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'Pequenos gênios': competições de conhecimento são benéficas às crianças?

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Imagem: iStock

Janaína Silva

Colaboração para o VivaBem

13/08/2022 04h00

Se você zapeou a TV em algum domingo recente, provavelmente se deparou com crianças soletrando rapidamente alguma palavra de trás para frente, fazendo cálculos de cabeça e resolvendo enigmas de memória. Chamado "Pequenos Gênios", o quadro, exibido no "Domingão com Huck", da TV Globo, surpreende os telespectadores, causando até um estranhamento.

Segundo a pediatra Ana Márcia Guimarães Alves, vice-presidente da Sociedade Goiana de Pediatria, disputas do tipo são benéficas, porque elevam a autoestima e a autoconfiança da criança. Mas é preciso implantar esses desafios da maneira correta, respeitando o interesse na área de conhecimento e o desejo de participar ou não.

"É importante que os pais, educadores e/ou treinadores respeitem a aquisição de competências e habilidades com base nos aspectos gerais e particulares infantis. As crianças com altas habilidades, por exemplo, devem ser percebidas integralmente, levando em conta os aspectos funcionais, maturacionais —a partir de experiências vividas e/ou adquiridas ao longo da vida—, emocionais e socioculturais", esclarece Alves.

"Cada família deve avaliar se é adequada a participação em contextos competitivos, colocando sempre os interesses da criança em primeiro lugar", afirma Silvia Helena Vieira Cruz, psicóloga com doutorado no Instituto de Psicologia USP (Universidade de São Paulo) e pós-doutorado na Universidade do Minho, Portugal, e professora titular da FACED-UFC (Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará).

Segundo a psicóloga, os pais são as pessoas que melhor conhecem seus filhos e, portanto, deveriam ter condições de avaliar como a disputa será vivida pelas crianças. "No entanto, às vezes, eles parecem querer provar algo sobre o seu valor ou mérito por meio do desempenho deles", diz.

Caso esse incentivo dos pais seja voltado apenas para satisfazê-los ou para ressaltar a performance dos filhos, isso é capaz de gerar um impacto negativo na autoestima.

"As comparações são injustas e toda cobrança gera um estresse, ainda mais quando se quer agradar aos pais. Diferentemente, as competições esportivas envolvem mais a própria superação, em relação aos índices e façanhas", pontua Maura de Albanesi, psicóloga e escritora.

Além disso, os pais devem ensinar aos filhos que a cooperação e o respeito são mais importantes que o resultado das disputas.

Pai e filho jogando xadrez; criança; competição - iStock - iStock
Participar de competições ou desafios é bom para a autoconfiança e autoestima das crianças
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Características de "crianças gênias"

De maneira geral, observa-se nessas crianças aprendizado rápido, desde o desenvolvimento motor até a linguagem e o potencial de fazer associações, de acordo com Ana Márcia Guimarães Alves, que também é membro do departamento científico de pediatria do desenvolvimento e comportamento da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria).

"São muito curiosas, argumentativas e com senso crítico acima do esperado para a idade. Algumas se mostram irritadas e insatisfeitas com a rotina, pois o cotidiano já foi tido explorado por elas. Apresentam vocações excepcionais para arte, música, esportes, tecnologia e podem ser autodidatas", lista a pediatra.

Além disso, possuem interesses específicos e dedicam-se a eles por longos períodos. Ás vezes, elas parecem agitadas e hiperativas.

"Tem que existir um lugar na sociedade para reconhecer crianças com capacidades fora da média que necessitam ser incentivadas no uso dessas habilidades, porém a assistência dedicada a elas deve ser igual com todas as demais", defende Alexandre Nicolau Luccas, psicólogo, psicanalista, mestre em psicologia social, professor e coordenador do curso de psicologia da Unipaulistana (Centro Universitário Paulistano).

Contudo, como possuem intelecto acima da média, é comum que falem que não são muito aceitas pelos colegas, pois seus interesses específicos não são dominados pelos demais da mesma idade, segundo Alves. "As brincadeiras também não são atrativas, assim como o nível de aprendizado na escola é destoante do restante da turma. Portanto, podem sofrer isolamentos, bullying, tédio, afastando-se e gerando desinteresse em relação ao convívio social e escolar."

Como o desenvolvimento infantil envolve múltiplos aspectos, para Stanley Rodrigues, psicólogo do Sabará Hospital Infantil, SP, é indispensável contemplá-lo de forma geral, estimulando-as na aquisição de habilidades socioemocionais.

Ainda existem crianças que possuem transtornos que se caracterizam por comportamentos desafiadores e de oposição. Segundo Rodrigues, isso não deve ser confundido com um comportamento meramente competitivo. "Nesses casos, é de suma importância diagnóstico e tratamento adequados, com vista à saúde e ao bem-estar delas."

Pais e educadores devem ficar atentos aos riscos

A pediatra da SBP explica que se a criança não compreender o companheirismo e a solidariedade das competições, pode ficar ansiosa e frustrada, parecendo que não sabe perder. É possível, também, dependendo do desempenho, sentir-se inferiorizada.

O que ocorre é que os desejos, tensões, receios das crianças deveriam estar em primeiro plano, na opinião da psicóloga Silvia Helena Vieira Cruz. Para ela, a forma como os pais percebem as situações que envolvem algum tipo de competição é muito importante para como os filhos viverão essa experiência.

Para que todas vivam essa circunstância de forma saudável, precisam ter segurança de que não está em jogo o que realmente importa, em especial, a autoestima e o amor da família. Silvia Helena Vieira Cruz, psicóloga

As crianças se expressam de várias formas e, com interesse e sensibilidade, percebe-se como as experiências podem ser negativas para elas, segundo Cruz.

A ansiedade aparece, por exemplo, em modificações no apetite —aumento ou diminuição—, em alterações do sono, irritação, supervalorização dos resultados. "São sinais de que algo não está bem e os adultos devem reavaliar suas decisões e protegê-las."

As crianças devem ser respeitadas e amadas pelo que elas são e não porque são melhores do que outras em algum aspecto. "Elas necessitam se sentir confiantes para enfrentar alguns desafios, mas sabendo que, mesmo dando o seu melhor, muitas vezes podem não se sair tão bem como gostariam; mas isso não diminui o seu valor nem a afeição dos seus entes queridos", diz a psicóloga.