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É normal a criança recusar alguns alimentos? Isso pode prejudicar a saúde?

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Imagem: iStock

Luiza Ferraz

Colaboração para VivaBem

19/10/2021 04h00

Quem é pai ou mãe sabe da dificuldade de alimentar os filhos a partir de certa idade. Por volta dos dois anos, os pequenos costumam ficar mais exigentes em relação à comida —se recusam a provar novos pratos e já não demonstram o mesmo interesse e apetite de antes.

Esse comportamento pode gerar muita angústia nos pais, especialmente naqueles de primeira viagem, mas é preciso ter calma: essa é uma fase esperada do desenvolvimento infantil. "O bebê pequeno aceita tudo o que os pais sugerem, mas à medida que ele vai crescendo e desenvolvendo autonomia, ele passa a se entender como pessoa e começa a 'escolher' se gosta ou não de alguma coisa", explica a pediatra Melyssa Bentivi, coordenadora no Hospital São Domingos, no Maranhão.

Há ainda outros fatores que interferem na alimentação infantil nesse período. Bentivi lembra, por exemplo, que a partir do segundo ano de vida, o bebê cresce com uma velocidade menor em comparação aos meses anteriores —o que reduz o consumo de calorias pelo corpo e, portanto, pode diminuir o apetite.

E há, claro, o fator comportamental. Quando a criança passa a desenvolver outros interesses e a explorar o ambiente ao redor, descobrindo o mundo à sua volta, é normal que a vontade de se alimentar acabe ficando em segundo plano.

Devo forçar o meu filho a comer?

"Pode limpar o prato". A frase, comum em muitas famílias, é usada diante da resistência das crianças em comer todo o alimento ali disponível. Mas obrigar a criança a comer "tudo" o que foi servido não é recomendado, já que pode gerar um trauma e até distúrbios alimentares no futuro.

Por isso, a hora da refeição deve ser associada a um momento agradável e nunca a algum sofrimento ou constrangimento. É importante que a criança enxergue esse momento como uma coisa afetiva, de convivência familiar, e não de tortura.

"É um período em que as crianças estão desenvolvendo o paladar e aprendendo a lidar com a sensação de saciedade", explica Bentivi. "Por isso, é essencial que se tenha a liberdade para falar 'estou cheia' ou 'não quero mais'", afirma. A falta disso, alerta a especialista, pode transformá-las em adultos que não sabem a hora de parar de comer e acabam exagerando no consumo.

Se a hora da refeição se transformou em um ringue de luta, o ideal é tentar contornar a situação oferecendo opções saudáveis e permitindo que a criança possa escolher o que prefere. Vale reforçar que isso é também uma forma de reforçar bons hábitos alimentares —por isso, vale manter um estoque de opções saudáveis e nutritivas, como frutas e sucos naturais.

"É na infância que formamos o nosso hábito alimentar. Adquirir um hábito incorreto se reflete diretamente no crescimento e desenvolvimento esperado", diz Patrícia Modesto, nutricionista da rede de hospitais São Camilo.

Como incentivar o meu filho a comer melhor?

Fazer com que os filhos se alimentem bem pode ser um tanto cansativo, por isso muitos pais acabam optando por certos malabarismos, como usar tablets ou ligar a televisão para estimular os pequenos a comerem. Mas esse é justamente o tipo de coisa que deve ser evitado.

"As crianças precisam experimentar e sentir os sabores, olhar o que está sendo ingerido. Aviõezinhos, brinquedos e tecnologias acabam mudando o foco daquilo que eles realmente devem fazer", diz Modesto.

A especialista ainda ressalta a importância de ter uma regularidade e respeitar horários, pois quanto mais acostumados estiverem com a rotina, melhor os pequenos irão comer. Também é recomendado se alimentar seis vezes ao dia, dentre lanches e refeições principais (café da manhã, almoço e jantar).

E quando a criança não aceita algum tipo de comida? De acordo com o pediatra Nelson Ejzenbaum, de São Paulo, o ideal é não desistir e tentar oferecer novamente, de preferência em preparações diferentes. "É preciso provar de 10 a 12 vezes o mesmo alimento para saber se realmente não gostou", afirma.

Quando devo me preocupar?

Mesmo sendo considerado um comportamento normal em certa fase do desenvolvimento, a recusa em ingerir grupos alimentares inteiros (como carnes ou vegetais) pode ser um indício de problemas maiores, como o TARE (Transtorno Alimentar Restritivo Evitativo) e fobias alimentares.

O primeiro sinal de alerta é quando a hora da refeição vira um desgaste emocional para o pequeno e para a família, causando até uma exclusão social —não ser convidado ou não querer ir às festinhas de aniversário pela dificuldade para comer o que for servido, por exemplo.

A linha é tênue, mas ela existe. Uma coisa é não gostar de frango, mas comer carne vermelha; ou não suportar couve, mas aceitar espinafre, por exemplo. Mas, quando a criança passa a recusar todas as opções diferentes e pede para repetir sempre o mesmo prato, isso já merece uma atenção maior dos pais.

"As crianças têm em geral receio de comidas novas, o que é esperado para idade, e acabam preferindo comidas que já conhecem. Mas a fobia para para um lado mais extremo, quando experimentar algo novo se torna uma ameaça, uma violência para ela", explica Bentivi.

Essa seletividade alimentar pode ser comportamental ou estar relacionada à alguns transtornos, como o TEA (transtorno do espectro autista) e o TPS (transtorno do processamento sensorial), quando o indivíduo apresenta dificuldades em lidar com texturas, cores, cheiros, sabores e outros estímulos sensoriais

Diagnóstico e tratamento

Antes de mais nada, saiba que, para receber qualquer diagnóstico, é preciso de uma avaliação especializada. Nesse sentido, pediatras, nutrólogos e até psiquiatras infantis (no caso de distúrbios alimentares) podem ajudar na investigação do que pode estar acontecendo quando a criança não se alimenta corretamente.

Para cada caso, existe um tipo de tratamento, mas é importante contar com uma equipe multidisciplinar, incluindo também nutricionistas, psicólogos e fonoaudiólogos —muitas vezes, a criança pode estar com problemas na mastigação, o que a impede de comer bem, por exemplo.

Uma possível intervenção medicamentosa, com suplementação e estimulantes de apetites, acaba vindo somente depois de uma análise profunda, que requer tempo e paciência.

"A primeira coisa que você tem que fazer é medir, pesar, entender se ela está no gráfico, ver onde ela se situa e corrigir a alimentação. Tudo isso precisa ser feito antes da suplementação", explica Ejzenbaum.

E, nesse combo, até os pais podem ter que entrar para a terapia, já que não existe solução mágica e o tratamento requer paciência e persistência. "Não é algo automático", afirma Bentivi.