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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Neurocientista conta qual o impacto do amor (e da falta dele) em nossa vida

Getty Images
Imagem: Getty Images

Isabella Abreu

Colaboração para o VivaBem

09/07/2022 04h00

A neurocientista norte-americana Stephanie Cacioppo acreditava que estar solteira era melhor para a sua pesquisa sobre relações humanas e que o amor não era fundamental para a vida. "Eu dizia a mim mesma que o fato de não ter um relacionamento amoroso me tornava uma pesquisadora mais objetiva: eu podia estudar o amor sem estar sujeita a seu fascínio", diz ela em seu novo livro "Wired for Love: a Neurocientist's Journey Through Romance, Loss and the Essence of Human Connection" (Equipados para o amor: a jornada de uma neurocientista através do romance, da perda e a essência da conexão humana, em tradução livre).

Até que em 2011 ela conheceu John Cacioppo, pesquisador que disseminou o conceito de que a solidão, quando prolongada, pode ser tão prejudicial à saúde quanto fumar. Em menos de um ano, eles estavam casados e inseparáveis, dividindo um escritório na Universidade de Chicago (EUA).

Mas, em março de 2018, John morreu de câncer. Mesmo irreparável, a perda rendeu a Stephanie um material de pesquisa precioso e que fechava uma espécie de ciclo. Ela se debruçou sobre o comportamento cerebral de uma pessoa solteira e também de uma apaixonada, e teve a oportunidade de investigar o efeito da ausência de um grande amor.

Para a pesquisadora, a necessidade humana de conexão social é tão essencial para o bem-estar quanto água potável, alimentos nutritivos ou exercícios. "O amor é uma necessidade biológica. Não podemos viver sem", diz.

É muito difícil para alguém que perdeu seu melhor amigo, sua alma gêmea e o amor de sua vida. Mas percebi que o amor não precisa ser com a pessoa que está fisicamente aqui com você. Podemos estar apaixonados por alguém que viva longe. Ou mesmo alguém que faleceu.

Ela conta que a chave para manter vivo o amor de John era realmente perceber que ele se foi e enfrentar a dor de que ele não estava mais fisicamente. "E uma vez que eu realmente enfrentei essa dor, eu o vi em todos os lugares, ao meu redor. De diferentes maneiras, pude sentir seu amor e ainda sinto seu amor em todos os lugares. Isso foi lindo para mim e espero que possa inspirar as pessoas a se sentirem conectadas e não solitárias".

Todo mundo sente igual

O amor romântico foi indescritível a maior parte de sua vida. Stephanie era a única filha de pais franco-italianos apaixonados que estabeleceram um nível alto para o que um relacionamento deve ser. Durante a adolescência e na faculdade não teve namorados sérios e aos 20 se lançou em sua pesquisa.

Uma de suas primeiras descobertas foi que o amor romântico parecia ativar 12 regiões específicas do cérebro. Além disso, percebeu também que o amor apaixonado —diferente da amizade ou do amor materno— desencadeou algumas das regiões mais sofisticadas e de ordem superior do cérebro, em particular: o giro angular.

Essa região, escondida atrás da orelha, geralmente está ligada ao pensamento e à linguagem abstratos. Para a neurocientista, a descoberta foi a prova de que "o amor desempenhava um papel mais complexo no cérebro do que qualquer um poderia imaginar". Sua pesquisa também mostrou que, embora possamos acreditar que a forma como experimentamos o amor seja única, o que estava acontecendo em um nível biológico era praticamente idêntico para todos nós.

Foi um trabalho inovador, mas para ela, pessoalmente, o amor permaneceu um conceito teórico. Isso mudou em uma conferência em Xangai, em 2011, quando conheceu John e não teve dúvidas de que o "amor à primeira vista" existe, assim como há pesquisas científicas para respaldá-lo. "Eu realmente acreditava que estava feliz até conhecer meu marido, mas estava errada! Eu estava mais feliz com ele do que nunca", relembra.

Thiago de Almeida, psicólogo pela UFSCar (Universidade de São Carlos) e especialista no tratamento das dificuldades dos relacionamentos amorosos, explica que normalmente o cérebro de uma pessoa apaixonada contém grandes quantidades de feniletilamina, substância que responde, em grande parte, pelas sensações e modificações fisiológicas que experimentamos quando estamos apaixonados em uma contínua estimulação.

"No início do relacionamento, a sensação que emerge é a de um perfeito bem-estar. O casal sente necessidade de permanecer junto grande parte do tempo. Nesse período, pouco importa a personalidade de cada um, caem as defesas, o raciocínio é temporariamente suprimido, hiperdimensionando as qualidades e subestimando as falhas do outro. A sensação pode ser de amor à primeira vista", afirma.

Luto e solidão

O relacionamento de Stephanie e John foi rápido. Em 2015, ele foi diagnosticado com uma forma rara de câncer de glândula salivar que logo se espalhou para os pulmões. Depois de sua morte, a neurocientista ficou deprimida, insegura de que "uma vida significativa" ainda fosse possível. Aos poucos, foi recuperando o controle de seu próprio cérebro e sentindo que estava no comando de suas emoções, em vez de ser vítima delas.

Para Fernando Gomes Pinto, neurocientista e autor do livro "Neurociência do Amor", a morte de um amor provoca uma emoção muito complexa: a saudade. "É uma separação que traz um processo de luto intenso, que costuma durar cerca de dois anos", diz. E quanto mais tempo compartilharam juntos, mais difícil é para superar.

Aliás, um estudo feito com 518.240 casais norte-americanos com idade entre 65 e 98 anos, acompanhados durante nove anos, revela o quão intenso pode ser o impacto da doença ou da morte de um cônjuge.

A pesquisa aponta que é 21% maior a probabilidade de o homem também morrer depois que sua companheira se vai. Entre as mulheres, aumenta em 17% o risco de também partir depois do marido. Só a hospitalização de um dos idosos do casal já é o bastante para elevar o risco de o outro morrer —também nesse caso, os homens respondem mais intensamente (risco 4,5% maior) que as mulheres (risco 2,7% maior).

Isso mostra que um dos grandes desafios da nossa sociedade é enfrentar a solidão. "A melhor coisa que podemos fazer por uma pessoa solitária é ajudá-la a ter um novo senso de valor e pertencimento", diz Stephanie. Podemos fazer isso pedindo conselhos, respeitado e ajudando a entender sua própria importância.

A especialista ressalta que é possível continuar conectado com a pessoa que você mais ama mesmo se estiver fisicamente sozinho, basta fechar os olhos e imaginá-la com você. "Armazenamos essas memórias positivas em nossa mente e podemos acessá-las a qualquer momento. Isso também ajudará as pessoas a se sentirem menos solitárias", afirma.

"E se há uma mensagem que posso compartilhar sobre a minha história, ela não vem de mim, vem de Maya Angelou, que escreveu lindamente: 'Tenha coragem suficiente para confiar no amor mais uma vez e sempre mais uma vez'", diz.