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País terá primeira pós-graduação sobre psicodélicos; o que ela vai ensinar?

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Imagem: iStock

Carlos Minuano

Colaboração para o VivaBem

30/01/2023 04h00

Desde os primeiros dias do ano, circula pelas redes sociais a informação sobre uma primeira pós-graduação lato sensu, autorizada pelo MEC (Ministério da Educação), para formação de terapeutas e uso de psicodélicos. Dirigido a psicólogos e médicos, a especialização será realizada pelo Instituto Alma Viva, vinculado à empresa Biocase, que também se prepara para iniciar um estudo com psilocibina (princípio ativo dos cogumelos do gênero Psilocybe, chamados de "mágicos").

Com formato híbrido, uma parte online e outra presencial, a pós-graduação terá entre os professores alguns nomes conhecidos no meio psicodélico, como a psicoterapeuta Gisele Fernandes-Osterhold, diretora de facilitação psicodélica na UCSF (Universidade da Califórnia em São Francisco, nos EUA), os psicólogos Sandro Rodrigues e Fernando Beserra, da APB (Associação Psicodélica do Brasil), os psiquiatras Wilson Gonzaga (que possui longa experiência com ayahuasca), Marcelo Falchi (que integra a equipe do projeto DMT, realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e a antropóloga Sandra Goulart.

A psicoterapia com auxílio dos psicodélicos é completamente diferente do que entendemos por terapia, é outro processo, exige uma preparação específica. Cesar Camara, médico e diretor científico da pós-graduação.

Além de extenso conteúdo teórico, segundo Camara, alunos terão uma imersão prática dentro de uma pesquisa psicodélica real, com psilocibina, em um estudo duplo-cego randomizado (com placebo), que será realizado pelo Instituto Alma Viva, do qual devem participar 100 pacientes com câncer.

Questionado sobre os desafios que essas terapias ainda enfrentarão no Brasil, o profissional ressalta que uma boa formação é fundamental para que o setor se desenvolva de uma forma regrada e cuidadosa. "É um tratamento que se for feito sem nenhum tipo de estruturação pode ser desastroso, e o potencial que os psicodélicos possuem pode ser perdido", diz o médico.

As inscrições para o processo seletivo começam em fevereiro e podem ser feitas através do site do instituto. Veja trechos da entrevista com o diretor científico da pós-graduação a seguir.

VivaBem: O que uma pós-graduação sobre terapia psicodélica pode ensinar?

Cesar Camara: O curso vai ensinar algo que ainda não existe no Brasil. A psicoterapia com auxílio dos psicodélicos é completamente diferente do que entendemos por terapia, é outro processo, exige uma preparação específica. A maneira de lidar com um paciente quando ele está sob efeito de um psicodélico difere totalmente do que se faz nos atendimentos tradicionais de psiquiatras, psicólogos e psicoterapeutas.

Esse curso vai organizar o que existe de científico e padronizado no mundo, e contribuir para que aqui no Brasil esse setor se desenvolva de uma forma regrada, cuidadosa. É um tratamento que, se for feito sem nenhum tipo de estruturação, pode ser desastroso e o potencial que os psicodélicos possuem pode ser perdido.

Quem pode participar?

CC: O público-alvo são psicólogos e médicos psiquiatras licenciados que estejam regulares com seus conselhos e que preferencialmente já tenham experiência com psicoterapia. Vamos ensinar como é possível integrar os psicodélicos ao tratamento. Esse é o momento de colocar os pés no chão e seguir com o que é mais seguro e coerente, para que esses profissionais depois possam disseminar esse campo de conhecimento com uma regulação mais clara e, aí sim, com a participação de outros profissionais. Mas a equipe que trabalha em uma pesquisa ou terapia psicodélica é muito maior.

Cesar Camara - Vinicius Bopprê - Vinicius Bopprê
Cesar Camara é diretor científico do Instituto Alma Viva
Imagem: Vinicius Bopprê

Quanto tempo vai durar o curso?

CC: O curso deve durar um ano e meio, tem 360 horas, incluindo teoria e prática, mas o treinamento prático pode se estender um pouco mais, porque vamos oferecer na nossa clínica, dentro de um protocolo com psilocibina que vamos iniciar em breve, já aprovado pelo sistema CEP/Conep (Conselho Nacional de Ética em Pesquisa).

Como será essa parte prática?

CC: Existem psicodélicos sendo utilizados de forma legal, como cetamina, ibogaína [em off label, sem bula], e tem a ayahuasca, que é usada em centros religiosos e holísticos. Mas vamos fazer a parte prática com psilocibina dentro de um protocolo clínico aprovado, um estudo duplo-cego randomizado, para 100 pacientes com câncer: 50 tomam psilocibina e a outra metade placebo.

Dentro da parte prática, estão previstos ainda retiros, mas sem uso de psicodélicos. Queremos que os alunos tenham a experiência de alteração da consciência, mas será através da dança, da meditação e da respiração holotrópica.

Qual será o conteúdo dessa especialização?

CC: Vamos abordar todos os psicodélicos, mas o curso vai começar pelas raízes, mostrando como isso começou, depois trazendo para a realidade ocidental, vamos falar de pesquisas, de neurociência, teremos um embasamento forte, depois entramos nos psicodélicos, com módulos exclusivos para cada um deles, MDMA, psilocibina, LSD, cetamina, entre outros, cobrindo os mais relevantes para uso terapêutico. Vamos explicar sobre mecanismos de ação e dosagem.

No caso das substâncias que já são legalizadas no país, entraremos mais em detalhes, com o intuito de realmente tratar os pacientes, orientando sobre limitações, cuidados e benefícios que podem trazer.

Após a especialização, o profissional poderá atuar como um terapeuta psicodélico?

CC: Do ponto de vista legal, a pós-graduação não habilita o profissional em nada. Isso é regulado pelos conselhos de medicina e de psicologia, pela Anvisa e pelo Ministério da Saúde. O que a especialização vai fazer é mostrar como os psicodélicos podem ser ferramentas para a terapia com a qual ele já trabalha.

Mas, claro, isso dentro do que for legal aqui. Vamos falar sobre MDMA, por exemplo, que deve ser regulamentado em breve nos EUA, porém aqui ainda não se sabe quando será, ou seja, o profissional não poderá trabalhar com essa droga. Mas quando for legalizado, ele já saberá como usar.

Qual a diferença dessa especialização para outros cursos sobre psicodélicos que já existem?

CC: Para criarmos um curso de pós-graduação seguindo as regras do MEC, tivemos que montar um curso que é muito mais consistente do que outros do ponto de vista da teoria e prática. Pesquisamos mais de duas dezenas de especializações oferecidas nos EUA e na Europa. Para quem pretende atuar na área, é uma especialização que certamente fará diferença.

No caso da pesquisa com psilocibina, quem fornecerá a substância?

CC: Vamos usar cogumelos secos extraídos da natureza e testados pelo Certbio [Laboratório de Avaliação e Desenvolvimento de Biomateriais do Nordeste, da Universidade Federal de Campina Grande, na Paraíba], parceiro neste projeto de pesquisa, que vai medir potência, pureza, ausência de pesticidas, metais pesados, entre outros itens. Esse é um diferencial do estudo, teremos conhecimento sobre a dosagem que será administrada.