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Mariana Belmont

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Natureza nos pede coragem

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Imagem: iStock

Mariana Belmont

22/07/2021 12h04

Há uns dias eu li um texto sobre coragem, sobre o que significava coragem, era um texto da newsletter da Lua Barros, uma querida amiga que tem um olhar sobre as trilhas e matas internas de cada um de nós. No texto de Lua, ela nos faz refletir sobre a coragem de não andar na direção que não é a sua, ou ter coragem é ser fiel ao que sentimos.

Eu revisitei esse texto esses dias, li, reli e anotei coisas. Fui e voltei. E agora escrevendo essa coluna em uma semana de uma pouca tranquilidade pessoal, fora de São Paulo, daqui de onde estou com meu computador enxergo a Serra da Mantiqueira, e é muito forte olhar essa imensidão do alto ou debaixo.

Fiquei me questionando sobre meu lugar de uma segurança ilusória e comodidade, sem arriscar movimentos internos junto com a natureza, a poeira rural e a araucária que desbrava as alturas ou o tucano que passeia entre as bananeiras e outras árvores o dia todo.

O sol queima minha pele e eu fico pensando nessa natureza toda. Ela tem coragem (certamente muita), resistência e resiliência. Eu olhei esses dias e pensei: "a natureza não desiste mesmo, somos nós que desistimos dela".

Imagina só uma árvore nascendo no meio da floresta, já meio sem espaço, e ela segue crescendo, achando jeito de caber nesse mundo, galhos para cá e galhos para lá, acomoda. E chega no topo, fica só esperando ali uma visita de alguns pássaros em seus galhos. Então você inicia sempre sua jornada com sementes, naturalmente com suas raízes, depois tronco, galhos, folhas e frutos. Me parece bastante com a nossa vida, se quiser olhar para essa árvore como um ser vivo que precisa continuar existindo.

Eita.

Aqui na Mantiqueira, com frio, mas com muito sol, com terra, grama e muitas árvores, eu me reconecto com quem sou. Afinal, a gente sai de onde a gente nasce, às vezes, mas o lugar nunca sai de você, claro, se você não quiser que saia.

Mantiqueira é um termo de origem tupi que significa "gota de chuva", através da junção dos termos amana (chuva) e tykyra (gota). Seu nome dá ideia da grande importância da serra como fonte de água potável, formação de rios que abastecem um grande número de cidades da região sudeste do Brasil. A Serra da Mantiqueira integra o ecossistema da Mata Atlântica e Mata de Araucárias (minha árvore preferida), apresentando manchas remanescentes dessas matas em seus picos mais elevados.

Nasci em uma região de muita Mata Atlântica, muita água, muita conexão... Era natural viver o quintal e a terra na minha casa. Tudo livre, cachoeira, árvores e tanta comida produzida ali. Terra guarani, aprendizado e troca constante sobre a terra. E a Mata Atlântica são muitas, se conectam e se complementam, são responsáveis por uma sensação de frescor quando você passa por ela, terra molhada e as árvores que batem com o vento.

"Fomos nos alienando desse organismo de que somos parte, a Terra, e passamos a pensar que ele é uma coisa e nós, outra: A Terra e a humanidade. Eu não percebo onde tem alguma coisa que não seja natureza. Tudo é natureza. O cosmos é natureza. Tudo em que eu consigo pensar é natureza," diz Ailton Krenak

Tudo isso pela coragem de ser parte da natureza, sem medo de encontrá-la. Sempre me imagino, ou sonho, andando em uma trilha na mata. Tá calor, mas tá fresquinho por causa das árvores. Eu vou parando no caminho para descansar, bebo água, como algo. No fundo da caminhada, um som de rio ou cachoeira, as águas batendo, tudo cada vez mais perto de mim, confiando que tô chegando.

A natureza é poesia, ela é vida concreta, ela é a cidade, ela é o rural, ela é o transporte que a gente pega, a comida que comemos, a água que bebemos. A natureza é tudo e mais um pouco, é vida que respira até o homem cortá-la e fazer sangrar as árvores ou os comedores de terra abrirem buracos para descobrir um tesouro que não precisamos. Que tristeza.

Enquanto o sol esquenta meus pés eu tento pensar menos para ouvir e sentir mais. Abraço a imensidão que me circula. Nasci em uma periferia rural em São Paulo e saí para abrir outros caminhos com a picada do facão, como os agricultores tradicionais. E quando me vi estava atolada no cimento, tentando me desafogar. Eu vou me segurar nesse abismo e seguir na trilha pela mata, seja na intensidade que puder.

A Mata Atlântica nos pede coragem.

"Talvez estejamos muito condicionados a uma ideia de ser humano e a um tipo de existência. Se a gente desestabilizar esse padrão, talvez a nossa mente sofra uma espécie de ruptura, como se caíssemos num abismo. Quem disse que a gente não pode cair? Quem disse que a gente já não caiu?" nos disse em seu livro o grande Ailton Krenak.