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O que acontece no seu corpo quando você faz um protocolo detox

Arte UOL
Imagem: Arte UOL

Cristina Almeida

Colaboração para VivaBem

25/07/2023 04h00

Os cientistas da nutrição não param de se perguntar: por que as pessoas insistem em fazer dietas extremas, sem comprovação científica?

No caso dos protocolos detox, nome novo de estratégia antiga que promete desintoxicar o organismo, promover a saúde e emagrecer, os especialistas até já pediram a ajuda dos psicólogos para encontrar uma resposta.

Ao promover a ideia de purificação e redenção, esse tipo de dieta remete aos jejuns religiosos. Os alimentos equivaleriam aos pecados, à culpa ou contaminação, e isso explicaria a proibição ou a restrição de itens específicos. Esse imaginário pode ser uma pista dos motivos por trás desse comportamento, mas o interesse pela rápida perda de peso parece ser o mais certeiro.

  • 64% das pessoas relatam o desejo de pesar menos;
  • 48% estão empenhadas nesse propósito;
  • 74% de indivíduos com sobrepeso e 29% com obesidade nunca receberam um diagnóstico médico que os ajudasse a seguir uma dieta equilibrada.

Sem ter de investir em mudanças no estilo de vida que englobam a adoção de um padrão alimentar saudável e a prática de exercícios físicos —trabalho para toda uma vida— as pessoas embarcam na onda das soluções mágicas, ignorando o impacto delas na própria saúde.

O que você ganha (ou perde) com isso

Restrições alimentares específicas podem até compor uma estratégia terapêutica em quadros clínicos, como a insuficiência renal, doenças inflamatórias intestinais, alergias alimentares, etc. Nessas situações, o acompanhamento profissional permanente é necessário. Afinal, a medida pode colocar em risco a saúde do paciente e resultar em carências nutricionais.

No caso dos protocolos detox, porém, não existem evidências científicas de que eles promovam a desintoxicação corporal, a saúde ou a perda de peso —seu maior apelo— de forma sustentada. Confira os possíveis efeitos já descritos pela literatura especializada:

  • Deficiências nutricionais
  • Alterações metabólicas
  • Efeito rebote

Você atrapalha o bom trabalho do organismo

A depender das condições gerais de saúde, a medida pode levar rapidamente a um quadro de desnutrição.

A redução extrema de um ou mais nutrientes da dieta pode provocar deficiências nutricionais capazes de limitar as funções orgânicas.

No longo prazo, a falta de macro e micronutrientes poderia facilitar o aparecimento de infecções, além de várias outras enfermidades, como o câncer, o diabetes, doenças do coração e degenerativas associadas à idade.

Em casos extremos, o quadro se associa à morte precoce.

A prevenção de todos esses problemas se dá por meio de uma dieta equilibrada.

Você passa mal e não entende o motivo

Dietas muito restritivas podem comprometer a taxa metabólica basal (TMB), que corresponde à quantidade mínima de calorias necessárias para garantir que o organismo funcione como deve, inclusive durante o período de repouso.

Os efeitos de curto prazo são cansaço, dor muscular, irritabilidade, mau hálito, inchaço, desidratação, cólicas, e diarreia (porque alguns protocolos indicam o uso de laxantes).

Já foi descrito na literatura médica relato de caso de lesão renal aguda por oxalato induzida pelo consumo em excesso dessa substância por meio da ingestão, em jejum, de suco de vegetais e frutas.

Entre pessoas com diabetes, a falta extrema de carboidratos pode ainda ter como consequência a hipoglicemia.

Você perde peso, e depois ganha

Dietas extremas podem, sim, mexer os ponteiros da balança para baixo, dadas a drástica redução do consumo de calorias e a perda de líquidos.

Contudo, essa alteração dos hábitos alimentares tem como resposta uma adaptação metabólica que pode levar ao que os médicos definem como efeito rebote, isto é, o posterior ganho de peso.

O corpo promove a maior liberação de hormônios como o cortisol. Ele aumenta o apetite, o que pode abrir espaço para distúrbios alimentares como a compulsão alimentar periódica —ou seja, o consumo de grandes quantidades de alimentos de uma única vez.

Esse efeito pode durar até 21 meses após o período de restrição.

A explicação para isso é evolutiva: deixar de comer pode levar à infertilidade e à morte. Assim, o corpo se apressa em compensar a escassez de alimentos. Isso também explicaria a pouca efetividade das dietas milagrosas.

Características dos protocolos

Por serem muito restritivos, eles duram breve tempo —geralmente de 2 a 3 semanas. A maioria prevê o consumo de alimentos líquidos como sopas ou sucos, mas alguns propõem jejum. Pode haver indicação de suplementos específicos, laxantes e até sessões de sauna.

São exemplos a dieta Master Cleanse, também conhecida como dieta da limonada. Esta sugere apenas a ingestão de líquidos pelo período de 10 dias, incluído um preparado de limão, xarope de bordo e pimenta caiena.

A dieta detox do fígado prevê o consumo de ervas, sal amargo e vinagre de maçã como ingredientes para a "limpeza" do órgão.

Abordagens mais extremas limitam o consumo calórico diário em 400 kcal.

Esse tipo de abordagem tem como público-alvo:

  • Pessoas interessadas em melhorar a saúde, a qualidade de vida e perder peso;
  • Indivíduos expostos a substâncias tóxicas;
  • Os que desejam fazer uma limpeza geral no organismo;
  • Aqueles com problemas gastrointestinas ou doenças autoimunes, inflamações, fibromialgia, síndrome da fadiga crônica, etc.

Evite perda de tempo e dinheiro

O termo detox é utilizado como sinônimo de desintoxicação. Na medicina, o vocábulo se refere a substâncias como o álcool ou drogas, para os quais a "limpeza" do organismo poderia ser reaizada por meio de protocolos específicos e sob a supervisão de uma equipe multidisciplinar.

No âmbito das dietas detox, a palavra pode englobar a eliminação de poluentes em geral, substâncias químicas sintéticas, metais pesados, alimentos ultraprocessados e alergênicos (como glúten e lactose) que, potencialmente, podem causar danos ao organismo.

Antes de entrar em um programa desses, verifique se ele oferece informações sobre o tipo de toxina que será removida. O protocolo deve especificar e explicar quais são os mecanismos químicos colocados em ação pelo organismo para este fim.

Alguns alimentos auxiliam no processo de limpeza e desintoxicação do fígado - Danijela Maksimovic | Shutterstock - Danijela Maksimovic | Shutterstock
Imagem: Danijela Maksimovic | Shutterstock

O organismo possui seu próprio sistema detox, que é gerenciado por órgãos como o fígado, rins, sistema gastrointestinal, pele e pulmões. A adoção de um padrão alimentar saudável e a prática de atividades físicas seriam o bastante para garantir o seu bom funcionamento.

Os seres humanos estão expostos a mais de 80 mil tipos diferentes de substâncias tóxicas. Para a maioria delas, o tamanho da dose é o que determina o efeito negativo no corpo. Se o objetivo é prevenir-se, junto a um estilo de vida saudável, reduza, ao máximo, a exposição a poluentes.

Sem essas especificações, a adoção desse tipo de dieta pode resultar em perda de tempo e dinheiro, além de prejuízos para a saúde.

Descomplique!

Os especialistas consultados explicam que, na presença ou não da necessidade de perder peso, é preciso descomplicar a forma como nos relacionamos com a comida.

Entender que propostas que priorizam consumir somente um tipo de alimento ou que sejam extremamente proibitivas não são sustentáveis do ponto de vista comportamental e nutricional.

A receita do que é uma alimentação saudável você encontra no Guia Alimentar para a População Brasileira. Reconhecido internacionalmente, ele rejeita a ideia de alimentos proibidos e promove o respeito pela cultura alimentar, o consumo de alimentos naturais, incorporando itens regionais que garantem o consumo de nutrientes essenciais para a boa saúde.

Essas medidas garantem o bom funcionamento do organismo porque estimulam o consumo de cereais, leguminosas, carnes, frutas, verduras, água, leite, etc., com o mínimo possível de alimentos ultraprocessados.

Quanto maior for a liberdade para fazer escolhas, maior é a autonomia sobre a própria dieta.

Ter maior consciência sobre a existência de estigmas sobre o corpo, o peso, o medo de engordar, situações relacionadas ao adoecimento, aumenta a possibilidade de alcançar o objetivo de ter um padrão alimentar saudável.

Caso seja necessário, a ajuda profissional pode acelerar esse processo.

Detox no rótulo: atenção

Alguns alimentos e suplementos alimentares apresentam em seus rótulos a palavra detox. Como esse efeito não é reconhecido como uma propriedade nutricional, ele não deve constar da rotulagem. A orientação é da Anvisa.

Só podem constar do rótulo propriedades que possam ser comprovadas ou as que já tenham comprovação científica de características medicinais ou terapêuticas. Estas últimas são restritas aos medicamentos.

Tais exigências visam proteger o consumidor, que pode ser levado a erro ou confusão.

Fontes: Daniela Lopes do Carmo, nutricionista e especialista em vigilância sanitária de alimentos pela Faculdade de Saúde Pública da USP e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Nutrição e Saúde Pública da USP; Jônatas de Oliveira, nutricionista especialista em transtornos alimentares, aprimorado em transtornos alimentares pelo Programa de Transtornos Alimentares do IpQ (Instituto de Psiquiatria) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e mestre em ciências pela mesma instituição; Larissa Rodrigues Neto Angeloco, nutricionista do Departamento de Nutrição e Metabolismo da FMRP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto) da USP, com doutorado pela mesma instituição, professora orientadora da Lasac (Liga Acadêmica de Sustentabilidade e Alimentação Coletiva); Mônica Assunção, nutricionista materno-infantil com doutorado em saúde da criança e do adolescente, docente da Faculdade de Nutrição da UFAL (Universidade Federal do Alagoas) e integrante do corpo de profissionais do HUPAA (Hospital Universitário Professor Alberto Antunes), que integra a rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares) em Maceió; e Paula Pires, endocrinologista da SBEM-SP (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo). Revisão técnica: Mônica Assunção.

Referências:

  • Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária)
  • Ministério da Saúde - Guia Alimentar para a população brasileira
  • Tahreem A, Rakha A, Rabail R, Nazir A, Socol CT, Maerescu CM, Aadil RM. Fad Diets: Facts and Fiction. Front Nutr. 2022 Jul 5;9:960922. doi: 10.3389/fnut.2022.960922. PMID: 35866077; PMCID: PMC9294402
  • Kiani AK, Dhuli K, Donato K, Aquilanti B, Velluti V, Matera G, Iaconelli A, Connelly ST, Bellinato F, Gisondi P, Bertelli M. Main nutritional deficiencies. J Prev Med Hyg. 2022 Oct 17;63(2 Suppl 3):E93-E101. doi: 10.15167/2421-4248/jpmh2022.63.2S3.2752. PMID: 36479498; PMCID: PMC9710417
  • Klein AV, Kiat H. Detox diets for toxin elimination and weight management: a critical review of the evidence. J Hum Nutr Diet. 2015 Dec;28(6):675-86. doi: 10.1111/jhn.12286. Epub 2014 Dec 18. PMID: 25522674
  • Yaemsiri, S., Slining, M. & Agarwal, S. Perceived weight status, overweight diagnosis, and weight control among US adults: the NHANES 2003-2008 Study. Int J Obes 35, 1063-1070 (2011). https://doi.org/10.1038/ijo.2010.229