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"Desejo sempre um dia a mais com ela", diz mãe de menina com lesão cerebral

Bárbara Therrie

Colaboração para VivaBem

09/05/2021 04h00

Com o sonho de casar e ser mãe, Cinthia Arias, 34, descobriu estar grávida em um cenário bem diferente do que planejava, soube da notícia um dia após a morte do pai da criança. Ao seguir adiante, a professora teve uma gestação saudável e deu à luz Luísa. Com poucos dias de vida, a menina foi diagnosticada com lesão cerebral devido à falta de oxigênio quando ainda estava no útero. Conheça a história delas.

"Eu tinha 30 anos e o pai da Luísa 18 quando nos conhecemos em um barzinho e saímos durante três meses. Ele sofreu um acidente de moto e faleceu. Foi enterrado em um dia e eu descobri a gravidez no outro.

Sempre quis me casar, ser mãe, planejar ter um bebê em uma família estruturada, mas não foi o que aconteceu. Inicialmente, a gravidez foi um choque para mim e para toda a família dado o contexto em que aconteceu, mas depois fiquei feliz e tranquila.

Tive uma gestação saudável, fiz o pré-natal certinho e todos os ultrassons davam normais. A única coisa de diferente foi que, uns 15 dias antes do parto, estava assistindo à TV quando senti a Luísa dando uma cambalhota.

Depois disso, ela passou a se mexer menos do que o usual, os médicos diziam que era por falta de espaço na barriga, mas segundo a neurologista que passou a acompanhá-la, posteriormente, isso foi um indício de sofrimento fetal.

Cinthia Arias, mãe da Luísa que teve lesão cerebral - Reprodução/Instagram/@ameninadosolhosdeluz - Reprodução/Instagram/@ameninadosolhosdeluz
Imagem: Reprodução/Instagram/@ameninadosolhosdeluz

No dia 9 de fevereiro de 2017, entrei em trabalho de parto durante uma consulta com o obstetra, ele fez o exame de toque e eu estava com 3 cm, fui internada. Ao chegar a 6 cm, não aguentei de dor e pedi para fazer a cesárea, o médico concordou. Fui para o centro cirúrgico.

A Luísa nasceu toda roxinha e não chorou durante o parto. Eu perguntei para o médico se estava tudo bem e por que não estava escutando o choro dela. Ele me pediu calma. Tentaram reanimá-la, mas não conseguiram.

Um tempo depois, uma pediatra neonatal apareceu ao meu lado e me mostrou a Luísa dentro de uma incubadora. Ela me disse que iria levá-la à UTI porque ela precisava de um pouquinho de oxigênio.

A ficha de que havia alguma coisa errada só foi cair no dia seguinte, quando eu fui à UTI neonatal para tirar leite. Ao observar o ambiente e ver que a Luísa não esboçava nenhuma reação quando as enfermeiras a furavam para coletar algum exame, achei estranho.

Além disso, ela não se mexia, não abria os olhos, não chorava. A gente só sabia que ela estava viva porque estava sendo monitorada.

Cinthia Arias, mãe da Luísa que teve lesão cerebral - Reprodução/Instagram/@ameninadosolhosdeluz - Reprodução/Instagram/@ameninadosolhosdeluz
Imagem: Reprodução/Instagram/@ameninadosolhosdeluz

Comecei a fazer várias perguntas aos médicos, alguns me diziam que a Luísa ainda achava que estava no útero e que logo iria acordar, outros não sabiam responder. Nesse mesmo dia, ela teve a primeira convulsão e fez vários exames.

Com poucos dias de vida, a Luísa fez um ultrassom de crânio, tomografia e ressonância de encéfalo que foram avaliadas por uma neurologista e equipe: eles constataram que ela teve hipóxia intrauterina, ficou sem oxigênio dias antes do parto, o que levou a uma lesão cerebral.

Os médicos não sabem exatamente o que causou isso, mas, sinceramente, não é importante para mim porque não vai mudar a condição. O foco sempre foi: 'O que precisa ser feito para a evolução da Luísa?'.

Claro que antes de adotar esse pensamento chorei e sofri muito, mas mudei depois de ver como uma mãe de gêmeos lidava com os problemas de saúde de uma das filhas. Ela se mantinha firme e forte.

Um dia cheguei em casa, e depois de chorar muito, prometi que não iria mais reclamar nem chorar no leito do hospital.

Questionava como seria o desenvolvimento da Luísa, se ela iria andar, falar, ter uma vida normal. Os médicos não sabiam responder, só diziam que o quadro dela era grave e que só o tempo iria mostrar a evolução dela.

Hoje, sabemos que o tipo de lesão cerebral da minha filha atinge várias áreas cerebrais que controlam o movimento do corpo, ela ainda não tem nenhum movimento voluntário dos membros, não mexe a língua, não tem deglutição.

Cinthia Arias, mãe da Luísa que teve lesão cerebral - Reprodução/Instagram/@ameninadosolhosdeluz - Reprodução/Instagram/@ameninadosolhosdeluz
Imagem: Reprodução/Instagram/@ameninadosolhosdeluz

A Luísa ficou oito meses e meio internada, sem ter quase nenhuma reação, passava a maior parte do tempo dormindo. Nesse período, ela teve várias complicações, convulsões e sofreu paradas respiratórias, ficou intubada, pegou pneumonia, infecções.

No dia 19 de outubro de 2017, ela recebeu alta e foi para casa com uma estrutura home care, com o suporte de terapias. Ela faz fisioterapia duas vezes por dia todos os dias. Fono quatro vezes por semana, e terapia ocupacional cinco vezes na semana, além de acompanhamento com pneumopediatra e neurologista.

Uma vez um médico me disse o seguinte: sua filha terá todos os tipos de terapias que vão ajudá-la. Seu papel, como mãe, será estimulá-la também e, quando você estiver cansada, deve continuar estimulando-a, porque só dessa forma ela pode ter alguma evolução.

Peguei isso para mim e, por essa razão, mesmo contando com o apoio dos profissionais de saúde e da minha mãe, eu que faço tudo para a Luísa, vivo em função dela 24 horas por dia.

Esse trabalho em conjunto tem dado resultados. No primeiro eletroencefalograma que a Luísa fez, o exame mostrou que ela tinha baixíssima atividade elétrica cerebral. Depois, teve uma melhora progressiva.

A Luísa chegou em casa tomando 14 medicações por dia, hoje ela não toma nenhuma, apenas vitaminas e suplementos. No início, ela não conseguia fazer praticamente nada, hoje percebo que ela já escuta, enxerga, acompanha com os olhos, mexe a cabeça para os dois lados, sustenta o corpo e fica sentada com apoio.

Apesar de não sorrir nem chorar, identifico o que ela tem ou quer (frio, calor, sono, dor, vontade de fazer cocô) pelas caretas e frequência respiratória.

Só tenho a agradecer pela progressão da minha filha. Não faço planos e nem espero nada para o futuro, minha vontade é continuar me dedicando à Luísa para que ela tenha qualidade de vida.

Contrariando o ciclo normal da vida, meu único desejo é sempre só ter um dia a mais com ela, porque sei que se eu for antes, ninguém cuidará dela como eu cuido".

Entenda o quadro da Luísa

Cinthia Arias, mãe da Luísa que teve lesão cerebral - Reprodução/Instagram/@ameninadosolhosdeluz - Reprodução/Instagram/@ameninadosolhosdeluz
Imagem: Reprodução/Instagram/@ameninadosolhosdeluz

Luísa foi uma bebê que nasceu sem intercorrências durante a gestação. Ao nascer, apresentou todos os sinais de insulto hipóxico-isquêmico grave —não se movimentou permanecendo muito hipotônica ("molinha", sem tônus muscular), não chorou, não respirou, apresentou cianose (coloração roxa da pele) e batimentos cardíacos diminuídos.

O eletroencefalograma mostrou grave desorganização difusa na atividade elétrica cerebral (importante sofrimento cerebral) compatível com hipóxia grave e crises neonatais que necessitaram de terapia medicamentosa específica.

Os exames neurorradiológicos, realizados na primeira semana de vida, mostraram lesões cerebrais graves comprometendo, principalmente, os núcleos da base (região localizada internamente no cérebro, é uma das áreas responsáveis pelo controle do movimento corporal).

1) O que é hipóxia intrauterina?
A hipóxia intrauterina (insulto hipóxico-isquêmico pré-natal) ocorre, quando ainda dentro do útero, antes de iniciar o trabalho de parto, o feto recebe menos oxigênio e menos sangue do que precisa para se manter adequadamente. Existem vários motivos que podem causar a baixa quantidade de oxigênio e o baixo fluxo sanguíneo pré-natal e neonatal, dentre eles, o principal é o descolamento da placenta.

Também pode ocorrer a compressão do cordão umbilical ou prolapso de cordão (na rotura da bolsa amniótica, o cordão migra junto com o líquido amniótico) com consequente compressão do cordão no canal de parto.

A hipertensão arterial materna, frequentemente associada a alterações vasculares crônicas na placenta, pode torná-la insuficiente do ponto de vista nutritivo, além de poder cursar com alterações agudas como infarto e descolamento da placenta.

2) Quais as sequelas que um bebê que teve falta de oxigênio pode ter?
As sequelas estão diretamente relacionadas à severidade. Um bebê que teve um quadro leve evoluindo com comprometimento leve no período neonatal (do nascimento até 28 dias de vida), poderá não ter sequelas. Porém, um bebê que sofreu uma situação grave poderá apresentar graves sequelas em múltiplos órgãos como cérebro, coração, glândulas adrenais, rins, pulmões, sistema gastrointestinal, podendo inclusive morrer. As principais sequelas neurológicas são paralisia cerebral, diminuição na capacidade cognitiva, epilepsia, distúrbios de comportamento e de linguagem.

3) Como a lesão cerebral impactará a vida da criança?
O impacto dependerá de vários fatores como localização e extensão da lesão cerebral, do tratamento instituído e da resposta individual de cada paciente. As consequências poderão ser desde um leve atraso nas aquisições das etapas motoras do desenvolvimento até um grave comprometimento motor generalizado.

O leve atraso nas aquisições motoras (bebê demora mais tempo que o normal esperado para controlar a cabeça, pegar objetos, manter-se sentado, engatinhar, andar) poderá ser recuperado com estimulação adequada e orientações fornecidas à mãe. Já o grave comprometimento motor generalizado terá poucas respostas aos estímulos, mesmo que realizados adequadamente.

Fonte: Silvane Kernbichler, neurofisiologista clínica do Hospital Santa Catarina e da clínica Neurolab Tedi, médica responsável pela poligrafia neonatal do Hospital Israelita Albert Einstein, da Unimed São Roque e do Hospital Metropolitano, todos em São Paulo.