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Paula Gama

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que a indústria da multa é só uma mentira de quem não respeita a lei

Brasil multa muito pouco em relação à quantidade de infrações cometidas por motoristas  - Foto: Shutterstock
Brasil multa muito pouco em relação à quantidade de infrações cometidas por motoristas Imagem: Foto: Shutterstock

Colunista do UOL

04/05/2023 04h00

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Nos últimos anos, as prefeituras das principais cidades do Brasil investiram pesado em radares eletrônicos para flagrar motoristas infratores. O aumento da fiscalização resultou em maior aplicação de multas, o que torna os órgãos de trânsito um dos setores públicos mais odiados pela população. Quem nunca ouviu um amigo reclamar da "indústria da multa" após ser punido por uma "besteirinha"?

O termo ganhou mais notoriedade da campanha do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de 2018 para cá, pois acabar com alta arrecadação com multas de trânsito era uma de suas bandeiras.

Nos últimos cinco anos, diversos legisladores criticaram a alta receita do poder público "às custas" do erro alheio nas tribunas de câmaras e assembleias pelo Brasil, mas na prática, pouca coisa mudou. Com exceção de Bolsonaro, que de fato tentou acabar com os radares móveis em 2019, o restante dos discursos foram meramente populistas, para atrair a simpatia dos cidadãos infratores.

A realidade é que a indústria da multa está longe de existir no país, uma vez que há muito mais infrações cometidas do que de fato punidas. Basta parar durante alguns minutos em qualquer esquina movimentada para flagrar inúmeras infrações: excesso de velocidade, dirigir com o celular à mão, conversão indevida, entre as dezenas de atrocidades que se tornaram rotina no dia a dia das cidades.

Para se ter uma ideia, em 2015 uma pesquisa feita pela CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) de São Paulo estimou que são cometidas cerca de 10 milhões de infrações por hora na capital. No entanto, no último ano inteiro, apenas 7 milhões de multas foram aplicadas. Que indústria é essa que multa tão pouco?

Os Países Baixos, região com sinalização de trânsito e qualidade dos veículos muito superior a nossa, com 17,53 milhões de habitantes, emitiram 8,1 milhões de multas de trânsito no ano passado. A França, que tem o tamanho da Bahia, emitiu 27 milhões em 2021. Enquanto isso, o Brasil, com dimensões continentais, um pouco menor que toda a Europa, aplicou 76 milhões de multas em 2022 segundo a Senatran - Secretaria Nacional de Trânsito.

Quando analisamos a receita, a cidade de São Paulo, por exemplo, não está em descompasso com Nova York, que tem o sistema de segurança muito elogiado pela maior parte dos críticos à "indústria da multa brasileira". O estado de Nova York inteiro tem cerca de 19 milhões de habitantes, e arrecada cerca de R$ 5,5 bilhões em multas durante um ano. A cidade de São Paulo, com população de 12,3 milhões, cobrou R$ 2,9 bilhões.

Outra questão é que as infrações mais aplicadas no Brasil são graves ou gravíssimas, justamente as mais relacionadas à imprudência do condutor. A mais recorrente, segundo o RENAINF - Registro Nacional de Infrações de Trânsito, é o excesso de velocidade. Dependendo da porcentagem acima do limite da via, pode ser considerada de média a gravíssima.

O excesso de velocidade é também uma das maiores causas de acidentes fatais no trânsito, de acordo com dados do Atlas da Acidentalidade no Transporte Brasileiro.

Suíça já aplicou multa de R$ 1,4 mi por excesso de velocidade

Uma crítica importante sobre o sistema de trânsito brasileiro é que, com o aumento dos pontos necessários para perder a carteira de motorista para 40, quem tem mais dinheiro é menos impactado do que os mais pobres com multas por excesso de velocidade. A verdade é que muitos preferem correr o risco de pagar do que cumprir a lei de trânsito.

Nessa linha de raciocínio, alguns países da Europa estipulam o valor da multa de acordo com a capacidade financeira do infrator. Em 2010, a Suíça emitiu a maior multa da história por excesso de velocidade: 290 mil dólares, ou cerca de R$ 1,4 milhão, para o dono de uma Ferrari. A Finlândia também é adepta do sistema, e aplicou multa de 103 mil dólares, ou R$ 514 mil, pelo mesmo motivo.

Brasil pega leve na fiscalização

Comparando com outros países, o Brasil é muito caridoso na fiscalização. Além das placas sinalizando fiscalização eletrônica, os radares móveis em rodovias federais ficam em trechos anunciados pela Polícia Rodoviária Federal e as viaturas das guardas municipais são sempre caracterizadas.

A polícia alemã, por exemplo, pode ser bem mais estratégica para pegar motoristas em alta velocidade. As câmeras fixas são colocadas em áreas de difícil localização, sendo que a maioria delas não possui sinalização de alerta. A polícia também usa carros sem identificação com radares móveis, principalmente em áreas residenciais.

Além disso, para perder a habilitação para dirigir no país basta somar oito pontos no prontuário. Ainda assim, a população parece respeitar as leis: em 2018 apenas 92.667 perderam a licença, em um universo de 48 milhões de carros.

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