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Paula Gama

REPORTAGEM

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Como motorista carregando cerveja provocou terror nas ruas e acabou preso

Colunista do UOL

17/01/2023 04h00

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Um caminhoneiro causou momentos de terror no Paraná na manhã do último sábado (14). Nilson Pedro dos Santos, 35 anos, assumiu estar sob efeito de álcool, cocaína ou rebite quando percorreu mais de 100 km entre Ponta Grossa e Curitiba desgovernado. No caminho, atingiu dezenas de veículos e despejou sua carga - engradados da cerveja Heineken - na pista da BR-277, antes de ser preso em flagrante, na capital, onde sua carreta teria parado de funcionar.

De acordo com o delegado Edgar Dias, da Polícia Civil do Paraná, durante o interrogatório, o motorista afirmou que, na madrugada, havia consumido duas cervejas e drogas.

"Ele não soube informar, com certeza, se era rebite ou cocaína, alegando que são similares. Após o consumo, ele seguiu em seu caminhão com destino à cidade de Embu das Artes [onde fica um centro de distribuição da Heineken], em São Paulo", disse Dias.

O investigado alegou, ainda, em seu depoimento, que durante o percurso foi avisado por um outro caminhoneiro que havia duas pessoas em cima do caminhão, e que a partir desse momento ele entrou em surto. "Começou, então, a dirigir de forma desgovernada e não visualizou o que ou quem atingia", disse o delegado.

A polícia apurou até o momento que, pelo menos, doze veículos foram atingidos por Nilson Pedro, e que apenas duas vítimas se apresentaram com lesões. Por enquanto, não foram registradas vítimas fatais. No entanto, testemunhas alegam que, entre Ponta Grossa e Curitiba, quase 50 veículos foram atingidos pela carreta, alguns saíram da pista e outros até capotaram após as pancadas.

À RPC, afiliada da Globo no Paraná, o caminhoneiro Nilson Pedro assumiu ter consumido rebite e pediu perdão aos donos dos veículos atingidos.

"Nada do que eu vou falar aqui vai fazer com que as famílias acreditem em mim, mas eu peço perdão para todas as famílias que estejam envolvidas ali, e eles não sabem que isso [rebite] já é uma doença crônica que existe no mundo do caminhoneiro. Eu posso estar sendo o primeiro ou eu posso estar sendo o último, isso aí sempre vai existir", disse Santos.

O Grupo Heineken, proprietário da carga que Nilson Pedro transportava, afirmou por meio de nota, que lamenta profundamente o ocorrido. "A carga estava sendo transportada por uma empresa que nos presta serviços logísticos pontuais na região e, assim que tomamos conhecimento do caso, buscamos informações sobre o estado de saúde das vítimas que, felizmente, estão seguras e sem ferimentos graves. Seguimos acompanhando a apuração do caso para tomar as medidas cabíveis."

A RodoDrive, transportadora contratada pela Heineken, lamentou o ocorrido e disse que Nilson também não é seu funcionário. Apesar de já ter trabalhado para a empresa outras vezes, ele é contratado por uma terceira firma, que presta serviço à RodoDrive. Sobre a alegação de Nilson que estava há três dias sem dormir, afirmou que a telemetria do veículo prova que o descanso foi respeitado, e garante que não houve excesso de jornada.

Prisão preventiva é decretada

A prisão em flagrante de Nilson Pedro dos Santos foi convertida para preventiva por decisão do juiz Tiago Flôres de Carvalho, da Vara Criminal de Curitiba, após audiência de custódia, realizada nesta segunda-feira (16). O delegado Edgar Dias disse que ele foi indiciado pelos crimes de tentativa de homicídio, conduzir veículo automotor com a capacidade psicomotora alterada, omissão de socorro e por afastar-se do local do acidente para fugir da responsabilidade penal ou civil.

No entanto, de acordo com o advogado Marco Vieira, conselheiro estadual do Cetran e membro da Câmara Temática de Esforço Legal do Contran, os crimes são outros.

"Na verdade, ele vai responder, se ninguém morrer, pelo crime de lesão corporal culposa na direção de veículo automotor, qualificado por ter conduzido veículo com a capacidade motora alterada em razão da influência de álcool e outras substâncias psicoativas. A pena é de reclusão de dois a cinco anos para cada vítima. Ele pode ter a pena aumentada de um terço à metade por conta da omissão de socorro", esclarece.

Segundo a RICMais, o caminhoneiro possui passagens na polícia por desacato à autoridade, roubo e homicídio.

De acordo com Rodolfo Rizzotto, coordenador do SOS Estradas, a responsabilidade começa no dono da carga. "Quando a empresa não faz o controle para verificar se a CNH e o toxicológico estão em dia e não checa o cronotacógrafo, sinal de que ela fecha os olhos para se os motoristas que vão transportar seus produtos são pessoas que estão sendo exploradas, fazendo o uso de drogas, ou não", opina.

Última medida de Bolsonaro

No apagar das luzes, antes de partir para Orlando, nos Estados Unidos, o ex-presidente Jair Bolsonaro determinou, via Medida Provisória, que a multa para motoristas que não realizaram o exame toxicológico fosse suspensa até junho de 2025. Para a determinação continuar em vigor, a MP vai ser analisada no Congresso e a expectativa é que o artigo pertinente ao exame seja vetado.

Opinião: todo mundo sabe, mas ninguém faz nada

Já que escrevo em minha coluna pessoal, vou me permitir opinar sobre o assunto. Desde que me entendo por gente, o uso de cocaína e rebite pelos caminhoneiros é algo de conhecimento geral da população. Todo mundo comenta que as drogas são utilizadas por dependência, mas, antes, começaram por "necessidade". Sabe-se que é impossível, humanamente, que caminhoneiros aguentem a jornada que lhes é imposta para cumprir os prazos determinados por empregadores.

Para solucionar o problema, foram criadas inúmeras soluções: Lei do Descanso, exame toxicológico, aferição do cronotacógrafo, mas a realidade é que todas essas políticas continuam ineficazes no combate às drogas atrás do volante. Nos últimos quatro anos, iniciativas do governo federal flexibilizaram quase todas essas medidas. A pergunta é: isso beneficia a quem?

Se muitos acham que caminhoneiros dependentes químicos estão fora da grande indústria, transportando cargas de pequenas empresas, sem compliance e ASG, esse caso prova que não. Enquanto os grandes embarcadores não tomarem a frente na luta contra as drogas nas estradas, sendo extremamente rígidos com a Lei do Descanso, remunerando bem e não permitindo jornadas excessivas, todo mundo vai continuar sabendo, mas sem fazer nada.

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