em um âmbito de impacto com uma guerra. Mas não é isso que quero trazer aqui para você.

O fato que eu gostaria que você percebesse é que, dadas as tamanhas proporções, as ações que tomamos no dia a dia de forma natural, e sem acreditarmos que têm relevância, possuem impactos em vidas das quais nem sequer estamos tomando ciência da existência. E isso tudo acontece porque somos adoecidos pelo preconceito estrutural que desumaniza vidas.

Quantas vezes você não fez uma "piadinha" xenofóbica que ofenderia diretamente toda uma população por conta de estereótipos? Aliás, quantos estereótipos xenofóbicos nós carregamos, e inclusive nos tornamos especialistas, principalmente na relação covid e sua origem? Quantas vezes você "brincou" atrelando todo um povo ao terrorismo? Ou que você "idolatrou" um povo porque eles "carregam uma árvore nas costas" e "tomam banho pelados no gelo"? Quem você tem como referência de nação? Reflita quantas dessas situações você carrega.

Enquanto isso, o que você sabe sobre os conflitos armados, suas causas e consequências, e as pessoas que vão precisar se tornar imigrantes em um mundo inóspito, nos países em que só nos basta o entretenimento? Só nos bastam os memes, os tweets engraçados, e a superficialidade que colocamos em cima de tudo que não achamos relevante o suficiente para nos importar. A superficialidade é uma zona muito confortável e justificada com frases como "ah, ficar sabendo dessas coisas me faz mal", "prefiro evitar esses assuntos", quando na verdade nós não os evitamos de fato, nós só consumimos a parte deles que nos entretém, que nos faz dar risada, sem perceber que a cada riso nosso estamos reforçando os preconceitos e as consequências que essas pessoas estão sofrendo. Afinal, não é apenas você rindo e não se envolvendo com a seriedade do assunto, são milhões de pessoas dando a mesma risada.

Aí temos o BBB, um programa de entretenimento, que é justamente aquela "alienação permitida" que não precisa ser mantida em segredo ou censurada. E não estou criticando quem gosta desse tipo de entretenimento, estou criticando a alienação à existência das pessoas que, mesmo voluntariamente inscritas para participar desse programa, também são desumanizadas sem necessárias consequências, pois nada é levado tão a sério como deveria. O que nos conduz a não levarmos a sério uma sucessão de atos transfóbicos ou racistas?

Esse é um ponto em comum entre uma guerra e o BBB: nós nos entretemos com o sofrimento alheio. E esse nosso entretenimento quase que sádico reforça cada micro agressão, cada conflito, cada violência, cada guerra, das quais nem sequer tomamos conhecimento. O quanto o seu riso não reverbera na não-existência de alguém? O quanto você não contribuiu para uma violência que outra pessoa comete? O quanto de responsabilidade sua existe numa guerra?

E principalmente, quando você vai tornar conscientes as suas ações para que elas ao invés de reverberar em violência, reverberem em acolhimento e humanidade para todas as pessoas?