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Ela levou 30 anos para descobrir causa de dor no sexo: 'Nasci de novo'

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Imagem: iStock

Bárbara Therrie

Colaboração para VivaBem

23/03/2023 04h00

Com incômodo na região pélvica, cólicas o mês todo e dor durante a relação sexual, a professora Silvana Silva, 54, demorou 30 anos para descobrir que tem uma doença chamada varizes pélvicas, em que veias dilatadas, tortuosas e incompetentes acometem o útero e os ovários, podem causar sintomas locais e ainda ser a origem de varizes nas pernas.

Com impacto direto sobre sua vida sexual, Silvana sentia dor em vez de prazer e chegou a pensar que não sabia fazer sexo. Após o diagnóstico e início do tratamento, ela teve uma melhora significativa: "Nasci de novo". A seguir, ela conta sua história:

"Aos 24 anos comecei a sentir muitas dores abdominais que atingiam, principalmente, a parte pélvica e a coluna. Embora meu ciclo menstrual durasse de 7 a 10 dias, sentia cólicas diariamente. Além disso, tinha dores de cabeça, cansaço, mal-estar, enjoos e vontade de fazer xixi toda hora.

Um outro problema que me incomodava eram as dores no ato sexual. Sentia um choque durante a penetração, não conseguia relaxar e consequentemente não tinha prazer. Até tinha vontade de fazer coisas diferentes com meu marido, mas ficávamos condicionados a posições tradicionais, como o papai e mamãe, porque era uma posição em que eu tolerava a dor.

No começo, até conseguia transar uma ou duas vezes por semana com muito esforço, mas à medida que as dores foram aumentando, postergava e ficava meses sem ter relação sexual. Minha sorte é que meu marido viajava bastante a trabalho. Quando ele estava em casa, dava desculpas, ficava assistindo TV até mais tarde e ia dormir depois dele.

Meu marido me cobrava para que tivéssemos uma vida sexual mais ativa, às vezes ele era um pouco machista e achava que era frescura, não entendia por que eu sentia tantas dores.

Sabia que essa situação não era normal, ouvia minhas amigas dizerem que adoravam transar, o que me fazia pensar coisas do tipo: 'Acho que sou uma mulher frígida', 'Será que sou homossexual?', 'Não sei fazer sexo'.

Isso foi desgastando nosso relacionamento e meu marido acabou me traindo após 17 anos de casamento. A justificativa dele é de que se sentiu abandonado por mim, achava que eu tinha perdido o interesse e não gostava mais dele.

Nos separamos por um período, mas depois reatamos. Nesse retorno, buscamos outras formas de conexão, a gente se beijava, fazia carinho, 'brincava', mas na maioria das vezes ficava nisso e quase não tinha sexo com penetração.

"Nenhum médico investigava a fundo o que eu tinha"

Desde o início dos sintomas, procurei médicos de diferentes especialidades na tentativa de entender o que eu tinha. Fui ao ginecologista, ortopedista, cirurgião vascular, mas nenhum profissional investigava a fundo o meu quadro.

Eles diziam que as dores eram por conta da TPM, da menstruação, aos 35 anos falaram que eu estava com uma menopausa precoce, suspeitaram de fibromialgia, fui diagnosticada com endometriose. Fazia todos os tipos de exames, mas nenhum dava alterado.

Sem nenhuma perspectiva de melhora, aprendi a conviver com as dores, vivia me automedicando e tomando chás. Procurei ajuda espiritual, frequentei igrejas evangélicas, colocaram meu nome em correntes de oração. Também fiz uma cirurgia espiritual em um centro espírita.

Toda essa jornada foi bastante solitária, nunca contei para ninguém dos problemas sexuais com meu marido e só pessoas mais próximas sabiam das dores abdominais, mas nada detalhado, era bem reservada quanto à minha vida pessoal. Fiz terapia para tentar me entender e me conhecer, ajudou, mas depois de um tempo parei.

"Nasci de novo com o diagnóstico correto e tratamento"

Em 2022, eu e meu marido passamos em um cirurgião vascular para uma avaliação de varizes nas pernas. Eu já tinha operado duas vezes das varizes, mas tinha voltado a sentir dores na mesma região.

Durante a consulta, o médico perguntou o meu histórico de saúde, contei resumidamente as dores que sentia desde os meus 24 anos e falei especificamente de uma dor intensa —como se fosse um martelinho batendo— atrás da costela, do lado esquerdo.

O cirurgião perguntou como estava a nossa vida sexual, eu e meu marido nos olhamos e respondemos: 'Não está'. Naquele momento, o médico suspeitou que eu tivesse varizes pélvicas, causadas pela síndrome de May-Thurner.

À medida que ele foi descrevendo os sintomas da doença, um filme da minha vida foi passando na minha cabeça e as coisas foram se encaixando. O médico ficou surpreso de saber que eu e meu marido éramos casados havia 30 anos.

Segundo ele, raramente casais ficam juntos devido aos problemas sexuais, ainda que eles desconheçam que a mulher tenha essa doença, como até então era o nosso caso.

O cirurgião pediu alguns exames complementares que posteriormente confirmaram o diagnóstico de varizes pélvicas. Saber que tudo o que vivi por três décadas não era coisa da minha cabeça, mas realmente problemas físicos causados por uma doença foi uma libertação.

Tive uma melhora significativa dos sintomas com o tratamento, posso dizer que nasci de novo.

Fiz a angioplastia da veia ilíaca no abdome, por cateterismo, e tomo um medicamento contínuo. A única questão "pendente" ainda é que estou há quase um ano sem fazer sexo. Estou um pouco insegura, mas sei que mais cedo ou mais tarde vai acontecer.

Hoje em dia conto com a total compreensão do meu marido que diz estar me esperando para quando eu estiver preparada."

O que são varizes pélvicas

Varizes pélvicas são veias dilatadas, tortuosas e incompetentes (quando não estão funcionando corretamente) que acometem o útero e os ovários, podendo causar sintomas locais e ainda ser a origem de varizes nas pernas.

  • A principal causa da condição são as síndromes venosas obstrutivas abdomino-pélvicas, como a síndrome de Nutcracker e a de May-Thurner.
  • A origem da doença também pode ocorrer por componente genético e hormonal.
  • O principal fator de risco para o desenvolvimento de varizes pélvicas é a presença de obstrução ou trombose das veias localizadas na cavidade pélvica.
  • Outros fatores de risco: permanência por muitas horas em pé ou sentado, sedentarismo, obesidade, uso de anticonceptivos hormonais, história de trombose prévia e múltiplas gestações.

Os sintomas mais comuns são dor na região pélvica, ou na região superior ou inferior das costas, principalmente do lado esquerdo, algumas vezes associada à dor, inchaço e varizes nas pernas.

  • Outra queixa comum é a ocorrência de cólica e fluxo menstrual acentuado, e dor e desconforto durante e após a relação sexual, chamada de dispareunia.
  • A dispareunia ocorre quando existe um aumento no volume de sangue nos órgãos pélvicos, que não pode ser drenado pelas veias e varizes pélvicas doentes, causando aumento da pressão sanguínea, dor e desconforto.

Alguns estudos têm apontado que a doença pode estar relacionada à enxaqueca, mal-estar geral crônico e até depressão.

  • Em geral, as varizes pélvicas são mais comuns em mulheres, pois os hormônios femininos contribuem significativamente para o desenvolvimento da doença, sobretudo em mulheres que tiveram várias gestações, usuárias crônicas de anticonceptivos e ou quem tem distúrbios hormonais.
  • Em homens, as varizes pélvicas são chamadas de varicocele, e são mais fáceis de serem diagnosticadas porque se exteriorizam para a bolsa escrotal. Também podem causar dor na relação sexual. A varicocele é considerada a segunda maior causa de infertilidade masculina.

A saúde mental também é afetada, especialmente nas pacientes mulheres, que muitas vezes não se sentem ouvidas, suas dores físicas são desqualificadas, são diagnosticadas com "dor psicológica" e encaminhadas para o psiquiatra.

  • Sem diagnóstico e tratamento efetivo, a tristeza e a desesperança se somam ao sofrimento dos sintomas da doença.
  • Pacientes que têm dificuldades sexuais causadas pela condição tendem a apresentar fantasias destrutivas em relação ao próprio corpo, o que gera ansiedade.
  • São comuns queixa de que a doença interrompeu sonhos, projetos e receio de não voltar a sentir prazer na vida, revelando o impacto do adoecimento, uma vez que a dor adquire lugar central na existência da pessoa.

O diagnóstico pode ser feito através da história clínica do paciente e do exame físico.

  • A condição pode ser confundida com outras doenças como endometriose, mioma uterino, doença inflamatória pélvica, doença inflamatória intestinal, síndrome do colón irritável, fibromialgia, cistite crônica e infertilidade.

Quando não existe resposta ao tratamento medicamentoso, é indicado o tratamento por técnicas de cateterismo.

Existem dois procedimentos principais. Na técnica de embolização, a ponta de um cateter é posicionada no interior das varizes, onde é injetada uma espuma e molas com o objetivo de "entupir" e "secar" as varizes.

  • Outra técnica é a angioplastia, que consiste na dilatação por um balão e colocação de um stent, para tratar o local em que existe a compressão e a obstrução do fluxo sanguíneo.
  • A doença tem grandes chances de cura com as técnicas de diagnóstico e tratamento disponíveis hoje em dia.

Fontes: Fabio Henrique Rossi, cirurgião vascular e endovascular, presidente da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular - regional São Paulo, presidente do Instituto de Excelência em Doenças Venosas e coordenador da residência e da pós-graduação em cirurgia vascular e endovascular do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia (SP) e Maria Gabriela da Costa e Silva Pinto, psicóloga da equipe de cirurgia vascular e endovascular do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia e psicanalista membro filiado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.