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Depressão refratária: o que fazer quando a doença resiste ao tratamento?

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Samantha Cerquetani

Colaboração para VivaBem

30/11/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Depressão resistente é representada pela permanência dos sintomas após o tratamento com dois antidepressivos diferentes, em dose e tempo adequados
  • Pessoas que apresentam esse tipo de depressão costumam perder a esperança ao iniciar o tratamento e não melhorar, e a qualidade de vida diminui muito
  • Trocas de medicamentos, além de combiná-los com psicoterapia podem ajudar. Eletroconvulsoterapia também pode ser indicada

Sentir tristeza persistente, falta de energia, dificuldade em sentir prazer nas atividades do dia a dia, alteração de apetite e falta de concentração. Esses sintomas são frequentes em pessoas com depressão e afetam muito a qualidade de vida. Felizmente, há diversos tratamentos com medicamentos e psicoterapia que são eficazes para controlar esse mal-estar constante.

O problema é que, embora essas medidas terapêuticas funcionem para a maioria das pessoas com depressão, há um grupo que não responde facilmente aos antidepressivos e demora a sentir um alívio dos sintomas. Nesses casos, a doença é conhecida como depressão resistente, refratária ou não responsiva.

"A definição mais comum de depressão resistente é representada pela permanência dos sintomas após o tratamento com dois antidepressivos diferentes, em dose e tempo adequados. Os sintomas podem variar em número e intensidade, mas consistem em humor deprimido ou triste, associado a alterações cognitivas e somáticas que levam a um prejuízo no funcionamento global do indivíduo", explica Fábio Pinato Sato, psiquiatra do Hospital Israelita Albert Einstein.

Os sintomas mais comuns desse tipo de depressão são:

  • Resposta inadequada ou ausência de resposta a dois ou mais antidepressivos após seis semanas de uso;
  • Melhoram por pouco tempo e depois há um retorno dos sintomas depressivos;
  • Profunda desesperança e desânimo por verem os sintomas se arrastarem por meses sem sentir qualquer alívio ou melhora no humor.

Estima-se que a depressão afete cerca de 300 milhões de pessoas em todo o mundo. Um estudo observacional na América Latina indicou que 30% dos pacientes com a doença apresentavam a do tipo resistente. Foram avaliados mais de 1.400 participantes em países como Argentina, Brasil, Colômbia e México. De acordo com a pesquisa, o Brasil apresenta a maior taxa: 40,4% convivem com esse tipo de depressão. No mundo, estima-se que cerca de 15% a 30% podem desenvolver a forma resistente da condição.

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Depressão refratária resiste aos medicamentos
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Causas são diversas

Existem vários motivos que levam à resistência. "Pode ser um acometimento clínico, como hipotireoidismo, déficits nutricionais ou outros diagnósticos psiquiátricos, como o transtorno bipolar não diagnosticado corretamente. Algum tipo de trauma e questões genéticas também podem atrapalhar o efeito correto dos medicamentos", diz Marcelo Daudt von der Heyde, psiquiatra e professor da Escola de Medicina da PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná).

Além disso, quem já teve depressão grave por um longo período tem maior probabilidade de apresentar um novo quadro de depressão resistente ao tratamento.

Algumas pessoas também podem ser mais vulneráveis a esse tipo da doença. "Mulheres e idosos, por exemplo, apresentam a depressão refratária em taxas maiores, por motivos que podem ser biológicos e/ou psicológicos", explica Lívia Beraldo, psiquiatra do Hospital Santa Paula e mestre em Psiquiatria pela FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

Quais são as consequências?

Pessoas que apresentam a depressão resistente costumam perder a esperança ao iniciar o tratamento e não melhorar. Frequentemente, elas sentem uma angústia muito grande e até pensamentos suicidas, uma vez que não encontram saída para a situação.

"Obviamente, a qualidade de vida diminui bastante. Surgem doenças clínicas como infecções, doenças autoimunes, cardíacas, neurodegenerativas, entre outras que estão ligadas à presença de sintomas depressivos resistentes e persistentes", diz Daudt von der Heyde.

A depressão pode causar dores de cabeça e desconfortos crônicos no corpo. Além disso, afeta a capacidade de concentração, de memória e há dificuldade na hora de tomar decisões. Não é raro casos de abuso de álcool e outras drogas para tentar aliviar a tristeza.

    Diagnóstico e tratamento

    O diagnóstico é realizado durante a consulta médica, geralmente por um psiquiatra, ao fazer uma avaliação direta do paciente. Levam-se em conta os sintomas relatados e a sua história. Depois disso, o primeiro passo é verificar se a pessoa continua com depressão após experimentar pelo menos dois tipos de antidepressivos.

    Vale destacar que esses medicamentos não funcionam imediatamente. Em alguns casos, demoram até oito semanas para surtir efeito. O médico também deve avaliar se a dose está correta e se está sendo administrada da forma adequada.

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    A depressão resistente afeta muito a qualidade de vida
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    "Em geral, os remédios levam cerca de uma a duas semanas para apresentar resultados. Em quatro semanas, fica mais claro se a estratégia deu certo, e o efeito máximo do antidepressivo surge perto de oito semanas. Quando não há melhora inicial, o mais adequado é a troca de medicamento. Se há melhora parcial, pensamos em ajuste de dose. Isso é decidido de forma individualizada", afirma Daudt von der Heyde.

    Quando é necessário mudar de medicamento, existem várias opções: associação de antidepressivos com mecanismos de ação complementares, uso de lítio (usado no tratamento da bipolaridade), antipsicóticos, metilfolato (derivado do ácido fólico), ômega 3 em doses altas, alguns estimulantes, uso de hormônio tireoidiano, explica o psiquiatra.

    De acordo com o especialista, não é adequado esperar muito tempo pela resposta ao medicamento. Por isso, é importante o acompanhamento constante para avaliar se a pessoa voltou a ter um humor estável e se ocorreu remissão dos sintomas.

    Outra indicação dos especialistas é combinar a medicação com a psicoterapia. "Esse tipo de intervenção terapêutica trabalha as questões referentes ao sofrimento psíquico e também situações relacionadas aos conflitos internos. Existem várias abordagens, mas o objetivo é o mesmo: trazer mais qualidade de vida para quem sofre com a depressão", explica Tatiana Mendes Alencar, supervisora técnica de saúde mental do Cejam (Centro de Estudos e Pesquisas "Dr. João Amorim").

    Quando é indicada a estimulação cerebral?

    Um dos recursos utilizados para quem não reage ao tratamento medicamentoso é a eletroconvulsoterapia, ou terapia eletroconvulsiva. É um método bastante antigo, mas que evoluiu com o tempo. O procedimento, feito com anestesia geral, faz com que as correntes elétricas passem pelo cérebro e causem um tipo de convulsão leve.

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    Tristeza pode persistir mesmo após uso de medicamentos
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    Isso ocasiona mudanças na química cerebral e reduz os sintomas da depressão. Mas, apesar de ser seguro, pode causar efeitos colaterais, como alterações de memória. A técnica é realizada com o consentimento do paciente e a duração e a intensidade do choque são muito pequenas.

    Um pequeno estudo da Universidade de Stanford (EUA) mostrou que a estimulação cerebral melhora os sintomas de depressão em até 90% dos casos.

    "Importante ressaltar que o choque é apenas a forma mais segura de induzir a convulsão, o que efetivamente proporciona o efeito desejado. Infelizmente, devido ao uso incorreto no passado como um método de tortura, há um estigma em relação ao seu uso, principalmente no Brasil", diz Daudt von der Heyde.

    Há ainda a EMT (Estimulação Magnética Transcraniana), uma técnica não invasiva que estimula o cérebro com ondas magnéticas, modulando os neurotransmissores. É um procedimento que leva de 30 minutos a uma hora para ser realizado. Acredita-se que essas correntes elétricas estimulem as células cerebrais de uma forma complexa, o que reduz a depressão.

    Mas essas técnicas não são indicadas para todas as pessoas com depressão resistente. "É necessário destacar que apenas o psiquiatra pode avaliar a necessidade desses tratamentos de forma individualizada", diz Beraldo.

    Como lidar com a depressão no dia a dia

    Além dessas medidas terapêuticas, a pessoa com depressão deve praticar exercício físico regular e buscar atividades que estimulem o bem-estar. Os especialistas também recomendam manter uma rotina alimentar saudável e boas horas de sono.

    "Não devemos esquecer que a depressão é uma doença que afeta o cérebro e as funções cerebrais ficam comprometidas. Os sintomas vão além da tristeza e do humor. A pessoa deprimida entra em um estado de grande negatividade e não tem a capacidade de se recuperar sozinha. Ela não tem energia, não consegue sentir prazer e curtir a vida", diz Rosilda Antonio, psiquiatra e membro do Conselho Científico da Abrata (Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos).

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    Familiares e amigos devem apoiar quem tem depressão
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    Além disso, mesmo quem não melhora com os medicamentos não deve abandonar o tratamento por conta própria. Isso porque tanto a terapia quanto os medicamentos levam tempo para fazer efeito.

    "A adesão ao tratamento é fundamental para melhorar e evitar as próximas crises. É preciso tomar os medicamentos de acordo com a indicação médica, pois o uso é baseado em estudos científicos para dar maior resposta. O tratamento correto reduz a intensidade dos sintomas e os riscos de suicídio", complementa Antonio.

    É importante também buscar apoio de pessoas próximas e conversar sobre o assunto, se sentir vontade. "Os familiares fornecem um suporte de extrema importância para o tratamento de um paciente com depressão refratária. Forma-se um alicerce afetivo, diminuindo a solidão, as incertezas, os medos, as tristezas e as culpas envolvidas no processo depressivo", diz Sato.

    Para Antonio, pessoas mais próximas devem conversar e entender o que está acontecendo sem cobranças. "A depressão é uma doença mental. Não adianta falar para a pessoa superar apenas tendo força de vontade. Pergunte como ela se sente e esteja junto durante o tratamento. Evite comentários críticos e preconceituosos. A informação correta contribui para diminuir os estigmas da doença".