Ela criou marca de beleza para a mulher negra: 'Comprava base importada'

Se hoje é possível encontrar diversos produtos para pele negra é porque, há alguns anos, mulheres lutaram para chamar a atenção da indústria. Foi essa defasagem que inspirou Rosângela Silva, 44, a criar sua própria marca de beleza: a Negra Rosa.

A marca chamou tanta atenção no mercado que em 2022 a empresa de cosméticos Farmax a comprou. Eles pretendem fazer um investimento de R$ 100 milhões até 2027 para a criação de novos produtos para o portfólio. Mas Rosângela não largou o osso: ela foi junto e continua sendo a consultora por trás daquilo que criou.

Ela começou como blogueira, comentando produtos para pele negra e trocando experiências com outras mulheres que tinham dificuldade em encontrar as maquiagens ideais. "Em 2010, decidi criar um blog e um canal no YouTube. Se eu procurava e não encontrava informações, outras mulheres poderiam estar passando pelo mesmo", contou em entrevista a Universa.

Levou quase uma década desde de seus dias de blogueira até o surgimento de sua marca. Para a reportagem, Rosângela falou sobre sua jornada, desafios e a satisfação de produzir produtos que mulheres de pele negra podem se orgulhar.

Universa: Nos primórdios da internet, como você se informava sobre produtos para pele negra?
Rosângela Silva: Eu era muito ativa no fórum de um blog com outras mulheres negras e trocávamos informações sobre produtos e maquiagens que faziam bem para a nossa pele. Se procurássemos na internet na época, não encontrávamos nada. Naquele fórum criávamos nosso próprio conteúdo.

Por isso, em 2010, resolvi fazer um canal no YouTube e um blog próprio. Não queria que a troca de informações sobre pele negra ficasse presa apenas naquele fórum. Se eu procurava e não encontrava informações, outras mulheres poderiam estar passando pelo mesmo.

O que você encontrava para pele negra nessa época? Qual tipo de produto?
Tudo era no tom marrom. Essa era a cor universal que as marcas faziam porque achavam que iam combinar com a nossa pele. Tinham uns claros, uns rosados... Mas eles não tinham a cor de ninguém. A gente tinha que se adaptar e ver o que funcionava, mas eram pouquíssimos produtos.

A primeira base que funcionou na minha pele foi uma da MAC que só se encontrava importada na época. Existia uma empresa canadense também com uma vasta quantidade de cores de base. O que mostrava para mim que não existia uma dificuldade em fazer os produtos, e, sim, que as empresas brasileiras não tinham interesse.

Ao mesmo tempo, eu usava meu blog para trocar várias informações sobre cabelo, porque tinha decidido parar de alisar os fios, algo que fazia desde pequena. Foi só nessa época que realmente conheci meu cabelo natural.

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Você se lembra a primeira vez que fez alisamento?
Antigamente, tinha uma prática chamada chapinha, que não era essa elétrica que conhecemos hoje. Fazíamos no fogão. Você esquentava um ferro e passava nos fios para alisar. Comecei a fazer isso com uns sete anos. Química eu comecei com uns 10 anos. Minha mãe era cabeleireira.

Quando resolvi voltar ao natural, cortei meu cabelo bem baixinho e tirei toda a química. Em abril de 2009 foi a última vez que fiz relaxamento. Via as americanas de cabelo crespo e fazia parte de uma comunidade do Orkut em que várias meninas trocavam dicas para manter os cachos.

E como você foi de blogueira para empresária?
Em 2016, minha amiga Ana Heller, que conheci na época dos fóruns, falou que a gente devia criar uma marca de maquiagem focada só em pele negra. Eu me agarrei a essa oportunidade. Foi assim que surgiu a Negra Rosa.

Começamos a desenvolver produtos com diferenciais que não achávamos em outras marcas. Primeiro, fizemos os batons e em 2017 lançamos nossos primeiros cinco tons de base. Fomos entendendo as características da pele e procurando inovações para que elas funcionassem de verdade. Conforme as pessoas foram comprando, elas mesmas faziam a divulgação orgânica da marca.

Qual foi o maior desafio quando você começou a marca? Tinha resistência do mercado?
Nunca tivemos resistência dos terceirizados que produziam nossos produtos. Explicávamos o que queríamos, como queríamos e eles faziam as fórmulas até dar tudo certo.

Tudo aconteceu com muita troca e conversa. Começamos a vender com um pequeno núcleo de revendedoras, mas também queríamos chegar às lojas. Existia essa primeira barreira, de o lojista achar que não tinha público para o nosso produto. Eles só mudaram o olhar quando uma grande rede passou a nos dar atenção. Tem muito disso. Estamos há alguns anos no site das lojas Renner, que nos procurou para vender a nossa linha e foi um momento incrível. Nunca imaginei. São sinais que mostram que você está no caminho certo.

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Você trabalhava em uma empresa na área administrativa quando criou a sua marca. Quando percebeu que dava para viver do seu empreendimento?
Minha ideia era continuar trabalhando, mas a empresa que eu estava fechou. Então me dediquei totalmente à Negra Rosa. Às vezes, o universo faz umas coisas... Acabei percebendo que realmente não conseguiria fazer os dois ao mesmo tempo e nem precisei fazer a escolha.

Quando falamos em produto para a pele negra não é só a base que tem que ser diferente, certo? Os pigmentos de outros produtos também precisam de mais atenção?
Sim, principalmente se você está falando de uma pele retinta, que sempre foi nossa prioridade de atendimento. Quando você coloca pouca pigmentação em uma sombra, ela some na pele retinta, porque não tem contraste. Nós não tínhamos tanto dinheiro para investimento, então precisávamos pensar em cores certeiras, que realmente funcionassem e que fossem harmoniosas para o nosso público. Queríamos ressaltar a beleza negra.

Campanha de beleza da marca Negra Rosa
Campanha de beleza da marca Negra Rosa Imagem: Divulgação

Você recebeu muitos feedbacks positivos de clientes? Algum foi emocionante?
Sim. Seja com uma cliente que o batom nude ficou realmente nude, e não esbranquiçado ou rosado, a pessoas que nunca tinham usado base, principalmente mulheres mais velhas, porque não encontravam sua cor. Tem até quem se viu bonita em foto e não com a pele acinzentada como costumava acontecer. Recebemos diversos feedbacks das cores de base.

Participamos de muitas feiras, então tínhamos esse contato próximo com as consumidoras. Até hoje ouvimos 'essa marca é feita para mim'. E isso é muito emocionante. E eu me emociono porque penso em todos os detalhes que gostaria de receber em um produto se fosse a consumidora. Costumo dizer que faço o produto para mim, para minha irmã, minhas sobrinhas... Tomo todo o cuidado para que as clientes recebam qualidade de verdade.

Sempre se enxergou como uma mulher empreendedora?
Acho que sim. Em época de festa junina, fazia barraquinha para vender estalinhos com meus primos e com o lucro, comprava doces para vender na frente de casa, porque tinha uma escola na minha rua, então não faltavam clientes.

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Sempre quis ter meu dinheiro. Claro, nunca imaginei ter uma marca de maquiagem, não era o sonho da minha vida. Era algo muito distante da minha realidade.

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