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Mariana Belmont

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Lula vai acelerar a titulação de terras quilombolas no Brasil

 O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante conferência em Lisboa, Portugal - Paulo Mumia/Enquadrar/Estadão Conteúdo
O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante conferência em Lisboa, Portugal Imagem: Paulo Mumia/Enquadrar/Estadão Conteúdo

Mariana Belmont

Colunista do UOL

01/12/2022 06h00

Sentei na ponta da mesa e uma parte de mim nem sabia ao certo se eu deveria estar ali, era a primeira vez que eu me presenciava uma reunião entre Marina Silva e o movimento negro brasileiro. Um encontro no continente africano em uma conferência importante para os rumos do planeta e das pessoas.

"Primeiro, eu quero agradecer pela oportunidade da nossa conversa", começou Marina, tranquila e sem nenhuma pressa para as próximas agendas.

A COP27 ocorreu não muito longe do Monte Sinai, um local de referência para muitas religiões e para a história de Moisés. Até me parece um lugar apropriado para realizar uma conferência que fala sobre o fim do mundo e que caos climático é uma crise de proporções bíblicas.

"E há vinte, trinta, quarenta anos atrás, quando as comunidades tradicionais, seringueiras, de quebradores de coco, de pescadores tradicionais, enfim, açaizeiros, geraizeiros, todas essas comunidades tradicionais que existem no Brasil, seja na Amazônia, seja no nordeste principalmente, de pescadores, como é o caso lá do Quilombo do Mandinga, que o pessoal trabalha com a pesca das ostras e tal. As pessoas não tinham esse lugar, de serem vistos primeiro com essa categoria, de comunidades tradicionais. A gente tinha os indígenas e os quilombos, que sequer eram reconhecidos na nossa constituição, eram autodenominados pela própria realidade histórica", disse Marina.

Depois de uma sensação de desconfiança generalizada entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento, e depois de dois dias de atraso, uma decisão há muito esperada, três décadas em preparação, todos os governos na COP27 concordaram em estabelecer um fundo para perdas e danos. Este é um primeiro passo em um processo para retificar a injustiça sistêmica para bilhões de pessoas, em especial no sul global, que são os menos responsáveis, mas estão na linha de frente da crise climática e com suas populações sofrendo racismo ambiental. Aqueles que estão sofrendo impactos climáticos devastadores, como enchentes, secas, deslizamentos, falta de água, furacões e aumento do nível do mar em cidades importantes, terão alguma esperança de que seu direito de acesso ao apoio seja respeitado.

O movimento negro brasileiro esteve presente na COP27 reafirmando sua luta histórica por justiça: racial, climática, social e de gênero, tanto para o nosso país quanto para o mundo. Reafirmando suas contribuições e responsabilidade com o desenvolvimento brasileiro em bases da sustentabilidade social e climática, o que não será possível com o nível de crimes de racismo ambiental que impactam a vida da maioria populacional na maior Diáspora Africana no espaço Global. No Brasil, a população negra está diretamente afetada pelos impactos das mudanças do clima nas cidades e no campo, estamos vivendo a emergência climática. Mais de 60% da população negra no país está diretamente impactada pelos eventos extremos do clima devido às condições de moradia, alimentação, saúde, acesso à terra urbana e rural, trabalho e renda, mobilidade e localização - as desigualdades aprofundam mulheres e crianças negras em vulnerabilidade.

A Coalizão Negra Por Direitos entregou ao presidente eleito Lula uma carta com pedido de compromisso do presidente eleito no combate ao racismo ambiental e à garantia da justiça racial. A importância de titulação das terras quilombolas também foi reforçada pelo movimento negro como tema central nas reivindicações do movimento.

A imprensa, esqueceu ou deixou para lá, mas depois da conversa do movimento negro com a Marina Silva, dias antes da presença do Lula na conferência, o presidente eleito disse em reunião com a sociedade civil presente a urgência da titulação dos quilombos.

"Se a gente não fizer agora com rapidez o reconhecimento dos quilombos brasileiros, o processo demora muito. A burocracia não permite que as coisas que parecem fáceis, sejam fáceis. Então eu voltei com a disposição de fazer o que eu não fiz da outra vez, fazer mais e com mais competência e mais qualidade", iniciou Lula em sua fala na reunião.

Todo mundo ouviu, gravou e o Alma Preta deu a notícia, porque tem responsabilidade com o passado, o presente e o futuro da população negra no campo e na cidade. E o restante da imprensa presente por lá?

A COP27 acabou há quase 10 dias, não houve descanso depois de lá. As equipes de transição do novo governo estão recebendo documentos, cartas e pedidos da sociedade civil. Desejos para que o futuro seja melhor que o passado dos últimos seis anos.

Agradecemos ao Egito, agradecemos África, por mais uma vez receber o mundo e nos dar o farol. Agora é trabalho, muito para que haja prioridades nas políticas brasileiras, para que a vida das pessoas, dos territórios e das florestas possam valer mais que as empresas de lobby que também ocuparam os dias quentes e confusos em Sharm el-Sheikh e seu mar vermelho e azul.