Como chineses largaram carros 'descartáveis' e viraram potência automotiva
Pouco mais de uma década atrás, quando comecei a cobrir o mercado automotivo, carros chineses eram sinônimo de veículos 'de segunda linha'. Ou seja, com menor qualidade do que modelos de montadoras tradicionais. Na época, vivíamos a "ressaca" da primeira investida de marcas do país asiático em nosso mercado, iniciada em 2009, que tinha como foco o baixo custo, e já dava sinais de fracasso.
Na minha carreira, um dos momentos mais emblemáticos desse período foi quando, no lançamento de um veículo chinês, um colega foi iniciar um test-drive e um dos pedais do veículo simplesmente se quebrou.
O que impressiona é que, menos de dez anos depois, as montadoras chinesas retornam ao Brasil para uma história completamente diferente, com veículos em alguns casos mais tecnológicos que os ocidentais. Afinal, o que mudou em tão pouco tempo?
Para Milad Kalume, da Jato Informações Automotivas, um dos trunfos foi apostar no segmento de carros elétricos a ponto de dominar a tecnologia, conseguindo produzir modelos de qualidade com um custo menor que o ocidente.
"A China investiu em todas as pontas da cadeia, matéria-prima, produção, portos. As montadoras contrataram os melhores especialistas, com experiências nas marcas ocidentais, para construírem seus carros. Por isso evoluíram muito em pouco tempo", avalia.
E os subsídios?
Na opinião da União Europeia, esse salto de qualidade dos carros chineses têm a ver com incentivos governamentais para ganho de mercado.
"Os mercados globais estão agora inundados com carros elétricos mais baratos. E o seu preço é mantido artificialmente baixo por enormes subsídios estatais", disse a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no seu discurso anual ao parlamento do bloco, no fim de 2023.
O economista Igor Lucena explica que, de fato, o governo chines incentiva financeiramente a produção de carros elétricos no país. Desde a última década de 2010, diversos incentivos foram aplicados, como benefícios fiscais e até descontos para os consumidores de veículos à bateria.
"Os carros chineses que estão chegando ao país, na realidade, custam muito mais, mas existe uma política governamental chinesa de subsídio para tomada de mercado. A ideia é voltar ao preço normal entre cinco e 10 anos, quando o mercado estiver dominado", avalia.
As montadoras chinesas, no entanto, nunca confirmaram como se deu a polícia de subsídios. A BYD já disse à coluna que o governo chinês extinguiu os benefícios que eram oferecidos às empresas chinesas do segmento de carros elétricos e híbridos para exportação e também para comercialização no mercado doméstico. E a GWM afirmou que não há incentivos para exportação de veículos.
Volume versus lucro
Outra questão é que a China é o maior mercado de veículos elétricos do mundo e muitas montadoras do país têm uma produção em escala significativa para atender à demanda interna. Isso permite que elas produzam em grande quantidade e, potencialmente, reduzam os custos de produção para exportação.
O consultor automotivo Ricardo Bacellar explica que as chinesas vivem contextos diferentes das montadoras tradicionais. Segundo ele, o que realmente tem atraído as chinesas para cá é o tamanho do nosso mercado e o segmento de carros de volume, que vem sendo deixado de lado pelas montadoras locais.
"As montadoras mesmo têm vocalizado que estão dando preferência a veículos de maior valor agregado em detrimento dos carros de volume, que são menos rentáveis. Com isso, os carros de entrada sumiram do mercado. Já as empresas chinesas têm um volume de produção grande em todo o mundo, conseguindo suprimentos com preços mais competitivos", analisa.
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Quero receberPara ele, BYD e GWM têm algo em comum: apostam em carros elétricos com alto embarque de tecnologia e com preços bem abaixo dos concorrentes do mesmo patamar. "Não estamos falando de preços populares, mas de preços competitivos dentro do seu segmento", pondera.
De acordo com o Kalume, as chinesas conseguem concorrer em uma faixa de preço oferecendo um produto comparável ao segmento superior, com mais tecnologia embarcada, por exemplo.
"Essas montadoras conseguem esse preço porque têm um processo de manufatura muito mais em conta do que o de qualquer outro mercado mundial, além disso têm volume de produção, já que são as maiores fabricantes de carros eletrificados do mundo", informa.
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