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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Faz mal pais quererem influenciar filhos na escolha da profissão?

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Imagem: iStock

Marcelo Testoni

Colaboração para VivaBem

14/06/2021 04h00

Resumo da notícia

  • Pais têm grande influência na carreira dos filhos, mas não devem impor vontades
  • O mercado de trabalho e os valores da sociedade não são mais os de antigamente
  • A sugestão de especialistas é apoiar e ajudar os jovens no processo de decisão

Quem já foi a um restaurante tradicional deve ter notado alguma inscrição, retrato ou algo do tipo que enfatize o histórico familiar do lugar. Mas há outros empreendimentos que fazem o mesmo, como padarias, escritórios de advocacia e até consultórios médicos. Às vezes, os precursores desejam tanto que seus descendentes continuem com seus legados que, além de passá-los adiante por imposição, atribuem aos "negócios" o próprio nome, para "marcá-los".

Segundo o LinkedIn, no que compete à escolha da carreira, os pais estão entre as principais influências. Um estudo encabeçado pela rede social de negócios em 2019 mostrou que 26% dos participantes confirmaram ter se decidido com base em recomendações ou projeções da família. Ações que, como explica Deborah Moss, neuropsicóloga e mestre em psicologia do desenvolvimento pela USP (Universidade de São Paulo), têm um peso enorme e nem sempre são benéficas.

"Os jovens precisam passar pelo risco de optar por caminhos e assumir consequências, para perceber se suas escolhas foram certeiras ou não e extrair aprendizados, esse processo é importante para seu desenvolvimento", afirma. Já os pais, de acordo com ela, devem tomar cuidado com as pressões, para que não tolham demais ou causem sofrimento. "Os filhos podem se sentir perdidos, incapazes e até se prejudicarem, principalmente em época de prestar vestibular", diz.

Por que os pais agem assim?

Há uma série de motivos para que os pais queiram tomar a frente do que os filhos devem fazer. Entre eles, preocupação excessiva, apego a status ou sucesso profissional, experiência em situações financeiras ruins, preconceito, conhecimento da realidade econômica da região em que se vive. Mas também há os que projetam demais seus sonhos pessoais, em geral por terem sido impedidos de realizá-los ou fracassado em suas áreas de atuação.

"Freud já dizia que os filhos são um prolongamento narcísico dos pais, ou seja, na mente deles existe a possibilidade e a fantasia desse filho realizar e conseguir o que não foram capazes", informa Gabriela Malzyner, psicóloga, psicanalista e professora do curso de formação em psicanálise do CEP (Centro de Estudos Psicanalíticos), em São Paulo (SP). De acordo com ela, a idealização se estende para vários outros aspectos e de alguma forma é necessária para que o filho se constitua, mas os pais precisam diferenciar expectativas de posturas ditatoriais.

Influenciar é bem diferente de impor. Humanos são seres que se identificam grupalmente e por esse princípio os pais podem —e devem — orientar positivamente seus filhos, até porque eles serão influenciados por diversas pessoas, sejam professores, amigos, namorados, ídolos. No entanto, deve-se observar para que não haja uma imposição, pois ela anula o sujeito, que na infância também não deve ser impedido de exercitar alguma aptidão (desenhar, cantar) e brincar de ser o que gostaria, como bombeiro, bailarina, professora, policial.

Pais precisam entender que mundo está em transformação

Impedir o filho de trilhar uma profissão que ele considera ser promissora também pode demonstrar falta de conhecimento dos pais. O mercado de trabalho não é o mesmo de 10, 20, 30 atrás, por isso é importante que eles estejam dispostos a aprender com as novas gerações e reconheçam que não é porque foram bons em um determinado campo que seus filhos serão também. O risco de falharem é bem maior se forçados a assumir uma vocação que não é a sua.

Esse raciocínio também deve ser estendido ao "ganhar dinheiro", algo que mais facilmente os pais da segunda metade do século 20 em diante estabelecem como prioridade máxima. Mas hoje sabe-se que o sucesso e tudo o que ele representa não depende unicamente da escolha da profissão, antes está muito mais relacionado à satisfação pessoal. O retorno virá a partir de um bom trabalho e nem todos também se preocupam ou tem por meta o enriquecimento.

"Os pais precisam ter consciência de que a geração atual tem outra forma de pensar e pode desempenhar algo que ainda nem exista", lembra Moss, complementando que são poucos os setores —geralmente os tradicionais e consolidados no mercado — que resistem como "linhagens", o que também não significa algo ruim. Ter o pai, a mãe ou família inteira ligada à profissão de interesse pode ajudar bastante. É possível saber de antemão prós, contras e mudanças, estabelecer mais facilmente contatos e até modernizar um negócio herdado.

O que os filhos precisam?

Apoio, compreensão e acolhimento é o que todo jovem espera e necessita ter de sua família, principalmente os mais indecisos ou inseguros. Os pais podem até não concordar com a escolha que o filho pretende fazer, mas não têm o direito de recriminar, fazer chantagens emocionais, desmerecer a profissão ou o potencial dele e impedi-lo com autoritarismo.

"Filho que não pode contar com os pais está sujeito a entrar em um conflito psíquico que pode levá-lo a desenvolver quadros de estresse, ansiedade, depressão e outros transtornos derivados", alerta Joeuder Lima, doutorando em psicologia pelo IESLA (Instituto de Educação Superior Latino-Americano) e psicólogo da Clínica Saúde Vida Plena, em Palmas (TO).

Porém, para receber suporte, cabe ao jovem também demonstrar que não está tomando a decisão por impulso, mas com consciência, ainda mais se depender dos pais para arcar com seus estudos. Além disso, ele também não deve contar apenas com a opinião dos amigos para se planejar para o futuro. Para se preparar, deve conversar com professores, pesquisar grades curriculares, fazer testes vocacionais e buscar orientação com gestores e analistas de carreiras.

Neste processo, os pais podem se colocar enquanto profissionais realizados e dedicados, apresentar o que fazem como uma curiosidade e mostrar o caminho para se ingressar na sua especialidade, mas sem prometer garantias, porque é preciso que o jovem se convença pelo que goste de fazer e se identifique. "Os modelos mais importantes a serem mostrados são os de superação e crescimento profissional", ressalta Moss.