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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Celular realmente vicia ou ainda não temos provas suficientes disso?

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Imagem: iStock

Mel Trench

Colaboração para o VivaBem

16/02/2022 04h00

Disponíveis a todo instante, eles nos acompanham do bom dia ao fechar de olhos. Com a capacidade de conectar um lado do mundo ao outro e reduzir longas burocracias a minutos, os celulares garantem facilidade e entretenimento na palma da mão e estão cada vez mais presentes na rotina. Mas seu uso excessivo vem sendo associado a problemas para a saúde mental, inclusive a uma dependência, chamada de nomofobia.

Do inglês "no mobile phone fobia", ou o medo de ficar sem celular, o termo é utilizado para descrever uma suposta dependência patológica pelo aparelho. A questão é que, por ser algo muito recente, esse distúrbio não entrou na última edição do DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), publicado em 2013.

Entretanto, mesmo não estando presente no manual considerado padrão ouro para avaliação das doenças psiquiátricas, já foi mostrado que o dito nomofóbico apresenta alterações cerebrais similares a de outros vícios, como em sexo ou jogos. "Temos evidências que mostram que essas pessoas têm, no mínimo, duas redes neurais com atividade alterada, ou seja, diferente de pessoas saudáveis. Essas duas redes são também deficitárias em pessoas que apresentam algum tipo de dependência", diz Claudia Feitosa-Santana, neurocientista com mestrado e doutorado pela USP (Universidade de São Paulo) e pós-doutorado na Universidade de Chicago (EUA).

A vontade de retornar à tela, às vezes sem nem ter uma finalidade concreta em mente, ocorre por conta da liberação de neurotransmissores relacionados ao prazer, como dopamina, endorfina e serotonina. "Acontece o mesmo quando estamos fazendo exercício físico, por exemplo. Podemos não saber que isso está sendo liberado, mas sentimos que dá prazer, por isso queremos voltar a usar", diz Anna Lucia Spear King, psicóloga, doutora em saúde mental pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e coordenadora do Laboratório Delete-Detox Digital e Uso Consciente das Tecnologias do Instituto de Psiquiatria da mesma instituição.

Especialistas afirmam que ainda que não tenha um lugar no DSM-5, esse possível vício no celular deve ser encarado como algo prejudicial quando começa a afetar a vida da pessoa. Segundo Igor Lemos, psicólogo e doutor em neuropsiquiatria e ciências do comportamento pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), o uso deixa de ser regular quando há uma inabilidade do usuário em interrompê-lo. "Pode ser jogo eletrônico, celular ou internet. É uma linha tênue, porque utilizamos tudo relacionado à internet no celular", pontua o especialista, lembrando que o transtorno do jogo é o único com diagnóstico psiquiátrico atualmente.

Mulher no celular - gor Alecsander/ iStock - gor Alecsander/ iStock
Nomofobia não é oficialmente um transtorno mental, mas já tratada como tal
Imagem: gor Alecsander/ iStock

Como saber que há algo de errado no uso do celular?

Ainda que você já tenha escutado que não consegue desgrudar do celular, é importante compreender que o quadro não necessariamente se restringe ao tempo gasto na frente das telas. "A quantidade de horas não significa que a pessoa é viciada, mas que não houve educação [digital] nesse sentido. A nomofobia pressupõe que tenha por trás um transtorno mental", diferencia King.

Lemos diz que há diferentes pontos de vista sobre a questão, porém existe a recomendação da Associação de Pediatria Norte-Americana, que estipula uma quantidade de horas de uso recreativo para determinados intervalos de idade. De zero a dois anos, por exemplo, é sugerido que o contato com tela seja zero. Entre os três e os 10 anos, o tempo pode variar entre uma hora e uma hora e meia. Já dos 11 aos 18 anos, indica-se de duas a três horas por dia.

"Com a pandemia, o cenário mudou radicalmente, as pessoas estão passando muito mais tempo. O uso de telas precisa ser respeitado no que for possível e alcançável, mas ao mesmo tempo, tolerando e respeitando as mudanças desse cenário que a gente vive", diz Lemos.

Além do tempo, saiba alguns indícios para ficar atento:

  • Alterações de humor quando o uso é interrompido;
  • Irritabilidade, tristeza, angústia e melancolia;
  • Brigas com parceiros ou familiares sobre o tempo de utilização;
  • Sofrimento ao não poder acessar ou não ter o celular por perto;
  • Incapacidade de excluir notificações;
  • Vontade de consultar o aparelho durante outra atividade, como a refeição;
  • Dificuldade de concentração ao ignorar notificações;
  • Tendência a aproveitar o tempo livre com telas e deixar hobbies antigos de lado;
  • Fomo (Fear of Missing Out), ou o medo de estar perdendo algo na internet.

Quais são os malefícios da nomofobia?

Os prejuízos desse possível vício no celular se manifestam em diferentes âmbitos. É comum ter dificuldade para lidar com horários e compromissos, para dormir e se relacionar. Além disso, pode haver queda no desempenho escolar ou profissional, que ficam evidentes com reprovações de ano e recuperações, ou até mesmo aumento de tarefas não entregues.

Há ainda chances maiores de desenvolver certos transtornos mentais, como depressão e transtorno de ansiedade. "Em um quadro de transtorno do pânico, quando a pessoa tem medo de sair de casa e a sensação presente é de que algo ruim acontecerá, ela se sente mais segura com o celular ao lado, criando uma dependência. Entende que se passar mal, poderá entrar em contato com alguém. Se algo acontece com o celular, nesse momento a angústia aparece", exemplifica King.

Em relação aos problemas que podem surgir a longo prazo, ainda não se sabe a dimensão para o futuro, já que as tecnologias, principalmente o smartphone, ainda são recentes. "As consequências não são imediatas, mas as pessoas começaram a apresentar alguns quadros emocionais", afirma.

Quando é o momento de procurar ajuda?

Da mesma maneira que ocorre com outras dependências, ao notar alguns desses sinais, seja em você mesmo ou no outro, é importante buscar ajuda de especialistas, como de psicólogos e/ou psiquiatras. Apenas esses profissionais poderão avaliar se há necessidade do uso de medicação ou não. Em relação às crianças e aos adolescentes, os pais devem também observar se há alterações de peso ou perda de higiene devido ao uso em excesso.

Um ponto importante destacado como crucial para o tratamento é a necessidade de uma educação tecnológica, mesmo para quem não é dependente, como uma forma de prevenção. "As pessoas precisam aprender a usar de um modo consciente e ter limite de uso, usar com disciplina", defende a coordenadora do Instituto Delete-Detox, onde os casos recebem orientação profissional e educação sobre práticas do uso saudável de tecnologias.

Nesse cenário digital, as redes sociais são ferramentas que também captam nossa atenção, por isso também demandam um limite segundo os especialistas. "Nosso cérebro tem uma capacidade limitada para o número de pessoas a se relacionar com profundidade. Os algoritmos são criados para que as pessoas precisem gastar cada vez mais tempo [nas redes]", reflete Feitosa-Santana.

Para a autora do livro "Eu controlo como me sinto", é preciso dominar nossas atividades no celular: "Quanto mais o uso é problemático, maior a necessidade de mudar as regras. Precisamos ser seres digitais conscientes". Confira algumas dicas para o uso consciente:

  • Mantenha o aparelho desligado ou em outro ambiente quando for estudar ou trabalhar;
  • Desative notificações;
  • Estipule um tempo para as redes sociais;
  • Não utilize-o durante as refeições;
  • Não utilize o celular pelo menos meia hora antes de dormir;
  • Lembre-se de que as pessoas postam apenas o lado bom de suas vidas na internet --nem tudo é real.