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Saúde

Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Ela não chorou ao nascer e passou por resfriamento corpóreo, mas cresce bem

Bárbara Therrie

Colaboração para VivaBem

28/11/2021 04h00

Após uma gestação tranquila e sem nenhuma intercorrência, a coordenadora de produção Kátia Pacheco da Silva Panato, 41, de São Paulo, deu à luz Giulia, que nasceu sem chorar e com dificuldades para respirar. Ao ser submetida a alguns exames, foi constatado que a pequena ficou sem oxigênio próximo ao parto. Ao passar por um tratamento que envolveu o resfriamento do corpo, Giulia não teve sequelas e hoje, com quase quatro anos, está se desenvolvendo muito bem.

"Em 2015, eu e meu marido, o Regis, começamos a tentar engravidar. Conseguimos, mas tive uma gravidez ectópica e retirei a trompa esquerda. Dois anos depois engravidei da Giulia. Desde o começo decidi que gostaria de tentar o parto normal, por tudo o que estudei a respeito, acreditei que era a melhor forma de nascimento para a minha filha. Procurei cinco obstetras até encontrar uma que era a favor do parto natural humanizado e ela me acompanhou durante todo o pré-natal.

Kátia Pacheco da Silva Panato, mãe de Giulia, teve problemas de falta de oxigênio no parto - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Minha gestação foi tranquila, me senti disposta até o final. Nas últimas semanas fazia caminhadas no parque do Ibirapuera por recomendação da obstetra, para ajudar na dilatação. Com 40 semanas e 2 dias de gestação, como não tinha nenhum sinal de trabalho de parto, fui internada no dia 15 de dezembro, uma sexta-feira, para iniciar o protocolo de indução do parto, que durou 34 horas.

Mesmo fazendo todos os esforços, não tinha dilatação e falei para a minha obstetra no sábado à noite: 'Se não deu certo até aqui, vamos para a cesárea, está tudo bem, acho que é Deus falando que não é para ser parto normal, e por mim ok, o importante é que ela esteja bem'.

A médica me pediu para tentarmos um pouco mais, ela estourou minha bolsa, e com a ocitocina, entrei em trabalho de parto, mas mesmo com as contrações e muitas dores, não tinha dilatação suficiente.

No domingo, 17 de dezembro, fiz a cesárea às 6h40. A Giulia nasceu sem chorar, e eu só perguntava por que ela não estava chorando. A anestesista me pedia calma e dizia que ia ficar tudo bem; meu marido me pedia para rezar.

Chorávamos e rezávamos muito, eu não entendia o que estava acontecendo. Sem eu saber, Giulia foi submetida a uma manobra de reanimação para ajudá-la a respirar. E a primeira vez que vi o rostinho da minha filha não durou nem 1 minuto, foi dentro de uma incubadora, sendo levada à UTI neonatal do Hospital Santa Joana, em São Paulo.

Ao chegar no quarto, recebi uma ligação falando que o médico ia passar para conversar comigo e com meu marido. Pensei: 'Algo de muito grave está acontecendo ou ele vai dizer que minha filha morreu', mas não foi nada disso. O médico nos explicou que, após fazer uma bateria de exames, foi constatado que a Giulia teve uma asfixia perinatal moderada, isto é, faltou oxigênio em algum momento próximo ao parto, não se sabe o momento exato, pode ter sido um pouco antes, durante ou logo depois.

Ele também disse que todo bebê recebe uma nota (Apgar) de 0 a 10 quando nasce. Giulia nasceu com Apgar 2, no primeiro minuto de vida; e recebeu 7, no quinto minuto.

Kátia Pacheco da Silva Panato, mãe de Giulia, teve problemas de falta de oxigênio no parto - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Segundo o médico, bebês com asfixia perinatal de moderada a grave têm mais chance de evoluir com paralisia cerebral. A condição pode causar lesões em todos os órgãos e, principalmente, no cérebro, o que poderia acarretar sequelas como surdez, cegueira e atraso mental. Minha filha poderia não andar nem falar.

Enquanto estava conversando conosco, o médico contou que a Giulia estava sendo submetida a um tratamento chamado hipotermia terapêutica, que consistia em resfriar a temperatura dela para 33,5ºC por 72 horas com o objetivo de diminuir a inflamação que a falta de oxigênio causa no cérebro.

Ele deu um exemplo prático de quando alguém machuca o joelho jogando futebol, o mais indicado é usar gelo para resfriar a região e evitar a inflamação do local. Esse era o mesmo princípio usado no tratamento de hipotermia: evitar a inflamação cerebral.

Paralelo a isso, minha filha também estava sendo monitorada por meio de um eletroencefalograma de amplitude integrada, que registrava toda a atividade cerebral dela em tempo integral, 24 horas por dia, durante as 72 horas. Esse segundo procedimento era necessário porque, segundo o médico, nos recém-nascidos as crises convulsivas são assintomáticas e imperceptíveis. A ideia era monitorar para que, se acontecesse, entrasse com medicação e evitasse sequelas neurológicas no futuro.

Kátia Pacheco da Silva Panato, mãe de Giulia, teve problemas de falta de oxigênio no parto - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Além disso, o médico também falou que o tratamento era baseado em três pilares, o primeiro era o tratamento em si; o segundo era a resposta da Giulia; e o terceiro, o nosso apoio. Foi uma conversa longa, dura, sentimos muito medo, muita angústia, mas também esperança e nos apegamos a nossa fé em Deus.

Horas depois fui conhecer minha filha pessoalmente na incubadora enquanto ela realizava a hipotermia. Foi muito triste, doloroso e de cortar o coração vê-la sem roupinha, só de fralda, com as mãozinhas tremendo, cheia de aparelhos.

Eu e meu marido chegávamos a ficar 16 horas por dia durante todo o tratamento ao lado dela. Segurava a mãozinha dela, cantava, falava de Deus, dizia que aquilo era passageiro, que iríamos vencer. Eu e meu marido fazíamos questão de estar o máximo de tempo possível perto dela para que ela sentisse nossa presença e principalmente a nossa fé em Deus.

Após a hipotermia, a Giulia passou pelo reaquecimento de 0,2 graus a cada hora até atingir a temperatura normal: 36,5ºC.

Só depois desses procedimentos, quatro dias após o nascimento, é que pude pegar minha filha no colo. Não tenho palavras para descrever a emoção que foi abraçá-la, senti-la e amamentá-la.

Concluído o tratamento, Giulia fez novos exames, todos vieram ótimos, não havia nenhuma alteração. Segundo o médico, isso era um indicativo de que ela não teria nenhuma sequela, mas só poderíamos ter certeza ao longo do desenvolvimento dela. Durante um ano, ela fez acompanhamento com neurologista e fisioterapeuta. A cada avaliação e exames clínicos, os resultados estavam dentro do normal, era como se ela não tivesse tido a asfixia perinatal.

Kátia Pacheco da Silva Panato, mãe de Giulia, teve problemas de falta de oxigênio no parto - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Esse ano minha filha completa quatro anos e vem se desenvolvendo perfeitamente bem, sem nenhuma sequela. Somos muitos gratos a Deus, a toda equipe que cuidou dela, em especial ao médico que nos acolheu, esclarecia a todas as nossas dúvidas e esteve presente em todos os momentos, e ao acesso que tivemos ao tratamento, não sei como teria sido o desfecho sem ele.

Por algum tempo fiquei tentando entender o que havia causado tudo isso, se havia sido a minha escolha pelo parto normal. Hoje entendo que, independentemente do tipo de parto, nós precisávamos passar por isso. Não temos resposta para tudo, mas sei que Deus nos ensinou muito por meio dessa experiência e esteve o tempo todo conosco."

Entenda a asfixia perinatal

É uma doença grave que acontece devido à falta de oxigenação para o bebê em momentos próximos ao parto —um pouco antes, durante ou imediatamente depois. É uma das principais causas de sequelas neurológicas em bebês. Estima-se que no Brasil nasçam ao menos dois bebês por hora com essa doença. No mundo, dados apontam que 1,15 milhão de bebês apresentam asfixia com repercussões neurológicas ao nascimento.

A falta de oxigenação da mãe para o bebê pode ocorrer devido a problemas na placenta, no cordão umbilical (nó verdadeiro, prolapso), sangramento materno, dificuldades durante o trabalho parto ou dificuldade respiratória do bebê ao nascer.

Após a asfixia, existe alto risco de morte e o bebê pode ter lesões em todo o corpo, sendo mais prevalentes os problemas neurológicos. Lesões cerebrais permanentes como paralisia cerebral, cegueira, surdez, deficiência cognitiva e epilepsia são muito comuns.

O tratamento aumenta significativamente a chance de sobrevida normal. Entre as metodologias, as principais são a hipotermia terapêutica e o monitoramento cerebral contínuo. O primeiro consiste no resfriamento corpóreo do bebê, iniciado até as primeiras seis horas após o nascimento e permanecendo por 72 horas, seguido de reaquecimento lento e gradual.

Para o resfriamento do bebê, o ideal é utilizar uma espécie de colchão de água que controla automaticamente a temperatura do paciente. De forma simples, a hipotermia diminui a inflamação e os danos secundários da falta de oxigenação inicial.

Alguns estudos que compararam bebês que receberam o tratamento com hipotermia versus bebês que não receberam demonstram que no grupo que fez hipotermia houve redução de 25% na mortalidade e 38% no número de pacientes com paralisia cerebral.

Estudos apontam que muitos centros, no SUS e na rede privada, tentam realizar o tratamento de alguma forma, mas os dados estimam que menos do que 5% dos hospitais fazem esse tratamento de forma adequada. Como a hipotermia terapêutica deve ser iniciada em até 6 horas de vida, para ter acesso é necessário que o bebê nasça em um centro capacitado ou que seja imediatamente transferido de ambulância, o que muitas vezes representa um enorme desafio.

Outro tratamento indicado é o monitoramento cerebral contínuo. A asfixia é a principal causa de crises convulsivas em bebês —cerca de 40% apresentam crises convulsivas na UTI. No entanto, a grande maioria ocorre sem nenhuma manifestação, ou seja, o bebê pode convulsionar sem mexer um dedo ou piscar os olhos. Essas crises podem durar por horas e, quando diagnosticadas, requerem tratamento. Através do monitoramento cerebral eletroencefalográfico contínuo é possível detectar e tratar as crises convulsivas tão comuns nessa doença.

É possível prevenir e reduzir o número de casos de asfixia através de cuidado obstétrico adequado durante o pré-natal e o parto. É muito importante que o obstetra monitorize a vitalidade do bebê durante o trabalho de parto e, caso haja sinais de sofrimento fetal, ele deve tomar condutas específicas.

Além disso, é fundamental a presença de um profissional especializado na sala de parto para receber o recém-nascido que, nesses casos, pode nascer com baixa vitalidade ou dificuldade de respirar.

Fonte: Gabriel Variane, médico pediatra e neonatologista, diretor médico da UTI Neonatal Neurológica da Santa Casa de São Paulo e fundador do Instituto Protegendo Cérebros, Salvando Futuros. É ainda membro cofundador e diretor da Newborn Brain Society, que representa hoje a maior sociedade internacional de cuidados para prevenção de lesões neurológicas em bebês.