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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Por que alguns vícios são mais difíceis de largar do que outros?

Getty Images
Imagem: Getty Images

Marcelo Testoni

Colaboração para o VivaBem

04/05/2023 04h00

Entenda: não é porque sua prima conseguiu largar o vício por chocolate e seu pai não conseguiu parar de fumar que isso faça dele um sujeito menos empenhado e sem força de vontade. Saiba que dependências, de modo geral, apesar de terem muitos pontos em comum, não são iguais. Elas variam de efeito, intensidade, sintomas, e por isso algumas podem ser tão difíceis de largar.

Em se tratando de substâncias, as mais viciantes, segundo estudos científicos, são, em ordem:

  1. Heroína
  2. Cocaína
  3. Nicotina
  4. Barbitúricos (sedativos, anestésicos, antiepilépticos)
  5. Álcool

Mas muitas outras coisas podem ser "aprisionantes", como açúcar, cafeína, compras, jogos de azar, pornografia. A lista é imensa e tem a ver com retroalimentação de sensações prazerosas.

O cérebro humano trabalha com um sistema de recompensas. Se há um estímulo positivo, ele recebe dopamina, um neurotransmissor relacionado à sensação de bem-estar, e memoriza essa experiência, impulsionando a repetição do comportamento, até estabelecer o vício. Júlio Pereira, médico pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) e neurocirurgião

Vício pesado, cérebro alterado

Além de ativar o sistema de recompensa, alguns fatores de dependência, como drogas mais potentes, ainda modificam os receptores de dopamina ao se ligarem a eles. Simplificando, essas drogas aceleram a dependência das células cerebrais (neurônios) e ainda prejudicam a produção de neurotransmissores inibitórios, ou seja, cortam os "freios" do autocontrole.

"Daí a chamada dependência química, porque a forma como se reage à recompensa acaba muito mais intensa do que o habitual, produzindo até efeitos alucinógenos", continua Pereira. Ele esclarece, entretanto, que o efeito no organismo varia de pessoa para pessoa, porque as alterações nos circuitos cerebrais são igualmente muito individuais, não seguem um padrão.

Mas uma coisa é certa: gradualmente, com as alterações neuronais, as sensações agradáveis do consumo passam a durar menos e as desagradáveis se intensificam, como incapacidade de sentir prazer, depressão, ansiedade, irritabilidade, angústia. Essa combinação de opostos então obriga o sujeito, em ânsia e desespero, a se dedicar à sua dependência, que só agrava.

Comportamentos influenciam

Psiquiatra e diretor clínico do Instituto de Psiquiatria Paulista, Henrique Bottura explica que a dificuldade em deixar um vício também tem a ver com os comportamentos dos dependentes. Segundo ele, alguns são potenciais geradores de risco e se relacionam com sensação de vazio existencial, inadequação a normais sociais, meio ao qual se está inserido, práticas de consumo.

"A depender da maneira como se utiliza cocaína, por exemplo, a dependência muda. Você tem desde quem a inala esporadicamente em pó, até quem a injeta e fuma crack", diz o médico. Ele complementa que quem tende a ser muito impulsivo na obtenção de efeitos e não racionaliza sobre consequências (sinais de transtornos, como bipolar, obsessivo-compulsivo, déficit de atenção com hiperatividade, antissocial) também está sujeito a dependências mais severas.

Ser excessivamente perfeccionista (sobretudo com a própria imagem), além de competidor, controlador e influenciável pode predispor ainda vícios não químicos perigosos, como por redes sociais, relacionamentos tóxicos, dietas restritivas, academia, procedimentos estéticos e desafios que, entre crianças e adolescentes, podem levar a isolamento, escoriações e suicídio.

Tratamento requer intensividade

Dependências muito fortes devem ser tratadas com muita atenção às abstinências, que são tão intensas quanto, o que eleva o risco de recaídas. Nesses casos, além da indicação de psicoterapia, é necessária uma abordagem complexa, com envolvimento de profissionais de diferentes áreas, uso de medicamentos, participação em grupos de apoio e até internação.

"Com doenças preexistentes, será preciso controlá-las antes, para que o tratamento seja eficaz, do contrário é muito difícil obter reversão", informa Luís Henrique Braga Gomes, psiquiatra pela EBMSP (Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública) e professor na Ipemed-Afya, em Salvador. Em idosos que fumam e com comorbidades, por exemplo, o risco de morte é duas vezes maior.

Por falar nos mais velhos, suas dependências costumam ser as mais desafiadoras, por estarem enraizadas e serem comparadas como parte da personalidade. Fora que doenças psiquiátricas prevalentes nessa fase da vida, como demências, podem exacerbá-las. "Às vezes, o organismo se encontra tão fragilizado e dependente, que para a pessoa ter estímulos e sobreviver, a solução acaba sendo substituir drogas ilegais pelo uso de substâncias lícitas", diz Pereira.