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Guillain-Barré: 'Por causa de uma diarreia fiquei tetraplégica 7 meses'

Valéria Amaral, 39, ficou 7 meses sem conseguir andar - Arquivo pessoal
Valéria Amaral, 39, ficou 7 meses sem conseguir andar Imagem: Arquivo pessoal

De VivaBem, em São Paulo

22/05/2023 04h00

No início de 2022, Valéria Amaral, 39, teve um quadro leve de diarreia causado por uma infecção intestinal. Sentia desconforto, cólica, mas nada que afetasse sua rotina.

Uma semana depois, acordou com os braços dormentes, imaginando que tinha dormido em cima deles. Quando levantou para trocar de roupa, lavar o rosto e escovar os dentes, não sentia força nos dedos.

"Fui fazer café e não conseguia acender o fogão nem digitar no celular. Ainda andava, mas achei estranho e fui ao hospital", lembra a jornalista que mora em Brasília (DF).

Valéria passou por alguns exames iniciais enquanto o médico investigava se poderia ser um AVC (acidente vascular cerebral), por exemplo. Outra hipótese levantada, naquele momento, era a síndrome de Guillain-Barré, uma doença autoimune rara que afeta os nervos do sistema nervoso periférico, prejudicando os movimentos do corpo.

A jornalista ficou 2h30 no exame de ressonância magnética, que descartou problemas na coluna —outra suspeita do médico. Mas assim que foi se mover da maca, não andava mais. "Nem consegui passar de uma maca para outra", diz.

Valéria Amaral - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Valéria também teve paralisia em um lado do rosto
Imagem: Arquivo pessoal

Foi aí que desconfiaram ainda mais da síndrome. O diagnóstico foi concluído com ajuda de um exame de punção na lombar para análise do líquor (líquido cefalorraquidiano).

"Depois disso, foi só ladeira abaixo. Em horas, minha vida mudou", conta. Na sequência, Valéria foi levada para a UTI. Mas nem imaginava o que era a síndrome —não conseguia mexer no celular para pesquisar algo— e pensava que iria para casa em breve, que tudo era um grande exagero.

No final do mesmo dia, não mexia quase nada. Não sentava mais sozinha. Colocaram fralda e um acesso venoso para medicação. A enfermeira dava comida na minha boca. Valéria Amaral

Entenda a síndrome de Guillain-Barré

É considerada uma doença autoimune, ou seja, o sistema imunológico começa a atacar uma parte do corpo.

O processo ocorre assim: ao produzir anticorpos para lutar contra algum invasor (seja uma bactéria ou vírus), o corpo tem uma resposta exagerada e, neste caso, acaba atacando também células dos nervos periféricos, responsáveis pelo movimento e sensibilidade dos músculos.

No caso da síndrome, o ataque pode ser na bainha de mielina ("capa de gordura" do neurônio) ou no axônio (parte do neurônio que envia mensagens ao corpo —caso de Valéria, mais grave).

Esse "ataque" do sistema imunológico deixa lesões na região que podem ser transitórias ou não. Isso resulta em alguns sintomas, como:

  • Fraqueza progressiva que pode ocorrer da seguinte maneira: membros inferiores, braços, tronco, cabeça e pescoço;
  • Fraqueza muscular ou paralisia total dos quatro membros;
  • Sensação de dormência e queimação nos pés e pernas que, depois, pode ir subindo até braços e mãos;
  • Alguns pacientes podem sentir dores no corpo (pernas, lombar).

Essa lesão leva a uma destruição da função do nervo periférico, impossibilitando que ele passe os sinais elétricos que estão vindo do cérebro e devem chegar até o músculo. Frederico Lacerda, neurologista

De acordo com os médicos, a síndrome tem como característica uma piora aguda e progressiva e, depois, uma melhora do quadro. A recuperação depende de cada paciente. Dados mostram que aproximadamente 50% se recuperam totalmente até seis meses depois de a síndrome se manifestar.

Fatores como infecções respiratórias e gastrointestinais podem desencadear a síndrome, além do zika vírus, dengue, sarampo, citomegalovírus, medicações e vacinas.

Valéria Amaral - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Valéria segue fazendo musculação como forma de recuperação
Imagem: Arquivo pessoal

7 meses tetraplégica: 'Foram dias de desespero'

Valéria passou 7 meses sem conseguir mexer nada abaixo do pescoço. Tinha dificuldade para comer e falar, pois a doença também atingiu os nervos do rosto.

Além disso, durante a internação, sentia dores insuportáveis pelo corpo, tinha dificuldade para respirar —quase foi intubada— e desenvolveu taquicardia.

Quase 'bati as botas' algumas vezes por estar acamada. Como complicações, tive trombose bilateral nos pulmões, sepse e dengue. Mas me recuperei. Atrasou um pouquinho a minha reabilitação. Entre idas e vindas, fiquei 3 meses hospitalizada no total. Valéria Almeida

Antes da síndrome, Valéria morava sozinha, mas com toda a mudança a mãe largou tudo para ajudá-la. Dava comida, banho e tudo o que a jornalista necessitava.

Assim que recebeu o diagnóstico, iniciou as sessões de fisioterapia. No hospital, eram três vezes por dia e, quando foi para casa, duas vezes. De forma resumida, a jornalista precisou reaprender tudo do zero: desde movimentar novamente as pernas até mastigar os alimentos e fazer xixi.

Os movimentos não voltam 'do nada'; É só com muito esforço e repetição. Muita fisioterapia. Tive que aprender a mandar comandos para o meu corpo responder. A coisa mais linda é que o corpo criou novos caminhos para isso. Valéria Almeida

valéria amaral - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Ela voltou a andar depois de muita fisioterapia
Imagem: Arquivo pessoal

Como parte do tratamento, Valéria tomou uma medicação intravenosa de imunoglobulina, que ajuda na regulação do sistema imunológico. Além disso, usava remédios para dor e para o intestino.

Qual é a relação com diarreia?

Infecções, como as respiratórias ou gastrointestinais, podem ser gatilhos para o desenvolvimento da síndrome de Guillain-Barré. Um dos agentes mais comuns, segundo os especialistas, é a bactéria Campylobacter, causadora da diarreia.

De acordo com Frederico Lacerda, neurologista e professor de medicina da Faculdade Pitágoras de Eunápolis (BA), quando a condição é causada após um quadro de diarreia, por exemplo, ela costuma ser mais grave —como ocorreu com Valéria. "Geralmente, há também uma resposta mais pobre ao tratamento comum", diz.

Por causa de uma diarreia fiquei tetraplégica 7 meses, além de 1 ano e 3 meses lutando pela recuperação das sequelas. Valéria Almeida

Mas isso quer dizer que qualquer pessoa com diarreia vai desenvolver a síndrome? Não, a condição é considerada rara.

De acordo com o Ministério da Saúde, a incidência anual da síndrome é de 1 a 4 casos por 100 mil habitantes, com pico entre 20 e 40 anos.

Após 10 meses, voltei a andar

O retorno dos movimentos do corpo, como Valéria mesmo disse, não ocorre de um dia para outro. É preciso ter paciência, além de comprometimento com a reabilitação do corpo —algo que a jornalista teve.

Valéria Amaral - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Jornalista segue na recuperação das sequelas
Imagem: Arquivo pessoal

Quando ela começou a fazer hidroginástica, deu os primeiros passos. Já o tênis de mesa e a natação a ajudaram a levantar os braços. A pintura, por exemplo, auxiliou no movimento dos punhos e dedos.

"Parecem coisas bobas, mas que me ajudaram muito a evoluir. Quando cheguei lá [reabilitação na Rede Sarah], não fazia nada disso", diz.

Com 10 meses, voltei a andar, mas não como fazia antes. Primeiro, foi com andador de 4 apoios, inclusive para o braço. Dava 10 passos e sentava. Depois, foi para o andar tradicional porque conseguia segurar nele. Em seguida, contou com a ajuda de duas muletas. Atualmente, Valéria conta com uma bengala para o equilíbrio.

A previsão dos neurologistas era que eu iria voltar a andar —talvez— a partir de 2 a 5 anos. Comecei a andar com 10 meses. A minha recuperação tem sido muito rápida, pela gravidade da Guillain que tive. Sou um milagre. Valéria Almeida

Como sequelas, Valéria ainda precisa usar um sapato com sola mais rígida que ajuda a andar. O lado esquerdo ainda não voltou a funcionar totalmente e os dedos dos pés e das mãos também não estão como deveriam.

Faz musculação, fisioterapia e fonoaudiólogo de forma particular. Na Rede Sarah, em Brasília, faz diversos tipos de terapias como paracanoagem, pintura e tênis de mesa.

"O mais importante no tratamento foi não perder a fé. Estava sempre calma. Era muito resiliente com isso até porque coisas ruins acontecem com pessoas boas também", fala.

Valéria Almeida - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Valéria faz tênis de mesa
Imagem: Arquivo pessoal

Importância do tratamento

O quadro é considerado grave e, por isso, é necessário buscar atendimento médico o mais rápido possível.

Uma vez que o diagnóstico é feito, seja pela análise do líquor ou pelo exame eletrofisiológico, os médicos iniciam o tratamento com imunoglobolina intravenosa, que impede que os anticorpos continuem no ataque, ou com plasmaférese, que retira elementos do plasma que podem estar causando a doença e, em seguida, o coloca de volta ao corpo do paciente.

Para a recuperação, o paciente pode precisar de reabilitação dependendo do grau da síndrome, incluindo fisioterapia, terapia ocupacional e sessões de fonoaudiologia.

"Podemos, sim, falar em cura da síndrome, mas ela não é bem uma doença e, por isso, é autolimitada, ou seja, tem começo, meio e fim", diz Diogo Haddad, neurologista e coordenador do Núcleo de Memória do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (SP).