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Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Ela sofreu 30 anos com dores de cabeça antes de descobrir doença no cérebro

Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Bárbara Therrie

Colaboração para VivaBem

23/05/2021 04h00

Monique Neves, 46, sofreu anos com fortes dores de cabeça. Com diagnóstico errado e sem saber o que tinha, ela descobriu, aos 35 anos, ter nascido com uma doença congênita no cérebro chamada MAV (Malformação Arteriovenosa) ao fazer uma tomografia. Em meio ao processo, fez uma cirurgia para tratar um aneurisma e ficou cega após um erro médico.

"Aos sete anos, comecei a sentir dores de cabeça, minha mãe me levou ao médico, foi constatado que eu tinha estrabismo e baixa visão no olho esquerdo e, que por forçar muito a visão, ficava com dor de cabeça. O oftalmo indicou óculos de grau para corrigir o problema, mas mesmo assim as dores permaneceram.

Aos 15, fui a um neurologista que me diagnosticou com enxaqueca apenas com base no meu histórico clínico, sem nenhum exame. Ele me passou uma medicação específica, mas não melhorei. Sentia dor de cabeça todos os dias, era uma dor latejante, chegava a chorar e já tinha feito de tudo para amenizá-la: colocado batata com fralda na cabeça, usado óculos de sol, ficado no escuro...

Essas dores de cabeça impactaram a minha vida. Na escola, tive uma defasagem de aprendizado, demorei para ser alfabetizada, não conseguia prestar atenção nas aulas, tirava notas baixas, tudo motivado pelas dores, mas os professores diziam que eu tinha déficit de atenção.

As pessoas viviam me questionando, ficava triste e me isolava. Levei para mim que tinha nascido com aquela dor, que era normal e que não tinha o que fazer.

Monique Neves, 46, sofreu anos com fortes dores de cabeça, e descobriu MAV - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Toquei a minha vida e me acostumei com a dor, me formei no curso técnico de segurança do trabalho, casei e tive duas meninas. Aos 35 anos, fiquei grávida do terceiro filho, tive uma paralisação parcial da coxa direita, o médico disse que era o peso da barriga, mas depois que meu filho nasceu, a paralisação persistiu. Fiz uma ressonância e foi apontado que a suposta causa era uma hérnia de disco.

Teve um dia que estava com meu bebê quando tive a pior dor de cabeça da vida. O médico pediu alguns exames, entre eles uma tomografia que nunca tinha feito e que revelou o diagnóstico: MAV.

Segundo o médico, eles chamavam a MAV de uma bomba que poderia explodir a qualquer momento. Ele me pediu para passar com um neurocirurgião o mais rápido possível. Recebi essa notícia em 24 de outubro de 2010, chorei dias sem parar com medo de morrer e deixar meus filhos.

Passei na consulta com o neurocirurgião, ele meu deu mais detalhes do meu tipo de MAV, ela é parietal do lado esquerdo e afeta a fala e os movimentos dos membros superiores e inferiores do lado direito. Segundo ele, a região do cérebro atingida causava dores de cabeça e também foi responsável pela paralisação parcial da coxa.

O médico explicou que o cérebro de uma pessoa com MAV é como se fosse um novelo de lã com veias e artérias todas emboladas dificultando o fluxo sanguíneo. Ele me indicou fazer a cirurgia para retirar a MAV. Saí do consultório pior do que entrei, ou fazia a cirurgia e corria risco de vida ou vivia com o risco de sofrer um AVC hemorrágico.

Fiz um outro exame e descobri um aneurisma do lado direito do cérebro, que precisaria ser clipado para só depois fazer a cirurgia da MAV.

Fui para o hospital fazer essa primeira cirurgia, no dia 10 de dezembro de 2010, dirigindo meu carro, e saí de lá cega por um erro médico. O procedimento do aneurisma foi ok, mas acordei sem nenhuma visão do lado direito. O médico disse que em 90 dias eu recuperaria a visão do olho direito, mas sentia que não.

Procurei um neuro-oftalmologista, ele me pediu um exame e constatou que o médico que me operou cortou o nervo óptico e que eu nunca mais voltaria a enxergar com o olho direito. Ele disse que foi um erro médico, mas que acontecia com frequência.

Me desesperei com essa notícia, mas depois me acalmei e me senti na obrigação de ficar bem, pois estava grata a Deus por estar viva.

Monique Neves, 46, sofreu anos com fortes dores de cabeça, e descobriu MAV - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Voltei no neurocirurgião e o confrontei, ele negou que tenha cortado o nervo, disse que não sabia o que tinha acontecido, mas quando mostrei o exame, ele concordou que eu não voltaria a enxergar.

Alguns meses depois deixei-o e fiquei sem acompanhamento. Nesse período de adaptação, tive que me reinventar e aprender a fazer as coisas sem a visão do olho direito, tinha apenas 15% de visão do olho esquerdo.

Nessa época, engravidei do quarto filho e tive a primeira convulsão. Com a ajuda da minha segunda filha, encontramos na internet a história de uma moça que tinha MAV e que ia operar com um neurocirurgião. Passei com esse médico, relatei que após a clipagem do aneurisma as dores de cabeça melhoraram, mas continuava com a MAV.

Esse médico me recomendou a não fazer a cirurgia da MAV, pois disse que o lugar em que ela está localizada poderia trazer mais riscos do que benefícios se fosse retirada. Ele disse para eu aprender a viver com a MAV e não para ela.

A cada seis meses faço exames para ver se há alteração. Criei um grupo no Facebook chamado MAV Cerebral 2, onde acolho e ajudo pessoas com a doença dando suporte e trocando informações. Também temos um grupo no WhatsApp e contas no Instagram e no YouTube. Qualquer pessoa com MAV ou familiar/amigo de alguém que tenha pode entrar em contato.

Acredito que Deus me deu essa doença e me deixou cega para me dar a missão de ajudar o próximo e para mostrar que a vida é mais do que trabalhar e ganhar dinheiro. Hoje tenho uma vida mais simples, sou aposentada por invalidez, dona de casa, mãe, convivo com a MAV e sou muito mais feliz".

O que é MAV?

A malformação arteriovenosa cerebral é um enovelado de vasos anormais disposta entre vasos arteriais, que levam sangue até ela, e vasos venosos, que drenam o sangue até a circulação normal. Uma característica importante é que não existe tecido cerebral normal dentro dela. Sua origem é congênita, ou seja, já se nasce com ela.

Quais os sintomas?

A MAV pode se apresentar como um achado na hora de fazer algum tipo de exame de rotina ou por meio dos sintomas de cefaleia, tontura, perda da visão, convulsões, déficit cognitivo (falta de atenção, problemas de memória, dificuldade nos estudos/trabalho), até déficit motores em alguma parte do corpo e alteração na sensibilidade.

Dependendo do tamanho, localização e características hemodinâmicas (pressão e fluxo da MAV), existe um risco relativo anual dela romper e gerar um sangramento dentro do cérebro. Enquanto tiver uma MAV sem tratar, sempre existirá o risco dela sangrar. Também existe um roubo de fluxo da própria MAV, o que leva a uma diminuição de sangue para o resto do cérebro normal.

Como é feito o diagnóstico?

O diagnóstico pode ser feito com tomografia, ressonância magnética e angiografia digital, sendo este último o mais importante por ser um exame dinâmico da circulação cerebral.

Quais os tratamentos?

Monique junto com a família: marido, quatro filhos e o genro - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Monique junto com a família: marido, quatro filhos e o genro
Imagem: Arquivo pessoal

Os tratamentos podem ser: radiocirugia (realizada com radiação dirigida em forma muito precisa, sendo de preferência para lesões muito pequenas em localizações de difícil acesso), embolização (a injeção de substâncias pelas artérias até os vasos que nutrem a MAV, com a intenção de diminuir a fluxo de sangue que chega até ela), microcirurgia (só ou com prévia embolização da MAV) e tratamento expectante, quando não existe uma opção terapêutica devido ao alto risco de complicações.

A cirurgia é indicada nos casos em que a MAV pode ser retirada em forma completa e segura sem gerar um déficit nem complicações pós-operatórias. Ela deve ser feita com monitorização permanente e em tempo real dos parâmetros neurológicos, com microscópio cirúrgico de alta definição e com o instrumental adequado. Ela deve ser feita por um cirurgião experiente em neurocirurgia vascular.

Tem cura?

A MAV tem cura quando for retirada de forma completa, o que leva a restituição da circulação sanguínea normal ao resto do cérebro. Uma vez que um tratamento é iniciado, deve ser sempre finalizado, e sempre com o intuito de cura da malformação.

Segundo os últimos estudos, estima-se que 10 pessoas de cada 100 mil da população mundial tem uma malformação arteriovenosa, mas devido ao fato de muitas serem assintomáticas, provavelmente a porcentagem seja maior.

Fonte: Feres Chaddad, professor titular e chefe da disciplina de neurocirurgia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e coordenador da neurocirurgia da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo.