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Por que componentes de cannabis têm sido cada vez mais usados em carros

Edwin Remsberg/VWPics/Universal Images Group/Getty Images
Imagem: Edwin Remsberg/VWPics/Universal Images Group/Getty Images

Julio Cabral

Colaboração para o UOL

23/11/2022 08h00

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Quando falamos em cannabis, a associação mais comum diz respeito à maconha. Mas um outro componente de mesma origem tem sido cada vez mais utilizado pela indústria automotiva: o cânhamo.

Em 1941, o próprio Henry Ford criou um protótipo que se destacava pelo uso do material no combustível, enquanto a carroceria foi feita com uma mistura de soja e outros elementos, sendo 10% de fibra natural de cânhamo.

Em plena Segunda Guerra Mundial, a ideia de um carro do tipo foi impulsionada pela necessidade de se escapar do racionamento de materiais como o aço e o petróleo, além de investir em uma fonte renovável de material, uma vantagem que se soma à facilidade e rendimento do plantio.

A legislação antidrogas e o preconceito inviabilizaram qualquer iniciativa. Além do governo norte-americano, grupos conservadores também agiram para eliminar qualquer substância que fosse oriunda de variedades de maconha. E isso é um erro, dado que o cânhamo é extraído de variantes com pouquíssimo THC (Tetrahidrocanabinol), a substância psicoativa da maconha convencional.

Há uma diferença enorme na dosagem de THC do cânhamo. Comparado à maconha, o material tem, no máximo, 0,4% de THC, contra mais de 20 ou 30% das variantes mais fortes da erva, que eram bem menos potentes até uma ou duas décadas atrás. Ainda que ambas sejam mais do que parentes, uma vez que são oriundas da mesma planta, a distinção é suficiente para o cânhamo não ser considerado uma droga psicoativa.

Um grupo de ativistas adaptou uma antiga perua Mercedes-Benz movida a diesel e trocou o combustível por óleo de cannabis. A equipe do Hemp Car viu outra saída para o material e afirma: "as emissões associadas ao uso de combustíveis de maconha são bem menos tóxicas do que os combustíveis fósseis, e a maconha ajuda a remediar o aquecimento global por absorver o CO2 do ar enquanto a planta está crescendo", diz Grayson Sigler, um dos criadores do Hemp Car, no manifesto do projeto. Os ativistas começaram a rodar com o carro no ano 2000.

O lobby da indústria de combustível e de materiais convencionais atrapalharam a adoção do óleo e também da fibra de cannabis. "Evidências sugerem que a proibição foi jogada em cima de nós por um grupo industrial que estava disposto a dominar os mercados emergentes de combustível e de fibras", reforça Kellie Ogilvie, parceiro de Singler. Henry Ford teria curtido a ideia.

A liberação do plantio industrial do derivado da cannabis é marcante até em países que proíbem o uso da erva propriamente dita. Graças à distinção científica, governos permitem que o cânhamo seja utilizado em mil e uma aplicações. O relaxamento do plantio de maconha também é responsável por possibilitar o uso mais maciço do componente na indústria automotiva.

Embora a indústria de larga escala ainda esteja engatinhando no uso de cânhamo, protótipos mais recentes mostraram que um carro com carroceria inteiramente feita do material é possível.

Esse é o caso do Canna, esportivo criado por um ex-engenheiro da Dell, Bruce Dietzen. Feito sobre a base do Mazda Miata, famoso esportivo conversível conhecido pela sua boa dirigibilidade e baixo peso, o Canna deixa claro a sua origem da Cannabis até no nome. Embora o modelo da Renew Sports Car tenha sido apresentado em 2016, o fabricante não tem dado mais notícias e o próprio site deles está fora do ar.

Em entrevista publicada no site Autoevolution, Dietzen afirma que o carro estava "cerca de sete anos à frente do seu tempo", então o foco agora é "fazer versões avançadas de tecidos de cânhamo para fabricantes de veículos elétricos para ajudá-los a aliviar o peso e a pegada de carbono deles".

Até dez vezes mais forte do que o aço, a carroceria foi composta por 65% da fibra da planta, o que o ajuda a ter um peso baixo e, de quebra, maior resistência a impactos e outros danos. Já pensou ter um carro que fosse mais resistente a impactos do dia a dia? E o melhor: está perfeitamente adequado às exigências ambientais, pois o cultivo da cannabis é verde e anula as emissões no próprio plantio. Estamos falando de carros ainda mais ecológicos do que qualquer elétrico.

É justamente essa busca por materiais amigáveis ao meio ambiente que está acelerando a adoção do cânhamo. A BMW utiliza o material nos painéis de porta do i3, o primeiro elétrico a ser vendido no Brasil, uma aplicação que permite cortar 10% do peso em relação aos materiais convencionais. A iniciativa está próxima de completar dez anos.

O objetivo da marca germânica é acelerar o processo de uso de fibras naturais, pois elas ajudam no objetivo futuro de reciclagem - é a máxima atual de implementar um ciclo de vida mais ecológico para seus carros. Não foi por acaso que eles compraram uma parte da empresa suíça Bcomp, companhia especializada na fabricação de materiais naturais.

Outros fabricantes enxergam vantagens no campo do desempenho. A Porsche é um deles. O fabricante alemão usa o material na carroceria do 718 Cayman GT4 Clubsport, modelo de corrida que demonstra a vantagem do cânhamo sobre a fibra de carbono e fibra de vidro, sendo uma delas o preço.

Somado a ele, o cânhamo também promete melhor isolamento ao calor e barulho, vantagens muito bem-vindas em carros de corrida, que costumam ser insuportáveis por dentro. Ao contrário dos dois materiais citados, o cânhamo utilizado no Cayman tem menor resistência ao clima.

UOL Carros procurou tanto a BMW quanto a Porsche, mas elas informaram que não têm especialistas à disposição e não poderiam ajudar até o fechamento da pauta.

A pergunta é: será que o cânhamo vai entrar de vez na indústria automotiva internacional e, posteriormente, brasileira? Depende do preço e do que o fabricante procura.

O cânhamo tem inúmeras vantagens, entre elas a resistência, leveza, sustentabilidade e reciclabilidade, mas o custo é elevado. Matérias primas que dependem do petróleo podem ser mais baratas por um longo tempo, basta que o preço do barril não estoure. Nem tudo é perfeito. Seja como for, em aplicações pontuais a onda pode bater cada vez mais forte.

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