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Mariana Belmont

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O orixá é natureza

Cerimônia de candomblé - Getty Images
Cerimônia de candomblé Imagem: Getty Images

Mariana Belmont

Colunista do UOL

09/12/2022 06h00

Talvez uma das minhas memórias mais bonitas de infância seja de um sábado de manhã com sol. Todos lá de casa bem vestidos e juntos na rua do meu bairro indo até a casa da Maria do Carmo, que morava em um sítio enorme, em uma casa bonita. Dona Maria era uma mulher negra de olhos verdes e que te olhava firme.

A gente ia sempre lá nas festas de Erê, muitas crianças e muita cor, muito mato, era uma festa de Erê dentro da floresta, dentro da Mata Atlântica. Comidas em cumbucas de barros, doces e um grande bolo de festa. Tive que ligar para minha tia e perguntar melhor, eu era muito pequena para os detalhes.

Me lembrei disso de maneira muito forte durante o encontro do Fé no Clima, que participei semana passada no Rio de Janeiro, projeto liderado pelo ISER (Instituto de Estudos da Religião). Foi muito potente, importante e emocionante. A religião atravessa o cotidiano da gente, né? E eu que acredito em muitas coisas fiquei mexida, voltando emocionada para minha casa e com muita vontade de seguir olhando para o cotidiano das relações e da natureza com o sagrado.

É muito importante a gente dar concretude para nossa vida, nossos desafios. A religião faz isso né. A fé faz isso. Nos alimenta, independente de qual for a sua crença ou para qual lugar você aponta. Eu não tenho certezas, mas talvez tenha um palpite sobre como podemos viver com a natureza de forma harmoniosa acreditando no sagrado.

"O orixá é natureza", e não é que mesmo? Afinal, assim como o divino, o sagrado, o espiritual ou todas outras possibilidades de fé, a gente fala sobre passado, presente e futuro. Babalorixá, pastoras, pastores, padres, rabina, rabino, mãe de santo, muçumanos e Lama (budismo), indígenas e todas as lideranças abertas para falarmos sobre fé e clima.

O que parece certo é que quanto mais nos distanciamos da natureza, do quintal de casa e da paisagem verde, com as cidades crescendo sem planejamento e a industrialização, mais atingimos de forma cruel o planeta que alimenta o faminto e sacia o sedento.

A fé sempre foi imensidão para mim. Frequentar terreiros de umbanda quando eu era criança, depois me propor a participar das atividades da igreja católica, tudo passava pela centralidade da. Cada religião tem uma maneira diferente de se relacionar com a natureza, mas há um ponto em comum bem importante e que pode nos ajudar: todas as crenças têm uma visão positiva do meio ambiente.

A iniciativa Fé no Clima é algo que todo mundo deveria conhecer, até os ateus. Eles têm como missão reunir e engajar lideranças religiosas para conscientização de suas comunidades de fé no enfrentamento à crise climática. Fazendo isso da melhor forma, por meio do diálogo entre cientistas, religiosos, ambientalistas e representantes de povos originários, com objetivos de adaptação, resiliência e justiça climática. O diálogo é fundamental nos encontros e nas trocas, perdemos o diálogo com os diferentes nos últimos anos e encontrar isso entre religiões é libertador é muito importante.

O Fé no Clima foi criado em 2015 no contexto de dois importantes eventos daquele ano: a promulgação da encíclica "Laudato Sí", do Papa Francisco, e a Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas para as mudanças climáticas (COP21), ocorrida em Paris.

Aquela vontade de trazer o debate para a vida real se colocou possível ali, naquele encontro, sai com vontade de contar. De escrever e acompanhar. Sai com vontade de entender para onde olha a minha fé e minhas crenças, trazendo na transversalidade a vida das pessoas, a proteção das cidades e das florestas.

A Mata Atlântica me deu fé, me deu esperança e me trouxe a possibilidade de enxergar o futuro de forma transversal com a minha vida. Rezar, pedir, agradecer nas florestas. Um deus, os orixás das águas e das matas, todos que cuidam. Acreditar e respeitar é viver em absoluta conexão com atravessar a cidade no transporte público, ter água, ter comida no prato e estar em comunidade.

Parece romântico, deve ser mesmo, mas respeitar é também discordar e permanecer, e assim é natureza e fé.

Muito obrigada axé!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL