Mulheres deixam a "nóia da balança" para serem felizes com o próprio corpo

Subir na balança faz parte do ritual diário de inúmeras mulheres. Mas o que parece ser uma atividade corriqueira, pode se transformar em uma prisão, quando manter ou atingir determinado peso ganha status de obrigação. Basta olhar para as capas das principais revistas de boa forma, a mensagem é clara: a cintura tem de ser fina, as calorias precisam ser queimadas e o cardápio, muito bem controlado.
A cobrança pode vir de si mesma, mas também da família, dos amigos, de desconhecidos --e de maneira descarada ou indireta. O biotipo da pessoa também pouco importa. Seja a mulher alta ou baixa, magra ou gorda, que é bombardeada, desde muito cedo, por imagens do que esperam dela quando o assunto é beleza.
Segundo dados da ONU Mulheres, na puberdade, em função das pressões sociais e dos estereótipos de gênero, a autoestima das meninas tende a cair duas vezes mais do que a dos meninos. Para muitas, a baixa autoestima ajuda a fomentar inseguranças e a incentivar uma luta cotidiana contra o próprio corpo.
Porém, aos poucos, diversas mulheres têm deixado as "neuras" de lado e percebido que a felicidade não está vinculada a um peso ou corpo apontado como ideal, mas à compreensão de si e de sua beleza individual. O que importa é ser feliz, seja magra, cheinha ou gorda.
O UOL conversou com três mulheres que compartilharam suas trajetórias de empoderamento e aceitação do próprio corpo. Leia a seguir:
Vanessa Joda, 36, professora de ioga e fundadora do Ioga Para Todos
Meu pai não me deixava sair de casa, era muito ciumento. Então, com 18, prestei faculdade em Santos e fui para lá. Me libertei. Trabalhava que nem uma louca, não tinha tempo de ir para academia e comecei a engordar. Foi quando fui para o médico e ele receitou anfepramona [inibidor de apetite]. Foram 11 anos de anfetamina, cheguei a tomar 100 mg por dia. Ficava com o corpo na pilha e à noite não dormia, então tomava calmante ou fumava um baseado.
Até que tive uma crise de pânico séria enquanto dirigia. Fui para um psiquiatra, que disse que tinha de parar [de tomar esses medicamentos] ou iria morrer. Deu aquele baque. Engordei muito quando parei de tomar. Mudei para São Paulo com 31 anos, me relacionava pouco com as pessoas. Me olhava e falava ‘sou uma gorda nojenta, ninguém me quer, sou horrorosa’. Aí conheci um cara que abriu minha cabeça. Ele pirava em mim, me senti desejada. Foi um pouco responsável por me mostrar que sou bonita mesmo gorda. Comecei a ver que tinha uma galera que pagava pau para mim e eu não tinha ideia.
Em 2011, um amigão meu falou para fazer ioga, mas eu achava que não podia, porque era gorda. Ele me pegou na mão, levou e me fez praticar. A ioga proporciona um mergulho dentro de você, te faz ter consciência corporal, mental e individual. Mas larguei. Em 2014, fui parar no psiquiatra por causa de assédio moral na empresa, não aguentava mais o que fazia, apesar de ganhar um salário maravilhoso.
Foi quando voltei para a ioga. Aí me abriu mais os olhos. Pensei: ‘não quero mais contribuir para o que acho errado’. Decidi fazer curso de formação [de ioga]. Um dos motivos por que quis dar aula era mostrar que gordo faz ioga, sim. Hoje me olho e digo que mudei, sou muito mais feliz. Antes me sentia muito mal e culpada com tudo o que comia, não tinha mais prazer. Praticamente não vivia. Era um robozinho da sociedade, mas não tinha consciência nenhuma disso. Agora faço o que quero e sou bonita desse jeito. Desconstrução é a palavra, tem de começar por você.”
Marina Dulinsky, 35, advogada e estudante de teatro
Passei longos 17 anos nessa neura! Não adiantava o que me falavam, não adiantava ouvir elogios, não adiantava a pressão de fora. O lance é interno e a mudança veio com o tempo e com a maturidade. Tentei tantas vezes me moldar aos padrões e, cada vez mais, me sentia mal. Não houve um momento marcante que me fez mudar. Eu fui, aos poucos, percebendo que, quanto mais eu me cobrava e pirava, mais distante de mim eu estava, mais distorcida me via. É bastante amedrontador bancar o ‘eu verdadeiro’, com imperfeições. Mas é muito pior viver presa. Autoaceitação não é fácil, mas é delicioso quando, naturalmente, vem. Hoje eu me assumo. Sou fiel à minha alma, não me deixo mais levar pelo sistema, mídia, redes sociais, inseguranças. Tento manter um compromisso diário com a minha verdade, lembrando do que eu realmente preciso para ser feliz.”
Alice Ayres Primo, 31, turismóloga e blogueira do Madame’s Curves
Queria me enquadrar, óbvio, ficar mais perto dos padrões. Apesar de sempre ter a autoestima elevada, automaticamente fazia regime quando estava gordinha. Minha irmã casou em 2010, e quis emagrecer para escolher o vestido que queria usar para ser madrinha. Com acompanhamento médico e acupuntura, sem remédio, emagreci 20kg. Falava que tinha perdido quatro pacotinhos de arroz! Continuei indo à médica por um tempo, até que falei: ‘conquistei meu objetivo, te adoro, mas não quero mais vir aqui’. Regime é a coisa que mais odeio no mundo, não tenho problema de saúde, então não tem porque ficar me privando do que gosto de fazer. Foi libertador! Não tinha mais a cobrança.
Hoje me preocupo com outras coisas que não tem nada a ver com regime. Sempre me vesti muito bem, num estilo moderno, fashionista, e o mundo plus size abriu meus olhos, trouxe muito mais oferta. Então resolvi criar o blog [de moda plus size] há dois anos para divulgar para as pessoas. Não tem esse lance de apologia à obesidade, a gente só quer que a pessoa se aceite. Quando você se aceita, consegue se cuidar melhor. Fazer caminhada ou exercício físico não está ligado a regime, mas a se cuidar. Tenho amigas gordinhas que fazem ioga, natação, participam de corrida.
Na época do regime, não chegava a ser infeliz, porque sempre fui muito feliz, mas eu fazia algo que não queria e isso era ruim. Fazia, porque era algo que as outras pessoas queriam, a mídia e a sociedade, a família nem tanto. É uma cobrança interna, que existe quando você não consegue ver representatividade na TV, nas revistas de moda. As gordinhas que se destacavam eram sempre a palhaça ou a deprimida. Sinto muito mais preconceito por ser gorda do que por ser negra. As pessoas se sentem no direito de dar palpite: ‘você precisa se cuidar’, ‘o seu rosto é tão lindo’. Hoje em dia, me sinto muito mais segura de mim, me posiciono como mulher gorda. Isso é só o meu biotipo, não o meu caráter. Adoro meu culote, busto, tenho um sorriso incrível."
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