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Covid-19: qual a importância de testar em larga escala?

Pesquisador da Coppe-UFRJ segura frasco contendo o novo coronavírus: instituição trabalha no desenvolvimento de um novo teste rápido para a doença - Andre Coelho/Getty Images
Pesquisador da Coppe-UFRJ segura frasco contendo o novo coronavírus: instituição trabalha no desenvolvimento de um novo teste rápido para a doença Imagem: Andre Coelho/Getty Images

Yuri Vasconcelos

Pesquisa FAPESP

13/04/2020 10h32

Testar maciçamente a população. Esta é a recomendação da OMS (Organização Mundial da Saúde) para enfrentar a disseminação do vírus Sars-CoV-2, causador da covid-19. Para a entidade, a realização em larga escala de exames, combinada com o isolamento social, é o caminho ideal para proteger a população da pandemia.

No Brasil, diante do número limitado de testes disponíveis, a estratégia adotada pelo governo inicialmente foi outra. Os kits de diagnóstico foram destinados apenas a pessoas em estado grave para confirmação do contágio.

Com o alastramento da epidemia, o Ministério da Saúde anunciou a distribuição nas próximas semanas de cerca de 23 milhões de exames rápidos para detecção da doença em trabalhadores da área da saúde e segurança e outros 14,9 milhões de testes de biologia molecular para pacientes graves internados e casos leves nas unidades da Rede Sentinela de Síndrome Gripal, que monitora a doença no país.

Levando em conta o tamanho da população brasileira, de 220 milhões de indivíduos, e o fato de que alguns precisarão ser testados mais de uma vez, esse número ainda é insuficiente para a realização de diagnósticos em larga escala.

"Junto com o isolamento social, massificar a testagem para diagnóstico da covid-19 é a única maneira para 'achatar' a curva de disseminação do vírus no país. Somente dessa forma é possível identificar os infectados e isolá-los para evitar a transmissão. Esse é o método mais eficiente, e está sendo usado por países, como Coreia do Sul, que conseguiram achatar a curva", afirma o virologista Edison Luiz Durigon, do ICB-USP (Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo).

Teste molecular

O Bio-Manguinhos (Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos), da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), e o IBMP (Instituto de Biologia Molecular do Paraná) são responsáveis pelo desenvolvimento e fornecimento dos kits para diagnóstico da Covid-19 utilizados em pacientes internados na rede hospitalar do SUS (Sistema Único de Saúde). Os exames são realizados pelos Lancen (Laboratórios Centrais de Saúde Pública) e de referência nacional - IAL (Instituto Adolfo Lutz), em São Paulo, Fiocruz, no Rio de Janeiro, e IEC (Instituto Evandro Chagas ), no Pará. Até o fim de março, segundo o Ministério da Saúde, mais de 54 mil testes haviam sido distribuídos.

Denominado RT-PCR em tempo real, sigla para transcrição reversa seguida de reação em cadeia de polimerase, o ensaio de Bio-Manguinhos e IBMP é realizado a partir de uma amostra de secreções da nasofaringe ou orofaringe - ou seja, material obtido da mucosa do fundo do nariz ou da garganta com uso de uma haste flexível (swab).

Trata-se de um teste de biologia molecular que já vem sendo usado em laboratórios desde 1983 para diagnosticar outros vírus e em diversas áreas de pesquisa. No caso atual, ele detecta um fragmento do genoma do novo coronavírus, mais especificamente um segmento do RNA viral que codifica a proteína do nucleocapsídeo (N).

Durante o desenrolar do teste, esse fragmento é amplificado em ciclos sucessivos, e cada ciclo leva a um sinal fluorescente. A contabilização desse sinal permite que se tenha uma estimativa do nível de replicação do Sars-CoV-2: quanto mais precocemente o sinal é detectado, mais RNA viral há na amostra.

"É uma técnica de alta especificidade e sensibilidade, mas depende de aparelhos específicos que precisam ser constantemente aferidos e de habilidade técnica para sua execução. Requer, ainda, a aquisição de material de consumo importado, de alto custo, que demora para chegar", explica o virologista Paulo Eduardo Brandão, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP. "Superadas essas dificuldades, é um teste excepcionalmente bom."

Considerado o teste padrão para a Covid-19 no país e no mundo, o ensaio molecular dificilmente apresenta falsos negativos. "Consideramos o nível de sensibilidade de nosso teste extremamente eficaz. Ele pode detectar a infecção em mínimas quantidades de material genético do vírus, mesmo quando a carga viral do paciente é baixa", declara Antonio Gomes Ferreira, gerente do Programa de Desenvolvimento Tecnológico de Reativos de Bio-Manguinhos. Segundo ele, os ensaios moleculares com base na tecnologia RT-PCR em tempo real conseguem diagnosticar a infecção viral desde o primeiro dia do surgimento dos sintomas. O exame é efetivo, ainda, em pessoas assintomáticas.

Área técnica do Grupo Fleury, local onde são processados os exames do laboratório paulista

O Grupo Fleury, com sede em São Paulo, também criou um teste do tipo RT-PCR, seguindo o protocolo do hospital Charité, de Berlim, na Alemanha, o mesmo utilizado pela Fiocruz. "Nosso teste é bastante sensível. Conseguimos detectar, em ensaios in vitro, apenas 10 cópias do vírus por poço de reação molecular", conta a infectologista Carolina Lázari. Quando ocorre a infecção por Sars-CoV-2, o vírus começa a se multiplicar no organismo. Exames mais sensíveis são aqueles que conseguem detectar a menor quantidade possível de cópias do vírus na amostra do paciente. "O exame está disponível em hospitais parceiros do Fleury em São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Distrito Federal", diz a infectologista.

Normalmente, o resultado do RT-PCR fica pronto em menos de 24 horas após a coleta da amostra, mas, com a grande quantidade de testes realizados ao longo da pandemia no país, esse prazo tem se alongado. Em alguns casos, chega a sete ou 10 dias. Reportagem do portal G1 apontava que o país tinha, em 2 de abril, pelo menos 23 mil testes à espera de resultado.

A demora causa preocupação, pois, além de impedir um rápido diagnóstico da doença e a adoção do melhor tratamento para o paciente, torna mais lento o combate à disseminação do vírus. Além disso, esse atraso faz com que o número de casos e mortes confirmados e divulgados pelas autoridades em um determinado dia reflita a situação de vários dias antes - ou seja, pode dar uma falsa aparência de que o número de doentes e óbitos no momento é menor do que realmente é.

Para enfrentar esse problema e ampliar a testagem no país, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) concedeu nas últimas semanas registro para 17 novos testes no país, sendo 14 deles do tipo rápido, que apresentam resultado entre 10 e 30 minutos, e três de biologia molecular. Simples de serem realizados, os testes rápidos podem custar até um quarto do preço dos ensaios moleculares - o RT-PCR fornecido pela Fiocruz, por exemplo, sai por R$ 98.

"Os testes rápidos são tudo o que precisamos no momento. Eles ajudarão a controlar a pandemia, pois podem ser feitos por qualquer hospital ou clínica médica, não dependendo de aparelhos sofisticados, como os usados para o diagnóstico por RT-PCR", declara Durigon, do ICB-USP. "É a única maneira de termos testagem em massa no Brasil.

Eles podem chegar à porta dos hospitais menos privilegiados, que são maioria no país. Se a pandemia atingir as classes sociais menos favorecidas, somente os testes rápidos poderão diagnosticar a doença com agilidade. Caso contrário, estaremos em uma situação tão crítica quanto a da Itália."

Opinião parecida tem o diretor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Brasília (IB-UnB), o parasitologista Jaime Martins de Santana. "Só vamos saber a extensão da infecção da população brasileira com a aplicação dos testes rápidos imunológicos para a detecção de anticorpos no sangue das pessoas. Por enquanto, com as condições atuais, só estamos vendo a ponta do iceberg", destaca.

Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.