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Brasileiras cozinham mais e abandonam dietas na pandemia, diz pesquisa

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Imagem: iStock

Ivanir Ferreira

Do Jornal da USP

10/11/2020 11h18

Na pandemia, tudo mudou de lugar para dar espaço a um novo modo de vida. A forma de se alimentar não ficou isenta do impacto do isolamento social. Uma pesquisa feita na USP (Universidade de São Paulo) avaliou como as mulheres brasileiras, de diferentes classes sociais e estados nutricionais, vivenciaram esse momento, afetado por aspectos psicológicos em relação aos seus hábitos e escolhas alimentares.

Os dados mostram que elas cozinharam mais, diminuíram as idas aos supermercados e usaram mais serviços de entregas (delivery). Além disso, muitas deixaram suas dietas de lado.

Por que tantas mudanças? Para além das questões práticas, as emoções desempenharam um papel importante nas decisões. O processo das escolhas alimentares é complexo e sofre influência de fatores fisiológicos, genéticos, psicológicos, sociais e econômicos, com destaque para os aspectos emocionais, diz Carolina Fino, uma das coordenadoras da pesquisa feita na FMUSP (Faculdade de Medicina da USP).

Serviços de delivery cresceram 146%

Das 1.183 entrevistadas pela plataforma Google Forms, entre junho e setembro de 2020, foi possível observar que o número de mulheres que participava das compras de supermercado se reduziu bastante, cerca de 34%. Já o hábito de cozinhar em casa aumentou em 28% e o uso de serviço de entrega cresceu vertiginosamente, 146%. No entanto, nenhuma mudança foi observada para o hábito de comer em frente à TV, tablet ou celular ou substituir as principais refeições por lanches.

As participantes relataram realizar menos dietas restritivas e também reduziram o consumo de bebidas alcoólicas. Também houve aumento de 23% no número de mulheres que disseram que "beliscavam" ao longo do dia.

"Gostar", "necessidade", "fome" e "hábitos" foram os determinantes das escolhas alimentares mais comumente relatados pelas participantes. Segundo Carolina, "o hábito de 'beliscar', se for feito com alimentos calóricos e com baixo valor nutricional, pode levar ao ganho de peso", alerta.

As mulheres foram recrutadas por meio de anúncios em mídias sociais (Facebook, WhatsApp, Instagram, Twitter), televisão, jornais e rádio. A pesquisa englobou todas as regiões brasileiras, porém, a maioria (74,5%) das participantes era da região Sudeste. Todas responderam questionário on-line que solicitava informações pessoais, demográficas, socioeconômicas e antropométricas, sintomas psicológicos, estilo de vida e hábitos alimentares.

"Quem era responsável pelas compras de alimentos em sua casa no dia a dia? Com que frequência fazia uso de serviços de entrega de refeições? Quando fazia uso de delivery, costumava pedir qual tipo de comida?".

Nesse caso, observou-se aumento de pedidos de comidas caseiras e de doces. As perguntas de aspectos psicológicos versavam sobre as razões que levavam as participantes a comer determinados alimentos (fome, vontade, saúde, convenção social etc.) e sobre o sentimento em relação ao próprio corpo.

Além de investigar se o período de isolamento alterou as escolhas e o consumo de alimentos das mulheres, o estudo do grupo Applied Physiology & Nutrition Research Group queria saber o que tais mudanças provocaram.

Por exemplo: se realizadas de forma negativa, com a redução do consumo de alimentos in natura devido ao acesso reduzido a supermercados, hortifrutis e varejões ou pelo maior custo, e aumento do consumo de alimentos processados e ultraprocessados, pela maior durabilidade e poder de estocagem desses, podiam acarretar no ganho excessivo de peso e no desenvolvimento, em curto e longo prazo, de doenças crônicas não transmissíveis como diabetes, hipertensão arterial, dislipidemias e câncer.

No futuro, os dados poderão auxiliar em estratégias de prevenção e combate de doenças crônicas que foram iniciadas com hábitos inadequados na quarentena.

Cientista e mãe de recém-nascido

Durante a pandemia, cientistas têm estudado um momento que eles também vivenciam. Carolina, que é nutricionista, pesquisadora e professora da FMRP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto) e da FSP (Faculdade de Saúde Pública), ambas da USP, também experimentou enormes mudanças em sua vida pessoal, que precisaram ser conciliadas com seu trabalho.

Logo que veio a pandemia, descobriu que estava grávida, mas devido às responsabilidades assumidas com colegas e aos curtos prazos exigidos pelas agências de fomento de pesquisa, continuou sua rotina orientando alunos e coordenando o estudo junto com o professor e pesquisador Bruno Gualano, que é o coordenador geral do grupo de pesquisa. Prosseguiu e foi adiante. Parou por alguns dias para o parto, teve o bebê e voltou para a compilação dos dados e participação na redação do artigo científico que foi encaminhado à revista Appetite, e que está em processo de revisão.

"Um pouco antes da pandemia, descobri a gravidez. Toda a situação foi um pouco tensa porque, até aquele momento, não sabíamos nada sobre a doença e como ela poderia afetar meu estado e do bebê. Assim, procurei ter o máximo de cautela possível. A gravidez foi bem diferente do que eu imaginava. Devido ao isolamento social, iniciei trabalhos em home office. Na época, estava finalizando meu pós-doutorado e não podia perder os prazos. Nesse momento, surgiu a iniciativa, juntamente com o professor Bruno Gualano e com a colaboração de alunos do laboratório, de realizar o estudo. Era de suma importância a rapidez em todos os processos referentes ao Comitê de Ética e as entrevistas para não perder o 'time'. Assim foi minha gestação, realizando estudos sobre as modificações alimentares e nutricionais frente à pandemia [também desenvolvemos outro estudo com pacientes em pós-operatório de cirurgia bariátrica]. Meu bebê completou um mês de vida. É impossível para uma mãe que amamenta retomar seu trabalho em sua totalidade, porém, não pude deixar de finalizar os estudos e os artigos referentes a essa doença que afetou de maneira tão expressiva todo o mundo. Espero que os resultados auxiliem na condução e elaboração de estratégias de prevenção e combate ao aumento da incidência e prevalência das doenças crônicas que podem ser desenvolvidas e/ou iniciadas com hábitos alimentares inadequados em período de quarentena'', relata Fino.