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Daniella Perez, 'Casa Abandonada': como explicar fixação por 'true crime'?

A casa onde morava Margarida Bonetti, do podcast "A Mulher da Casa Abandonada", virou ponto turístico - Simon Plestenjak/UOL
A casa onde morava Margarida Bonetti, do podcast "A Mulher da Casa Abandonada", virou ponto turístico Imagem: Simon Plestenjak/UOL

Janaína Silva

Colaboração para o VivaBem

06/08/2022 04h00

Você provavelmente foi impactado pela comoção gerada pelo podcast "A Mulher da Casa Abandonada" ou pela série "Pacto Brutal - O Assassinato de Daniella Perez". Apesar de esses exemplos serem recentes, as produções sobre histórias de crimes reais, ou "true crime", como são chamadas, não são uma novidade —muito menos seu sucesso.

Em 1966, o livro "A Sangue Frio", de Truman Capote, foi lançando, contando a história do assassinato de uma família no Meio-Oeste dos EUA. A obra se tornou uma referência no "romance de não ficção", em que fatos reais são narrados com técnicas romanescas. Mas não precisamos ir tão longe. No Brasil, "Linha Direta", programa da TV Globo que estreou em 1990, mostrava crimes que aconteceram pelo país e sua reconstituição baseada em depoimentos.

Hoje há incontáveis produções do tipo em plataformas por assinatura. Mas a dúvida que fica é: por que falar sobre crimes reais faz tanto sucesso? A seguir, listamos 9 prováveis motivos pelos quais as pessoas se atraem por true crime.

1. É parte da curiosidade natural humana

O impulso está ligado ao desejo, quase incontrolável, de saber mais sobre os motivos que possam ter levado ao crime ou, também, entender por que tantas pessoas estão comentando a respeito.

Aliado a isso, explica Josy Cristine Martins, psicóloga com atuação em psicologia social e jurídica, professora do curso de psicologia da Universidade Positivo (PR), em um contexto de celebridades, é comum a vontade de acompanhar os casos até seu desfecho final.

2. Traz conforto por não ter sido a vítima

É normal sentir alívio tanto pela solução do caso quanto por saber que ele ocorreu com outra pessoa e não consigo ou com alguém do seu convívio. "Mesmo que isso pareça egoísmo, é importante para a sobrevivência", fala Martins.

3. Ajuda a sentir preparo para encarar situações similares

A compreensão da maneira como os crimes foram cometidos e o conhecimento sobre as características das vítimas colaboram no estabelecimento de estratégias de prevenção, no caso de políticas públicas, segundo a psicóloga.

Já, em relação às pessoas comuns, o contato com tais tramas possibilita que fiquem mais atentas a determinados momentos e contextos.

4. É uma forma de fugir da própria realidade

O fenômeno pode ser entendido como um contraponto à mesmice e à perfeição das redes sociais, na opinião de Janiene Santos, pesquisadora de tendências socioculturais, professora na USP (Universidade de São Paulo) e ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), autora do livro "Sobre Tendência e o Espírito do Tempo".

"As pessoas, hoje, se interessam pela vida sem filtros. E muitas histórias são tão bizarras e perversas que se tornam uma forma de fugirem da própria realidade, unindo o requinte da ficção ao apelo cruel do ocorrido", afirma.

Para ela, existem duas tendências que justificam a fixação pelo true crime: o foco na vida como ela é e o escapismo.

Daniella Perez com Raul Gazolla em imagem da série da HBO Max - Divulgação - Divulgação
Daniella Perez com Raul Gazolla em imagem da série da HBO Max
Imagem: Divulgação

5. Dá a sensação de estar vivo

As histórias e relatos colocam os indivíduos em contato com diferentes sensações e sentimentos, como a dor, o sofrimento e até a morte. "Fazem-nos sentir vivos", destaca Martins.

6. Desperta emoções e prazer

Histórias relacionadas a crimes, principalmente os reais, provocam uma ativação cerebral e, consequente, produção de neurotransmissores, como adrenalina, dopamina, serotonina, entre outros responsáveis pela sensação de prazer e recompensa.

"Esses estímulos ativam diversas áreas do nosso cérebro relacionadas às emoções, em especial o sistema límbico, no qual se encontram estruturas como o hipotálamo, amígdala e hipocampo", esclarece a psicóloga.

7. Ajuda a enfrentar os próprios medos

Esses conteúdos permitem, ainda, que as pessoas se sintam mais disponíveis para lidar com seus próprios medos e traumas de forma saudável. "A atenção deve ser para não tornar a fixação nociva, pois é possível desenvolver medos que não existiriam e isso leva a diversos prejuízos à saúde de forma geral, bem como para as relações interpessoais", alerta a psicóloga.

8. Provoca identificação com a situação

Esses conteúdos satisfazem a agressividade inconsciente de cada um, segundo Alexandre Nicolau Luccas, psicólogo, psicanalista, mestre em psicologia social, professor e coordenador do curso de psicologia da Unipaulistana (Centro Universitário Paulistano). "Exploram uma vertente dentro de todos nós que alimenta o prazer. É agradável ver o ocorrido porque a pessoa sabe que não tem nada a ver com aquilo. É uma segurança também ter a convicção que jamais faria aquilo."

9. Atração por estados negativos

"Somos atraídos por imagens, notícias trágicas, sangrentas e impactantes, gerando, até, a sensação de normalidade em relação ao mal", afirma Edmundo Luís Rodrigues Pereira, neurologista e neurocirurgião, doutor em ciências médicas e oncologia e professor de neurologia da UFPA (Universidade Federal do Pará). "Isso explica o mecanismo pelo qual ações de raiva atuam sobre o emocional coletivo e fazem com que esses comportamentos agressores sejam interpretados, muitas vezes, como normais."

Luccas explica que é preciso refletir sobre a natureza humana, que não é apenas boa. "Não é verdadeiro que apenas o que vem de fora nos corrompe; nós temos dentro de nós esses sentimentos que fazem admirarmos o vilão —quando crianças, nas histórias infantis, por exemplo, identificar-se com o lobo mau. O vilão é também personagem importante na construção dos indivíduos. Fazendo mais uma analogia, ganhar o papel do vilão pode ser, para o ator, uma consagração."

Contudo, fala a psicóloga, o mero contato com esse tipo de trama não é suficiente para justificar a violência, que deve estar associada a condições anteriores.

Fontes: Alexandre Nicolau Luccas, psicólogo, psicanalista, mestre em psicologia social, professor e coordenador do curso de psicologia da Unipaulistana (Centro Universitário Paulistano); Edmundo Luís Rodrigues Pereira, neurologista e neurocirurgião, doutor em ciências médicas e oncologia e professor de neurologia da UFPA (Universidade Federal do Pará); Janiene Santos, pesquisadora de tendências socioculturais, professora na USP (Universidade de São Paulo) e ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), autora do livro "Sobre Tendência e o Espírito do Tempo); Josy Cristine Martins, psicóloga, com atuação em psicologia social e jurídica, professora do curso de psicologia da Universidade Positivo (PR).