Paula Gama

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Por que vender menos e cobrar mais é a nova estratégia das montadoras

Quem está em busca de um carro zero-quilômetro "de entrada" já reparou que existem pouquíssimas opções à venda. Isso porque, ao longo dos últimos quatro anos, o mercado brasileiro se despediu de diversos modelos "populares", sem que outros entrassem no lugar. Saíram de linha opções como Ford Ka, Volkswagen Gol e Voyage, Toyota Etios, Nissan March, entre outros. Enquanto isso, inúmeros SUVs e picapes chegaram às lojas. A mudança nas peças do jogo evidencia a nova estratégia das montadoras no país: vender menos, lucrando mais.

Os números do mercado mostram bem o efeito da nova forma de trabalho. Enquanto, atualmente, o mercado se esforça fechar o ano com 2 milhões de automóveis e comerciais leves vendidos, em 2019 foram emplacados 2,6 milhões. Na lista de 10 carros de passeio mais vendidos há quatro anos apareciam oito hatches/sedãs "baratos" e apenas dois SUVs - contra seis e quatro, respectivamente, no ranking atual.

A lição de que era possível lucrar mais vendendo menos surgiu durante a pandemia, quando faltavam peças para a construção dos carros. Nessa época, as montadoras não tinham outra saída a não ser priorizar modelos mais caros e rentáveis, já que não era possível fazer volume com os insumos disponíveis. Outras questão é que todos os carros subiram de preço, mas o consumidor dos modelos mais caros tiveram um orçamento mais elástico para absorver.

O consultor automotivo Cassio Pagliarini explica que uma junção de vários fatores contribuiu para o cenário atual. "Houve uma inflação de commodities - como aço, alumínio, vidro e plástico - muito grande e que, como são precificadas em dólar, que também aumentou, fez os efeitos se multiplicarem. Somente a variação dos custos já fez o preço dos carros subir."

A grande questão, explica Pagliarini, é que o mercado não sofreu apenas com a variação dos preços das matérias-primas. Se a questão fosse apenas essa, o cenário poderia se ajustar com a estabilização da crise. Ele explica que as exigências legais do veículo estão aumentando cada vez mais.

"Quando os airbags e os freios ABS passaram a ser obrigatórios, por exemplo, alguns carros deixaram de ser produzidos, como o antigo Uno. O mesmo acontece com as exigências atuais. Temos determinações do Proconve, em relação a emissões, e medidas de segurança como controle de estabilidade. Colocar equipamentos caros em veículos baratos dá um forte impacto nos preços. Por isso, diversas montadoras tiveram que retirar produtos do mercado", opina o consultor.

Questão estratégica

Ricardo Bacellar, fundador da Bacellar Advisory Boards, explica que o modelo da indústria automotiva era voltado para o volume. Ou seja, lucra-se pouco nos carros mais baratos para compensar na quantidade de vendas. A grande questão é que a pandemia acabou com o sucesso desse modelo de negócio.

"A falta de componentes para a construção dos carros piorou a situação, já que as montadoras investiram em uma produção grande de veículos e não conseguiram finalizá-los. Como a indústria estava sem volume de carros para vender e rentabilizar o negócio, precisava apostar em veículos com maior valor agregado, que são mais rentáveis. Isso deixa os carros de populares de lado no portfólio de vendas. A proposta agora é em maior valor agregado e maior margem de rentabilidade."

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Nesse contexto, a crise econômica que o país enfrenta só contribui para que não seja interessante colocar carros de entrada à venda, pois pode não haver quem compre.

"Mesmo que a situação dos componentes se equilibre, o cenário não mudará de forma tão simples. Estamos vivendo um empobrecimento do brasileiro médio. A relação entre o aumento do salário médio do brasileiro e o aumento do valor do carro é muito discrepante. O consumidor está cada vez mais distante do sonho de comprar um carro", pontua Bacellar.

Exemplo Ford

Um dos melhores exemplos de como a estratégia de vender menos pode melhorar a lucratividade é a Ford. Após mais de um século fazendo carros no Brasil, em janeiro de 2021 a marca decidiu encerrar suas operações fabris no país. Para isso, demitiu milhares de funcionários e pagou um montante bilionário de indenizações a ex-colaboradores e concessionários que fecharam as portas.

No entanto, em 2022, primeiro ano completo atuando como importadora de veículos, a companhia registrou um lucro superior a 300 milhões de dólares, ou mais de R$ 1,5 bilhão, na América do Sul. Mesmo passando por uma reestruturação profunda, com redução do número de concessionárias e tirando do portfólio modelos consolidados como Ka e Ecosport, os números começaram a agradar. Segundo a própria marca, quando ocupava um lugar entre as "quatro grandes", não tinha resultados sólidos na região desde 2013.

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