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Nostalgia demais faz mal? Veja como conviver com ela de maneira saudável

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Imagem: iStock

Sibele Oliveira

Colaboração para o VivaBem

05/12/2019 04h00

Resumo da notícia

  • A nostalgia é uma forma de preservar as nossas memórias
  • Muitas vezes ela faz com que a pessoa não queira abandonar o passado e fique com a vida paralisada
  • Quando é exagerada, a nostalgia pode causar doenças como a depressão e nesses casos é preciso buscar ajuda médica
  • Os nostálgicos tendem a considerar o passado muito melhor do que o presente e as pessoas mais velhas são as que sentem mais nostalgia

Bons tempos! Como o passado era bom! Eu era feliz e não sabia! Quem nunca se pegou dizendo essas frases? Elas são expressões de nostalgia, termo que para os gregos significava a dor (algós) que atingia quem fazia uma viagem (nostós) para longe do seu país. De acordo com o dicionário, é um sentimento ligeiro de tristeza pela lembrança de experiências vividas no passado, além de saudade ou tristeza por algo ou alguém que já não existe mais ou que não temos mais.

Muitas pessoas fazem confusão entre nostalgia e saudade, mas segundo Carolina Falcão, professora de psicologia da PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), não são sentimentos iguais. "Somos sujeitos atravessados por saudades, já que ao longo da vida vamos deixando experiências, pessoas e prazeres para trás". A diferença dos nostálgicos, ela diz, é que além de sentirem saudade, entendem que o que tinham ou viviam no passado era melhor do que o que têm e vivem hoje.

A nostalgia às vezes é vista como algo sentido apenas por quem tem um presente pobre de alegrias. Mas conforme Leila Tardivo, professora do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo), ela tem sua importância. "Tem a ver com a memória de um tempo que passou. E isso não é necessariamente patológico. Na verdade, é necessário. Porque se as pessoas não puderem ter memória de tempos passados, de suas experiências e relações, acabam ficando como um arquivo vazio".

Todos nós estamos sujeitos a sentir essa mistura de tristeza e saudade quando deixamos para trás uma fase muito boa ou somos obrigados a fazer renúncias. Afinal, se abrir para novas situações não é fácil. Leva um tempo para nos adaptarmos às mudanças. "Sempre que fazemos algum processo de transformação, por mais simples que seja, ou por mais que desejemos esta transformação, experimentamos algum tipo de sofrimento", pontua Falcão.

O normal, diz Tardivo, é que esse passado querido nos estimule a crescer e ser pessoas melhores, mesmo que seja doloroso no começo. "Crescer está relacionado a ganhar e perder. Ninguém muda de fase de desenvolvimento se não perde a anterior. Isso faz parte da vida". É o que acontece, por exemplo, quando um filho deixa a companhia dos pais para seguir o próprio caminho. A ausência dele em casa é compensada pela felicidade dos pais em vê-lo realizado.

Quando a nostalgia pode fazer mal?

Tardivo afirma que a nostalgia é saudável quando traz lembranças de um passado bem vivido e ajuda a entender o presente. Mas se for muito intensa, pode até paralisar a vida. "O que prejudica é uma memória que faz a pessoa ficar amarrada no passado", frisa. Esse sentimento é tão forte em algumas pessoas que as impede de viver o aqui e agora. Como não conseguem encerrar o luto pelo que perderam de tão precioso, não acham graça em mais nada.

É necessário virar a página para enxergar o brilho do presente. "Para isso, precisamos lidar com o que guardamos dentro de nós sobre a pessoa ou situação que perdemos. Nesse primeiro momento do processo, tendemos a ver a situação de forma mais parcial, já que enfrentar toda a situação de luto é um desafio bastante grande", explica Falcão. Aos poucos, essa dor vai passando. Mas nem todo mundo consegue sair dela.

Ao ficar preso em uma determinada época e acreditar que só seria feliz se pudesse reviver o que não existe mais ou não é mais viável, o nostálgico sofre bastante. "Muitas vezes, esse passado fica idealizado como um tempo no qual existia muita felicidade. Numa oposição muito desleal com o presente que, certamente, impõe frustrações", ressalta Falcão. Esse olhar distorcido atrapalha algumas pessoas de verem a época lembrada exatamente como ela era. Os aspectos bons são valorizados e os maus simplesmente desaparecem.

Nos casos mais extremos, elas se recusam a aceitar a época atual. Quando chegam ao ponto de não se lembrarem do passado com felicidade, como é normal, mas com uma dor insuportável, é um sinal de que estão doentes. Ouvir uma música, sentir um perfume, ver uma fotografia ou estar num lugar que traz boas recordações são motivos para elas desabarem. Experimentam uma sensação de falta constante e não se sentem bem com as mudanças do mundo.

Essa nostalgia mais pesada pode gerar depressão, ansiedade, tristeza, angústia, desânimo, dor e muita vontade de chorar. No entanto, seus sintomas não são apenas emocionais. Distúrbios do sono, de alimentação e até dores crônicas podem ser outras consequências. "Quando a pessoa não está conseguindo tocar a vida, trabalhar, desfrutar de bons momentos e ter relações saudáveis, é um indício de que ela não está bem", garante Tardivo. Mas é importante investigar se não existem outras causas por trás de todo esse mal.

Dificuldade de sair da zona de conforto

A necessidade de se refugiar no passado tanto pode estar relacionada a tendências depressivas e à resistência em aceitar as perdas, como também sinalizar uma dificuldade de viver o presente. Isso pode acontecer com qualquer um de nós, porém os mais velhos são os que costumam se apegar mais ao que passou. "O envelhecer é um processo bastante desafiador porque envolve uma reconfiguração da vida diante de perdas que são contundentes e inerentes este momento do ciclo vital", enfatiza Falcão.

Ao perceberem que a saúde, a imagem refletida no espelho, as habilidades e o vigor já não são os mesmos, muitos idosos contabilizam tudo o que perdeu e se deparam com a finitude. E custam a encontrar meios de prazer e felicidade nas suas condições atuais. "Além do físico, no envelhecimento nos ressituamos entre as gerações na cultura e no mundo do trabalho. Perdemos de forma mais intensa os nossos pares e nos deparamos com limites inevitáveis", completa a especialista.

É preciso aceitar

Quando se torna muito difícil sair desse mundo de lembranças boas, é hora de se ajudar e ser ajudado. "É importante usar a memória como um estímulo para seguir em frente, e não como prisão. Também é bom escrever a respeito, compartilhar o que está acontecendo com os amigos e não enfatizar tanto o que se perdeu ou ganhou", aconselha Tardivo. É verdade que nem sempre encontramos as oportunidades que queremos no presente. Mas mesmo que as coisas não estejam indo bem, nossos recursos internos podem nos auxiliar a encontrar um novo sentido para a vida.

"O segredo é aceitar o que se foi. Não anular ou esquecer. É usar aquilo como riqueza, como ganho", ela acrescenta. Falcão orienta a fazer o exercício de ver com clareza as imperfeições do passado e do presente. "O primeiro desafio que temos é aceitar que qualquer evento da vida será necessariamente composto de aspectos positivos e negativos. Nunca seremos completamente satisfeitos, nem completamente felizes". Isso significa que sempre encontraremos limites e frustrações.

Só assim, ela diz, teremos condições de manejar, enfrentar e desfrutar do presente nas possibilidades de prazer e crescimento que ele oferece. Sem apagar o passado. "Somos produtos da nossa história, com seus aspectos felizes e desafiadores. Fazer o alinhavo de todas essas experiências é, sem dúvida, o maior desafio de qualquer pessoa", considera Falcão. Olhar fixadamente para trás é um caminho que pode levar ao adoecimento psíquico. Se necessário, busque espaços de escuta, como uma terapia, para reorganizar a sua história e volta a ser feliz.

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