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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Sentir alegria é bom, mas evite forjá-la; tristeza também é importante

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Imagem: iStock

Priscila Rodrigues

Colaboração para o VivaBem

06/05/2022 04h00

"É melhor ser alegre que ser triste, alegria é a melhor coisa que existe, é assim como a luz no coração", eternizou Vinicius de Moraes no "Samba da Bênção". De fato, quem não almeja sentir alegria na vida, não é mesmo? Quanto mais vezes, aliás, melhor. No entanto, a emoção também tem algumas facetas nocivas e todo mundo deveria conhecer quais são em prol da própria saúde mental.

Em geral, as pessoas classificam emoções como tristeza, medo e raiva como negativas, e a alegria como positiva. No entanto, essa classificação pode ser perigosa no sentido de dificultar que aprendamos a manejar nossas emoções, nossos pensamentos e os sentimentos que emergem em situações como perdas, decepções, frustrações ou mudanças repentinas impostas pela vida.

A alegria pode ter uma função tóxica para o ser humano quando se trata de uma emoção forjada. Exemplos? "Preciso ficar bem", "não posso demonstrar que estou arrasado(a) com isso", "se eu rir, ninguém vai se dar conta de que essas brincadeiras estão me magoando" etc.

Para Ana Izabel Lima, doutora em psicologia e membro da Comissão de Saúde do CRP-RN (Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Norte), buscar a felicidade e ser alegre não é o problema nesse caso. "A grande questão é não conseguir viver a tristeza, a frustração, a raiva e o sofrimento que fazem parte da nossa existência. Negar a nós mesmos e aos outros a possibilidade de experimentar todos esses momentos e defender que deveremos abafar tudo que sentimos com sorrisos e frases motivacionais pode promover ainda mais sofrimento, pois uma hora ou outra teremos que lidar com nossas limitações e frustrações", diz.

Há o risco também de as demandas do dia a dia conduzirem à adoção de um modo de ser "correto" e "permanente", o que pode ser uma maneira de ligar o piloto automático diante dos desafios que surgem na rotina. "A imposição da felicidade e alegria parece ser uma forma de atingir esse automatismo", comenta Ana Izabel.

Uma condição emocional saudável passa, primeiramente, pela identificação dos sentimentos e das emoções na forma de autoconhecimento, diz Adriana Aparecida Fregonese, coordenadora de psicologia do Hcor. "O que eu sinto e penso determina meu comportamento, que pode ser bastante assertivo socialmente ou pode determinar mais ainda o fracasso na situação."

Abaixo a ditadura da felicidade

A busca incansável por mostrar alegria e positividade —pelo menos na superficialidade das redes sociais— pode ser altamente prejudicial, pois trata-se de uma forma de ditadura (alô, positividade tóxica!) que nega a natureza humana, que é composta por altos e baixos. "A pessoa passa a se culpar por não ser sempre otimista e estar sempre feliz, o que gera mais negatividade", diz Adriana Drulla, mestre em psicologia positiva.

Segundo ela, corpo e mente respondem pior ao estresse quando se nega o que está sentindo. "É impossível estarmos bem quando estamos em guerra com nós mesmos. A pressão para estar sempre bem invalida a grande gama de emoções que experimentamos. Logo, quando sentimos qualquer tipo de desconforto emocional, como a raiva e a tristeza, está subentendido que fracassamos e que somos inadequados ou fracos", explica

A psicanalista carioca Beatriz Breves, mestre em psicologia na American Word University (EUA), ressalta que o sentimento de alegria não pode ser nocivo, mas o uso que se faz dele, sim. Ela diz que o que pode levar uma pessoa a experimentar a positividade tóxica é a falsa alegria, facilmente representada nas redes sociais, resultado de uma incapacidade para lidar com o sofrimento. "Seria o mesmo que tentar misturar algo bom e saboroso em uma comida que se tornou azeda. Pode até disfarçar o sabor, mas acabará provocando, no mínimo, um mal-estar à pessoa."

Tentar evitar as emoções ruins é da ordem do impossível, reforça culpas, atinge a autoestima, produz ansiedade, tristeza a nível de depressão, reduz a motivação que nos faz progredir. Não tem nada de errado em buscar ver o lado positivo das coisas. Porém, o ideal é observar todos os lados de uma questão. É saudável entendermos a natureza multifacetada dos eventos e das pessoas.

A positividade saudável reconhece emoções autênticas e rejeita o entendimento de que uma situação é necessariamente só boa ou só ruim. "Emoções opostas podem acontecer simultaneamente. Ou seja, você pode ficar triste por perder seu emprego e ter esperança de encontrar um novo emprego no futuro. Algumas décadas de pesquisa mostram que a capacidade de ressignificar eventos é um dos principais fatores que suportam a resiliência humana. Quando construímos sentido a partir das adversidades, tirando lições proveitosas do que nos acontece, conseguimos crescer a partir dos nossos desafios em vez de ficarmos piores por causa deles", diz Adriana Drulla.