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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Não 'foi com a cara'? Má primeira impressão pode ser explicada pelo cérebro

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Imagem: iStock

Marcelo Testoni

Colaboração para o VivaBem

20/04/2021 04h00

Resumo da notícia

  • Quando se conhece alguém, o cérebro cruza informações novas e antigas e pode concluir precipitadamente que o outro é suspeito
  • Má impressão pode ser causada por hábitos desagradáveis, lembranças negativas de alguém ou características pessoais que repudiamos
  • Desconfiar ou não gostar de ninguém pode revelar insegurança, traumas e transtornos
  • Reverter um preconceito requer tempo, esforço e aceitação às diferenças

Todo mundo, em algum momento, conhece alguém com quem "o santo não bate". É como se apaixonar à primeira vista, só que ao contrário, e quase sempre não entender o porquê de imediato. Os mais supersticiosos podem achar que tem a ver com incompatibilidade enérgica, ou algo similar, mas quem estuda as emoções humanas garante que a resposta está no cérebro.

A partir do que se vê, ouve e escuta, o órgão cruza informações e estabelece padrões para nos ajudar a compreender o mundo à nossa volta e a nos manter seguros e preparados para nos defender. "A má primeira impressão ocorre quando inconsciente e precipitadamente concluímos que o outro é suspeito", explica Eduardo Perin, psiquiatra e especialista em terapia cognitivo-comportamental pelo HC-USP (Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo).

Essa leitura superficial nem sempre condiz com a realidade, mas pode prejudicar tanto o outro como a nós mesmos, a depender da reação ou atitude tomada. E por mais que criar esse preconceito leve apenas poucos minutos, desfazê-lo requer tempo e esforço, porque o cérebro vai esperar que essa pessoa se comporte de forma negativa nas próximas vezes. Vários fatores influenciam, desde lembranças ruins ao que rejeitamos em nós mesmos e até transtornos.

Sinais que nos repelem

Em situações sociais com desconhecidos, é comum se sentir tímido ou apreensivo, gaguejar, se atrapalhar e improvisar conversar aleatórias, principalmente durante apresentações ou entrevistas de emprego. Mas de acordo com um estudo da Universidade de Utrecht, na Holanda, não seriam as dificuldades visíveis em público o que mais incomodaria os outros, mas três hábitos muito associados a quem se esforça para ser agradável e procura falar muito de si mesmo. São eles:

  • Tentar elogiar alguém, mas com tom um tanto ríspido e sem admiração verdadeira, como "você se veste bem, para quem não entende de moda";
  • Chamar atenção para os próprios feitos, emendando uma falsa modéstia, como "foi muito difícil, embora eu esteja acostumado";
  • E o considerado o mais insuportável para os interlocutores: falar das próprias habilidades, mas se comparando igual ou superior. "Sou uma Ana Maria na cozinha, ou até melhor do que ela".
Desconfiança, casal irritado está ignorando um ao outro - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Pessoa pode ter características que repudiamos em nós mesmos
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Há o risco de antipatia imediata também quando o indivíduo tem uma semelhança física ou de comportamento com alguém que nos causou algum mal ou aborrecimento no passado ou quando seu modo de ser diverge completamente do nosso. Nesses casos, ficamos na defensiva. "Há ainda características que repudiamos em nós e que podem ser perceptíveis no outro. Nos incomodam tanto que queremos distância", aponta Leide Batista, psicóloga pela Faculdade Castro Alves e com experiência pelo HC (Hospital da Cidade), em Salvador (BA).

Problema pode estar em nós

Quando se é uma pessoa que facilmente ou com frequência antipatiza com os outros, se não tiver relação direta com um ambiente ou público específico, é mais provável que o problema não esteja fora, mas em você, alerta Gabriela Malzyner, psicóloga, psicanalista e professora do curso de formação em psicanálise do CEP (Centro de Estudos Psicanalíticos), em São Paulo (SP). "Se não vai com a cara de um monte de gente e ainda odeia, isso diz muito mais sobre si", diz.

Quem sofre de transtorno de personalidade paranoide (TPP), por exemplo, nutre um excesso de desconfiança e suspeitas em relação aos outros que leva a interpretar que toda intenção alheia é, na maior parte das vezes, maldosa. Outra hipótese é o transtorno de personalidade narcisista (TPN), quando ninguém é bom para a pessoa porque não a bajula ou está à altura dela. Mas traumas e inseguranças também podem levar à sabotagem de qualquer aproximação.

Quem costuma julgar os outros sem conhecer, com base em estereótipos, também tende a cometer equívocos. Acaba convertendo um sorriso singelo ou um desvio de olhar como arrogância, falsidade, quando na verdade sua interpretação é que foi distorcida. Nesse caso, não só os tímidos estão sujeitos a serem mal compreendidos, mas os extrovertidos também, já que podem passar uma má impressão por serem diretos, falarem alto e terem uma personalidade forte.

Jovem negro usando blusa amarela e usando óculos fazendo cara de desconfiado, atento, prestando atenção - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Excesso de desconfiança e suspeitas em relação aos outros pode ser transtorno
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Como mudar a impressão?

Para ter certeza se o que se sente ou percebe em relação ao outro faz sentido ou não, é necessário passar mais tempo juntos. Mas é importante ressaltar que isso não significa que as intuições nunca devam ser consideradas, pois valores transmitidos por palavras e atitudes, aparência e amizades são pistas, e quando o cérebro tem mais informação para combinar experiências novas com as anteriores, isso torna a intuição, assim como o agir, mais experiente e confiável.

Nesse processo, é fundamental que se faça uma autorreflexão racional para entender o que lhe faz produzir tanto desafeto pelo outro. "Por mais que tenham sido revelados defeitos, cometidos erros ou faltado um alinhamento, não é correto simplesmente aceitar como verdade o que se passa na cabeça ou afirmar que o outro não presta e ponto", afirma Yuri Busin, doutor em neurociência do comportamento e diretor do Casme (Centro de Atenção à Saúde Mental - Equilíbrio).

Se a percepção for generalizada, é preciso buscar ajuda psiquiátrica, ainda mais se estiver sofrendo, com dificuldade para se relacionar e confuso. É complementar ainda buscar informação, adaptar-se às mudanças sociais e estar aberto para conhecer gente plural, com outras realidades. O novo, ou o diferente, não deve ser encarado como uma ameaça. Fazer amizades fora do nosso meio nos agrega muito, pois aprendemos sobre coisas que não sabemos ou nunca experimentamos ou refletimos e isso estimula e desafia o cérebro, mantendo-o jovem e sadio por mais tempo.