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Saúde

Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Após insuficiência renal, ciclismo trouxe mais saúde e autoestima a Wilton

Bárbara Therrie

Colaboração para VivaBem

01/05/2022 04h00

Wilton Silva Freitas, conhecido como Tico, 32, tinha 24 anos quando foi diagnosticado com insuficiência renal crônica e ouviu do médico que teria de fazer hemodiálise para o resto da vida até conseguir um transplante de rim. Nos três dias por semana que fazia as sessões, o auxiliar de serviços gerais de Campina Verde (MG) acordava 3h, saía de casa às 4h, e às vezes voltava só às 19h. Com a rotina exaustiva, ele encontrou no ciclismo uma forma de se distrair, emagrecer e diminuir os gastos que tinha com o combustível do carro. A seguir, ele conta como descobriu e lidou com a doença.

"Durante seis meses tive alguns sintomas que começaram de forma leve, mas que foram piorando com o tempo: tinha dores de cabeça, enjoos, desconforto no estômago e cãibra nas pernas. Nesse período, também fiquei inchado, mas imaginei que estava gordo.

Meus pais viviam falando para eu ir ao hospital, mas nunca ia, até que um dia passei mal e decidi ir. Após fazer vários exames, o médico disse que eu estava com um problema sério nos rins e me encaminhou para um nefrologista.

No dia seguinte, marquei uma consulta particular com um especialista. O médico me examinou e pediu mais exames. Ao ver os resultados, ele disse que eu estava com apenas 10% dos rins funcionando e que eu teria que fazer hemodiálise para tentar recuperar a função renal. Tomei um susto e me preparei para iniciar a primeira sessão naquele mesmo dia.

Após um mês e meio fazendo o tratamento, o médico me diagnosticou com insuficiência renal crônica, aos 24 anos, e explicou que eu teria de fazer hemodiálise para o resto da vida até conseguir um transplante de rim.

Wilton Silva Freitas começou a praticar ciclismo após diagnóstico de insuficiência renal - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Fiquei triste e chateado com a notícia, mas tentei não me abater e achar alguma forma de lidar com aquela mudança que teria pela frente.

Fazia hemodiálise três vezes por semana das 7h às 10h. Como moro em Campina Verde e a clínica fica em outra cidade, em Uberlândia, acordava 3h, um carro da prefeitura buscava eu e meu acompanhante na porta de casa, às 4h, e por volta das 12h, 13h, já estávamos de volta.

Esse esquema funcionou bem por dois meses até que fui notificado de que a prefeitura não teria mais condições de disponibilizar um carro para transportar um único paciente, e que a partir daquele momento eu teria que ir para as sessões pegando um micro-ônibus que levava pessoas de Campina Verde para Uberlândia para passar em consultas.

Pegava esse micro-ônibus no mesmo horário, às 4h, mas tinha dias que voltava para casa às 19h, porque precisava esperar até que todos voltassem dos médicos para voltar para nossa cidade. Era extremamente cansativo e estressante —essa situação durou quatro anos até mudar o prefeito.

Nesse período, percebi que precisava de algum tipo de distração, ocupação e foi aí que a atividade física entrou na minha vida. Já tinha tentado praticar futebol, musculação, natação, hidroginástica, mas não levava a sério, até que me apaixonei pelo ciclismo.

Wilton Silva Freitas começou a praticar ciclismo após diagnóstico de insuficiência renal - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Comecei a pedalar por três motivos principais: queria fazer um exercício com regularidade, queria emagrecer e diminuir meus gastos —usar a bicicleta no lugar do carro para fazer as coisas do dia a dia, como ir ao mercado, padaria, pagar as contas— me ajudaria a economizar no combustível. Desde que comecei a diálise, fui afastado do trabalho e recebo auxílio-doença.

Algumas pessoas da cidade começaram a fazer ciclismo. Assisti a algumas provas e fiquei com vontade de pedalar também. Comprei uma bicicleta simples e comecei devagar, fazendo 40 minutos por dia. No início foi difícil porque não era um hábito, mas aos poucos fui aumentando o trajeto e a distância.

Na loja em que comprei a bicicleta, se formou um grupo de 10 a 20 pessoas iniciantes que se reuniam para pedalar nas trilhas todas as segundas e quartas à noite. Quando eu conseguia chegar cedo da diálise, dormia um pouco e me juntava ao pessoal. Quando não era possível, ia pedalar sozinho ou acompanhado de um amigo.

Com o tempo fui me dedicando e me aperfeiçoando no ciclismo, consegui um patrocínio da clínica onde fazia hemodiálise, eles me deram um uniforme e uma ajuda de custo mensal. Comprei uma bicicleta nova, capacete, acessórios, equipamentos e participei de competições. Pedalava quatro vezes por semana, uma média de 30 km a 60 km, mas já cheguei a fazer 110 km entre ida e volta de uma cidade para outra.

Nunca fiz nenhum acompanhamento específico por ser um paciente com insuficiência renal crônica e praticante de esporte. O nefrologista e a nutricionista só pediram para eu tomar alguns cuidados.

Wilton Silva Freitas começou a praticar ciclismo após diagnóstico de insuficiência renal - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

O médico disse que como transpiro muito durante o exercício, poderia tomar um pouco mais de água do que geralmente é indicado para um paciente com doença renal, mas ainda assim a ingestão deveria ser controlada.

A nutri me deu algumas dicas do que comer nas pausas do treino: rapadura, barra de cereal, gel de carboidrato, cafeína e evitar ingerir alimentos ricos em potássio e fósforo.

Confesso que algumas vezes exagerei e passei mal enquanto pedalava, sentia enjoos, dormência, fraqueza. Não sei dizer se era por conta dos efeitos da hemodiálise ou por ter feito mais esforço do que deveria. O fato é que com o tempo fui conhecendo e escutando melhor meu corpo e meus limites. Por exemplo, evitava pedalar nos dias das sessões ou fazia um pedal mais curto.

O ciclismo trouxe inúmeros benefícios para minha saúde física e mental. Ganhei mais disposição, energia, ânimo e bem-estar. Emagreci 15 kg, o colesterol baixou, a pressão estabilizou. Também resgatei minha autoestima, provei para mim e para os outros o meu valor e que era capaz de fazer as coisas.

Após sete anos fazendo hemodiálise, fiz o transplante de rim no dia 21 de abril de 2021. Tive algumas adversidades no caminho, fiquei 27 dias internado, fiz uma segunda cirurgia, mas a situação foi controlada. Estou feliz, bem e me adaptando.

Wilton Silva Freitas começou a praticar ciclismo após diagnóstico de insuficiência renal - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Receber o diagnóstico de insuficiência renal e fazer diálise por anos pode ser o fim para muitos pacientes, a verdade é que só quem faz esse tratamento sabe como é difícil. Mas um conselho que deixo para essas pessoas é: busque uma atividade que você goste e não baixe a cabeça para a doença.

Me encontrei no esporte, o ciclismo me tornou uma pessoa mais alegre. Você também pode encontrar algo que te faça feliz, traga motivação e ajude-o a lidar melhor com o tratamento."

O que é insuficiência renal?
A doença renal crônica (DRC), também conhecida como insuficiência renal, é caracterizada por uma lesão renal acompanhada de perda progressiva e irreversível da função dos rins. É dividida em 5 estágios, sendo o 5º o que necessita de uma terapia de substituição da função dos rins, conhecida como diálise. Em alguns casos, existe a possibilidade de recuperação da função renal para níveis não dialíticos, mas são situações raras.

Quais cuidados alguém com insuficiência renal deve ter ao se exercitar?
O paciente deve realizar os exercícios conforme sua condição clínica, capacidade funcional e bem-estar.
O ideal é praticar atividade física pelo menos três vezes na semana, preferencialmente nos dias de não hemodialise ou no pós-hemodiálise, devido à possibilidade de fraqueza, cansaço, mal-estar e indisposição relacionadas à hipovolemia (perda de líquidos) após a sessão.

Outros cuidados envolvem a pressão arterial. Todo paciente deve estar com a pressão controlada para fazer exercício físico, uma vez que ela poderá subir ainda mais durante a atividade. Uma outra situação é a hipotensão, quando há queda da pressão arterial abaixo dos níveis aceitáveis. Um outro ponto de atenção na hora de treinar é com o acesso vascular (por onde a agulha é introduzida e o sangue é puxado para a realização da hemodiálise).

Quais esportes são mais indicados para quem tem insuficiência renal?

Saúde dos rins, problemas renais - iStock - iStock
Imagem: iStock

De forma geral, os exercícios de alongamento (como o pilates), de condicionamento cardiovascular (como a corrida), e de fortalecimento muscular (como a musculação) são boas opções.

No entanto, o recomendado é que cada paciente seja avaliado individualmente por uma equipe multidisciplinar, formada por um médico nefrologista, cardiologista, educador físico, fisioterapeuta, para decidir qual o esporte/ atividade mais adequado.

Atualmente, o acesso à equipe multidisciplinar está disponível nos serviços de saúde, tanto no privado, para quem possui convênio médico, quanto na rede pública, onde é possível encaminhar o paciente com doença renal crônica para o cardiologista, fisioterapeuta e educador físico.

Existe algum exercício que é contraindicado?
Sim. Pacientes renais crônicos possuem restrição aos exercícios de grande impacto com possibilidade de colisão, e devido à fragilidade óssea apresentam maior risco de quedas, fraturas e traumas. A avaliação da condição do equilíbrio é fundamental para adequação da modalidade do exercício.

Quais os benefícios que o exercício físico traz para pacientes com insuficiência renal?
Melhor controle da pressão arterial e condicionamento cardiovascular, melhora da função e trofia muscular, redução do ganho de peso interdialítico, redução das cãibras, fortalecimento ósseo, melhora do funcionamento intestinal, da capacidade funcional e da qualidade de vida.

Fonte: Carina Tramonti de Souza, nefrologista da DaVita Tratamento Renal de Uberlândia.