'Meu filho não pode ir à escola por causa de uma deficiência imunológica'

Kimberlly Corsini dos Santos, 29, é mãe do Vicente, que tem 2 anos e 10 meses. Com cerca de 30 dias de vida, o pequeno pegou bronquiolite, osteomielite de quadril e fêmur e acendeu um sinal de alerta para os médicos.

Foi necessário aguardar seis meses para a confirmação (com exame) de que ele tinha uma deficiência imunológica e que precisaria fazer um tratamento intravenoso uma vez por mês —o primeiro aconteceu quando Vicente tinha apenas sete meses.

Como consequência, ele não pode ir para a escola e precisa viver em isolamento —o que virou a vida de sua mãe de cabeça para baixo. Para a reportagem, Kimberlly contou como deixou seu emprego para cuidar do filho e as dificuldades para mantê-lo saudável.

"Meu filho tem imunodeficiência primária, o que significa que não produz todos os anticorpos que precisa, o que o torna mais suscetível a doenças, que podem facilmente evoluir para casos graves.

Nós percebemos que tinha algo de estranho quando ele tinha um mês de vida. Na época, ele pegou bronquiolite e osteomielite de quadril e fêmur [um alojamento de bactéria na região]. O médico nos disse que aquilo era muito raro para um bebê e que provavelmente ele tinha problemas de imunidade.

Nos falaram que a certeza só viria depois dos seis meses de vida. Fizemos o exame e o resultado mostrou que ele não produzia de maneira correta as imunoglobulinas G. Ainda bebê, meu filho precisou passar por duas cirurgias e ficou 30 dias internado. Precisamos entrar em isolamento.

O médico que o tratava fez uma carta para a farmácia do estado solicitando que ele fizesse o tratamento intravenoso de imunoglobulina humana com urgência. Com sete meses, ele fez pela primeira vez.

Vida escolar interrompida

Vicente não pode ir à escola por não produzir anticorpos da maneira correta
Vicente não pode ir à escola por não produzir anticorpos da maneira correta Imagem: Acervo pessoal
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Como o sistema imunológico do Vicente não funcionava direito, o médico nos pediu para ficarmos isolados e evitando multidões. Mas em maio de 2023 ele foi liberado para ir para a escola pela primeira vez. Ele conseguiu permanecer no ensino até dezembro.

No final do ano ele parou o tratamento por um período, para vermos se o corpo dele reagiria sozinho. Logo, não podia mais ter contato com as pessoas. Os médicos acreditam que a imunodeficiência do meu filho é transitória e que, em algum momento, o corpo dele vai entender como produzir os anticorpos. Por isso, ele para a medicação por cerca de quatro a cinco meses.

Vicente já teve muitas infecções recorrentes, gripes e otites. Vivemos a maior parte da nossa vida em isolamento. Sempre cuidei muito para que ele não ficasse doente. Meu filho não pode sair na rua e ter contato com outras pessoas, participar de aglomerações, ir ao shopping ou locais cheios.

Estamos neste período de pausa do medicamento, no aguardo da reação do sistema imunológico. Teremos uma consulta este mês para ver se houve evolução. Se as imunoglobulinas seguirem baixas, voltamos para o tratamento intravenoso mensal. Se melhorar, precisamos aguardar mais um período para que ele possa tomar as vacinas de vírus vivo —ele só tomou as de vírus inativados por enquanto.

Vida dedicada ao filho

Vicente começou a fazer tratamento para melhorar sua imunidade com 7 meses
Vicente começou a fazer tratamento para melhorar sua imunidade com 7 meses Imagem: Acervo pessoal
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Desde que Vicente fez um ano, deixei meu trabalho e passei a dedicar minha vida aos seus cuidados. Quando ele ficou internado por 30 dias, minha mãe revezava comigo no hospital, para que pudesse ir para casa e tomar banho, por exemplo.

Hoje em dia, vivemos com o BPC (benefício de prestação continuada), que é referente a um salário mínimo, oferecido pelo governo para pessoas com deficiência, como é o caso do meu filho. Como ele não pode ir à escola ou creche, não tenho como trabalhar.

No período que ele conseguiu ir às aulas, fazia bicos para reforçar nossa renda, mas geralmente conto com a ajuda da minha família. Dividimos também um pouco da nossa vida na internet e, em momentos em que precisamos muito, nos ajudaram. Vicente precisou fazer um exame em São Paulo com custo de R$ 1.600. Eu moro em Curitiba e muitas pessoas nos auxiliaram para conseguirmos.

Ainda não sabemos se ele poderá voltar a estudar. Com quase três anos de idade, Vicente tem atraso na fala, pois teve pouco contato com outras crianças.

Sempre quis ser mãe, mas nunca pensei na possibilidade de ter um filho com deficiência. Na vida, a gente acha que tem muitos problemas, mas quando lutamos contra uma doença, esse é o único problema que importa. Não tem dinheiro que compra saúde para meu filho. E tenho certeza que assim como eu, diversas mães atípicas gostariam que conseguíssemos trocar de lugar com eles."

O que é deficiência imunológica?

Conhecidos como erros inatos da imunidade, existem três tipos de deficiência imunológica:

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as deficiências humorais, que é quando a criança produz anticorpos de maneira inadequada

a deficiência celular, quando a alteração acontece diretamente nas células

e a mista, quando o paciente tem os dois casos

"Infelizmente, não é em todo lugar no Brasil que a triagem neonatal faz uma análise que descubra rapidamente esse problema", diz Bruno Paes Barreto, coordenador do Departamento Científico de Alergia na Infância e Adolescência da Asbai (Associação Brasileira de Alergia e Imunologia).

As deficiências humorais são as mais comuns. Segundo Barreto, as crianças carregam os anticorpos que receberam das mães durante a gestação até cerca de oito meses, depois desse período, a deficiência imunológica fica mais visível. A criança pode ter infecção de repetição, evoluindo para casos graves.

"O que coincide também com o fim da licença-maternidade e a entrada das crianças na creche. Como a criança não produz os anticorpos adequadamente vai ficar doente e não conseguirá combater as doenças sozinha, o que pode levar a quadros mais perigosos", explica o pediatra.

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As deficiências humorais podem ser transitórias, ou seja, com o passar dos anos, o corpo da criança começa a produzir anticorpos normalmente e não precisar mais de tratamento.

Contudo, quando a criança tem deficiência celular o caso é mais grave, pois são as suas células que não funcionam corretamente para produzir anticorpos. Nestes casos, o ideal é que um transplante de medula —quando possível— seja realizado rapidamente.

"Neste caso, não adianta fazer reposição imunológica. O tratamento, muitas vezes, requer um transplante. Com o diagnóstico precoce, o médico pode fazer o encaminhamento para o serviço especializado o mais rápido possível, pois a menor infecção pode ser fatal", conclui o especialista.

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