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Mara Gama

REPORTAGEM

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Barroso vota a favor de ação contra governo sobre Fundo do Clima

Vista aérea mostra área de desmatamento na fronteira entre a Amazônia e o Cerrado, em Nova Xavantina, no Mato Grosso - Amanda Perobelli/File Photo/Reuters
Vista aérea mostra área de desmatamento na fronteira entre a Amazônia e o Cerrado, em Nova Xavantina, no Mato Grosso Imagem: Amanda Perobelli/File Photo/Reuters

Colunista do UOL

24/06/2022 16h37

Por uma feliz coincidência, na mesma semana em que a Noruega anunciou que vai voltar a fazer doações ao Fundo Amazônia se o país eleger um governo diferente, o Supremo Tribunal Federal começa com o pé direito a analisar a paralisação nociva do Fundo do Clima pelo governo atual.

O ministro do STF Luís Roberto Barroso aceitou, nesta sexta (24), a argumentação de uma ação que denuncia a omissão do governo brasileiro ao paralisar o Fundo do Clima.

O Fundo do Clima foi criado em 2009 e serve para garantir recursos para projetos, estudos e empreendimentos que possam mitigar as mudanças climáticas, reduzir emissões de gases do efeito estufa e promover adaptação aos efeitos das mudanças do clima. É um instrumento fundamental da Política Nacional sobre Mudança do Clima e se vincula ao Ministério do Meio Ambiente. Segundo a lei que o estabeleceu (12.114/2009), deve ser administrado por um comitê gestor com representantes de órgãos federais, da sociedade civil, do terceiro setor, dos estados e dos municípios.

Barroso é o relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) número 708, protocolada em 30 de junho de 2020 pelos partidos PT, PSOL, PSB e Rede. O Instituto Alana, de defesa de infância, atua como Amicus Curiae. O caso segue em plenário virtual e os demais membros do STF têm até dia 1 de julho para acompanhar ou não o voto.

O Fundo teve bastante atividade de 2011 a 2018. Foram oito projetos aprovados em 2018, somando cerca de R$ 4 milhões; dois em 2017, somando cerca de R$ 6 milhões; três em 2016 (cerca de R$ 9 milhões); um em 2015, com dotação de R$ 1 milhão; sete em 2014, somando cerca de R$ 9,5 milhões; sete em 2013, com cerca de R$ 24,5 milhões, nove em 2012, somando cerca R$ 22 milhões. Em 2011, foram 23 projetos, somando cerca de R$ 38 milhões. Os dados podem ser pesquisados no site do Ministério do Meio Ambiente.

Desde o início do atual governo, o fundo está praticamente paralisado. Como anota Barroso em seu voto, a paralisação aconteceu no mesmo ano em que "o desmatamento na Amazônia Legal retornou para os patamares de 2006/2007, atingindo áreas protegidas, terras indígenas e unidades de conservação". "Em 2019, o desflorestamento por corte raso foi de 10.129 km2, um aumento de 34% em relação ao ano anterior, em que o índice já estava alto por conta da tendência de subida havida entre 2013 e 2018".

O Fundo permaneceu inoperante durante todo o ano de 2019 e parte do ano de 2020. Segundo documento da Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal, tal inoperância se deveu à falta de nomeação do Comitê Gestor do Fundo porque o Executivo pretendia, antes de dar destinação aos recursos, alterar a sua composição. Essa mudança privilegiaria a representação e a participação do setor privado em detrimento da participação da sociedade civil organizada. A mudança do comitê está numa portaria do MMA de março de 2020.

Em seu voto, o ministro Barroso comenta a manobra para mudança de direção do Fundo: "A providência não é estranha ao STF e se insere no mesmo contexto de extinção e/ou alteração de múltiplos órgãos colegiados da Administração Pública, por meio das quais se pretendeu suprimir ou reduzir a participação da sociedade civil e de experts em tais órgãos e assegurar o controle do governo sobre as decisões e as informações pertinentes ao setor. De modo geral, tais medidas foram declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, tendo-se assinalado que geravam risco de captura de tais órgãos e violavam o direito à participação da cidadania e das organizações da sociedade civil em temas de relevante interesse público".

Depois de uma audiência pública realizada em setembro de 2020, para discutir esta inatividade do Fundo e a ação proposta pelos partidos, o governo resolveu voltar a operar o Fundo. De lá para cá, dois projetos foram contemplados. Um deles é um projeto para encerramento de lixões no Estado de Rondônia, em 2020, com a dotação de cerca de R$ 12 milhões, a maior verba já liberada desde o início de operação do Fundo. Ricardo Salles, articulador e defensor do programa Lixão Zero, estava ministro do Meio Ambiente na época. Em 2021, foi aprovado também um projeto de implantação de um parque urbano no município de Fagundes Varela (RS), com verba de R$ 658 mil. A população estimada da cidade é de 2.750 pessoas, de acordo com o IBGE.

O ministro Barroso também anota, em seu voto, que os recursos foram destinados preferencialmente ao atendimento ao meio ambiente urbano, "quando é de conhecimento geral que parte relevante das emissões de GEEs do país decorre do desmatamento e da alteração do uso do solo corrente no meio rural, que deixaram de ser atendidas. Trata-se, portanto, de alegação de possível alocação subótima dos recursos do Fundo, que sacrificaria recursos escassos em situação de grave crise climática".

"Uma análise nas informações disponíveis dos relatórios financeiros do BNDES indica que até o fim de 2021 havia R$ 698 milhões disponíveis no fundo", diz a advogada do Instituto Alana Angela Barbarulo. "Se somarmos esse valor de R$ 698 milhões com os R$ 444 milhões que ainda não foram transferidos em 2022, é possível concluir que há mais de R$ 1,1 bilhão disponível e ainda não empregado para as ações de mudanças climáticas na modalidade reembolsável do Fundo do Clima", afirma Angela.
O valor seria suficiente para patrocinar muitos projetos. "É importante destacar o distanciamento em relação ao que a lei determina. Todos os tipos de atividades e projetos estão lá. A prioridade deveria ser a de projetos para redução de gases do efeito estufa do desmatamento", diz Angela.

"A União tem o dever constitucional de tutelar o meio ambiente, cumprir acordos internacionais e proteger os direitos fundamentais de todos, em especial das crianças brasileiras, as mais afetadas pelos efeitos das mudanças climáticas", observa a advogada. "O Alana defende o direito ao meio ambiente equilibrado para as crianças e os adolescentes, a garantia de seu futuro no presente. É o princípio da justiça intergeracional", comenta. Vale lembrar que um terço da população brasileira está nesse grupo.

Se os demais ministros seguirem o voto de Barroso, será uma recuperação importante de recursos para o combate às mudanças climáticas. Infelizmente a mudança feito na composição do comitê não foi objeto da ação.