Baleado na entrega: a trágica realidade dos entregadores de aplicativo
Hoje não terá entrega. Ao menos, não de Nilton Ramon de Oliveira, servidor do iFood de 25 anos, como eu, que na noite de ontem (4), foi baleado por um policial militar durante uma discussão em Vila Valqueire, zona oeste do Rio de Janeiro. O motivo? Não ter subido para deixar a encomenda no andar da residência, o que poderia ser resolvido se colocada uma taxa extra simples para quem quiser receber na sua porta.
Neste momento, o estado de saúde de Nilton é considerado grave e expõe uma das muitas precariedades da profissão que luta pela regularização. Como não há coincidência que faça bastar a vida, o presidente Lula havia assinado, horas antes do ocorrido, um projeto de lei que regulamenta o trabalho dos motoristas de aplicativo. A minuta do projeto de lei estabelece uma remuneração mínima aos motoristas e limite de carga horária diária, de até 12 horas.
A proposta, porém, contempla apenas transporte de passageiros em quatro rodas. As negociações com empresas que tratam do transporte de alimento e encomendas, com motocicletas e bicicletas — representadas em especial pelo iFood—, não avançaram. Lula cobrou aplicativos que não aceitaram proposta. "O iFood não quer negociar. Mas nós vamos encher tanto o saco, que vão ter que negociar", brincou.
Mas não é só de um ''melhor'' salário que quem está no corre necessita, pois, na real, isso é e deveria ser visto como direito primário. Aqui, voltamos às questões muito básicas ao humano: respeito, dignidade, empatia, cuidado e a certificação de que seu trabalho importa.
Não posso dizer que sei o que vivem, mas numa experiência muito curta, entreguei comidas preparadas por minha mãe, cozinheira, durante a pandemia. Voava pela cidade entre carros, caminhões, gentes e quem mais estivesse pela frente, numa matemática onde fazer a entrega no tempo certo e não deixar o cliente na mão é o que dita como será a lida. Não há respiro.
Por vezes, já esgotado ao final do dia, estive presente em situações desconfortáveis. De porteiros que, por receio, mandavam-me pelo elevador de serviço até consumidores que não aceitavam receber diretamente das mãos de quem entrega, mesmo frente a frente. Ainda que com medo do que pudesse acontecer, fazíamos eu e outros tantos colegas momentâneos, apenas engolir a seco a falta de educação e o preconceito com uma classe invisibilizada, mesmo no período em que mais fez a diferença.
O projeto assinado em relação aos trabalhadores foi apresentado com urgência constitucional, ou seja, Câmara e Senado terão 45 dias, cada, para analisar a proposta.
O artigo 12 da proposta responsabiliza as empresas operadoras de aplicativos para a ''adoção de medidas para prevenir abusos aos direitos dos trabalhadores''.
Cabe agora incluir também a culpabilização caso haja uma vítima de morte e penalização por omissão. Afinal, se não houver trabalhador, não há negócio.
Em nota para a coluna, o iFood diz que ''não tolera qualquer tipo de violência contra os entregadores parceiros'' e que lamenta o acontecido com o Nilton. A empresa afirma que o autônomo ''receberá o apoio jurídico, por meio de uma advogada da Black Sisters in Law, que dará seguimento em todo o processo jurídico do caso'', e que a conta do cliente em questão foi banida da plataforma.
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