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Desafina e não tem qualquer habilidade musical? Você pode ser amúsico

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Alexandre Raith

Colaboração para VivaBem

16/06/2021 04h00

Acredite. Há quem seja incapaz de reconhecer se a canção que está ouvindo é um jazz ou um samba. Além disso, desafina e lhe falta habilidade para tocar um instrumento.

Tal distúrbio chama-se amusia e é caracterizado pela surdez musical, cuja causa pode ser congênita ou adquirida, geralmente como consequência de traumatismo cranioencefálico ou derrame cerebral.

O amúsico não reconhece as diferentes frequências e, por isso, toda canção parece uma mistura de ruídos. "A amusia é descrita como um distúrbio do processamento auditivo que afeta o reconhecimento, processamento, evocação e expressão de conteúdo emocional e memória, além de habilidades de leitura de notação, reconhecimento de músicas e a execução motora em instrumentos musicais", afirma Erica de Araujo Brandão Couto, professora do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

Couto explica que a amusia congênita é uma doença estimada em 4% da população mundial e definida como uma deficiência não atribuída a déficit cognitivo, surdez ou falta de exposição à música, e sim a bases neuronais e genéticas.

Neste caso, há uma normalidade na compreensão da fala e o indivíduo identifica os tipos de sons ambientais familiares. No entanto, tem dificuldade em reconhecer uma melodia sem o auxílio da letra e incapacidade de detectar quando alguém ou ele mesmo canta desafinado.

Em contrapartida, a amusia adquirida decorre de danos neurológicos, como traumatismo cranioencefálico e acidente vascular cerebral, ou de lesões no córtex auditivo, que causam alterações tanto nas habilidades musicais quanto na produção e compreensão da linguagem oral e escrita.

O indivíduo consegue ouvir a música, mas não reproduzir o som, já que o cérebro interpreta de forma inadequada as ondas sonoras.

A professora da UFMG acrescenta que também existe uma classificação para amusia de acordo com os sintomas:

  • Expressiva ou clínica: incapacidade de cantarolar melodias familiares e/ou tocar algum instrumento musical, apesar de ter audiometria, capacidade intelectual e memória normais ou acima da média;
  • Receptiva: conhecida também como surdez musical, é caracterizada pela incapacidade de reconhecer determinado tom de uma música ou perceber de forma inadequada as notas musicais de uma melodia conhecida;
  • Mista: os comprometimentos são a combinação dos sintomas do tipo receptiva e expressiva.

Distúrbios neurológicos

Homem canta e leva chuva de tomates, desafinado, cantor - iStock - iStock
Muito além de ser desafinado e levar "tomates da plateia": amusia é questão mais séria
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A amusia adquirida também costuma ser diagnosticada em portadores de esclerose múltipla, uma vez que a lesão atrapalha o processamento das informações que chegam até o cérebro. Essa perda desencadeia diversos distúrbios neurológicos.

"A esclerose múltipla é uma doença desmielinizante do sistema nervoso que afeta a substância branca do cérebro ao longo da região periventricular, no corpo caloso, no tronco encefálico, cerebelo e medula espinhal. Tais lesões podem ocasionar distúrbios de conectividade cerebral, levando à amusia", esclarece Joelton Fernandes Fonseca, neurocirurgião da Pró-Saúde, com atuação no Hospital Regional Público da Transamazônica, em Altamira (PA).

Isso acontece, segundo Fonseca, porque a forma adquirida deriva de lesões em diversas regiões do cérebro que são responsáveis, por exemplo, pelo gerenciamento da memória, compreensão do discurso e recepção e processamento de sensações.

As lesões que acometem as áreas cerebrais impedem que o tratamento seja eficaz. Não há cura para amusia.

No entanto, são realizadas técnicas de diferenciação de sons, além de musicoterapia, habitualmente empregada na reabilitação de doenças neurológicas. Até o momento, os recursos terapêuticos não apresentaram resultados satisfatórios.

Habilidade cognitiva

O diagnóstico deste distúrbio auditivo engloba testes neuropsicológicos (Bateria Montreal de Avaliação da Comunicação) que monitoram as funções musicais e as organizações melódica (contorno, escalas e intervalos) e temporal (ritmo e métrica), além de ressonância magnética do encéfalo e exames que identificam se a pessoa possui alguma incapacidade de fazer cálculos ou dificuldade de realizar ações motoras.

A avaliação também averigua a memória de trabalho, que é um sistema cerebral responsável pela manipulação e armazenamento de informações necessárias para a execução de tarefas cognitivas complexas, tais como a compreensão da linguagem, a aprendizagem e o raciocínio.

Esta bateria de exames é realizada porque, de acordo com a fonoaudióloga da UFMG, a música ajuda a focar na atenção, distrair os estímulos negativos como dor, ansiedade e tristeza, além de favorecer funções neuropsicológicas e ter efeito nos sistemas nervoso vegetativo, endócrino e imunitário.

Diogo Haddad, neurologista e coordenador do Núcleo da Memória do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, também acredita que a música representa mais do que uma atividade artística e social.

"Vem sendo demonstrada como uma habilidade cognitiva complexa e que pode ser usada, inclusive, como forma de aumento de percepções e tratamentos de patologias. Lesões do sistema nervoso, adquiridas ou congênitas, são uma das formas de compreendermos melhor essa relação ainda não completamente elucidada entre a relação do cérebro com a música", afirma Haddad.

O neurologista acrescenta que a interligação da cognição, comportamento e linguagem por meio da música é uma das características mais marcantes da espécie humana, e que distúrbios auditivos centrais podem levar a limitações ou alterações do reconhecimento de sons complexos no cérebro.