Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
4 aspectos da alimentação ignorados pelos extremismos nutricionais
Já fui chamada de ignorante e vista como contrária ao consumo de carne por escrever sobre um estudo mostrando que as dietas cetogênicas (aquelas que apresentam uma quantidade muito baixa de carboidratos) parecem não ter eficácia para a perda de peso quando comparadas a outras estratégias.
Também fui desrespeitada ao apresentar uma pesquisa com evidências científicas de que o jejum intermitente não funciona para emagrecer. Em uma declaração anticientífica, o defensor do jejum afirmou que o estudo mostra algo "totalmente contrário a tudo o que a gente sabe".
E fui ofendida por apresentar um comunicado da Academia Belga de Medicina que recomenda cuidado com dietas veganas para crianças, adolescentes, grávidas e lactantes.
Recebo ofensas quando afirmo que gordura não é vilã, açúcar não é veneno, leite não é proibido e que pão pode fazer parte de uma alimentação saudável.
Me questionam se sou pró ou contra carne, pró ou contra o veganismo, pró ou contra dieta low carb, pró ou contra dieta cetogênica, mas a verdade é que sou contra os extremismos, o terrorismo nutricional e a ideia de que existe uma forma ideal ou melhor de comer.
Por isso, gostaria de utilizar esses ataques sofridos para falar de quatro aspectos da alimentação ignorados pelos extremismos nutricionais e modismos alimentares.
1. Alimentação é comportamento
Comportamento alimentar é um termo amplo que abrange a escolha, as motivações que levam as pessoas a se alimentarem (por exemplo: fome, padrões estéticos, apresentação da comida) e práticas alimentares. Refere-se às nossas ações diante da alimentação e, portanto, pode estar relacionado a problemas alimentares, como obesidade e transtornos alimentares.
Jejum intermitente, dietas cetogênica, low carb, da lua, da proteína, da sopa, detox, paleo, entre muitas outras, operam por extremismos e estão preocupadas com o que, o quanto e quando se come, mas deixam de lado o tão importante "como", ou seja, o lado comportamental da alimentação.
Isso gera um grande problema, pois o comportamento tem íntima relação com nossos hábitos. O hábito é um comportamento aprendido e repetido "no automático", sem que se pense sobre ele. Por exemplo, sair de casa sem tomar café da manhã pode ter se tornado um hábito. Você acorda, escova os dentes, toma banho e simplesmente sai de casa, sem pensar muito que pode estar desatento no trabalho porque está de barriga vazia.
Seguir com esse hábito não exige tanto esforço, já mudá-lo, sim. Não é simples modificar o estilo de vida, e por isso não conseguimos seguir essas recomendações de dietas restritivas e extremistas por muito tempo.
2. A saúde não está reduzida ao peso
A maioria desses extremismos nutricionais está preocupada com a perda de peso, pois esta é vista hoje em dia como sinônimo de saúde, mas não é assim que funciona.
Na verdade, existem pessoas saudáveis de todos as formas e tamanhos, e não necessariamente estar magro indica ter mais saúde. Pense em alguém que emagreceu em decorrência de uma doença. Diabetes, hipertireoidismo, doenças inflamatórias intestinais, diverticulite, anorexia nervosa, câncer, entre outros problemas de saúde, podem apresentar como sintomas a perda de peso.
Ao mesmo tempo, você pode estar acima do "peso ideal", considerando o cálculo de IMC, mas na verdade estar muito bem de saúde, com exames físicos e bioquímicos adequados, sentindo bem-estar e usufruindo de uma boa qualidade de vida.
3. O ser humano não é uma máquina
Com a busca pela perda de peso, os extremismos nutricionais reduzem o corpo humano a uma máquina. Basta "fechar a boca e malhar", ou seja, consumir menos comida e gastar mais energia para termos uma perda de peso.
No entanto, o corpo humano não é uma máquina. Somos seres vivos, regidos por um aparato biológico, sentimentos, crenças, aspectos culturais e sociais. Isso torna tudo mais complexo e singular.
O modo como metabolizamos os nutrientes e o conteúdo energético dependem de tantas coisas que contar calorias torna-se até sem sentido. O tipo de alimento consumido e o metabolismo da pessoa que varia com a idade, gênero, peso, questões genéticas, temperatura, estresse, e até com a microbiota, influenciam o metabolismo.
Vou dar um exemplo simples. Chegou a hora do almoço e você resolve tomar um milk-shake de 800 calorias, mesma quantidade de energia de um almoço típico brasileiro, com feijão, arroz, carne e um pouco de salada, mas provavelmente não se sentirá tão satisfeito, pois estudos mostram que, por mecanismos biológicos, os líquidos não promovem tanta saciedade quanto alimentos que necessitamos mastigar, sem contar a falta de variedade e sabor.
Além disso, muita gente também não se sentirá satisfeito, pois por questões culturais o milk-shake não é considerado uma comida para se comer no almoço.
Viu como tem muita coisa envolvida?
4. Dietas podem gerar transtornos alimentares
Uma pena é que mesmo sendo difícil seguir os extremismos nutricionais, em pouco tempo eles já podem trazer consequências desagradáveis. É por isso que estou sempre batendo na tecla de fazer as pazes com a comida e com o corpo e comer de tudo.
Um dos meus críticos afirmou que essa frase é condescendente com quem tem compulsão alimentar e "típico das pessoas naturalmente magras que não sabem o que estão falando". No entanto, um dos graves problemas dos extremismos nutricionais e das dietas restritivas é o fato de serem um fator de risco para transtornos alimentares, como a compulsão alimentar.
Nesses casos, em que muitos fatores (sociais, culturais, psicológicos, biológicos) estão envolvidos, o gatilho para o desenvolvimento de um transtorno alimentar pode ser uma dieta restritiva (quase todo transtorno alimentar começa com uma!). A pessoa já tem uma predisposição genética, faz dieta restritiva e em seguida desenvolve esse problema de saúde mental.
O pior é que essas dietas muitas vezes são prescritas por nutricionistas ou outros profissionais de saúde, como médicos, ainda que não tenham habilidades e competências para a prescrição dietética.
Com isso vemos que não apenas o público em geral necessita se conscientizar da necessidade de prevenir transtornos alimentares e ter uma visão crítica quanto às dietas, como também os profissionais de saúde precisam de mais ênfase nesse tema em suas formações profissionais.
Os transtornos alimentares precisam ser tratados com uma equipe multidisciplinar minimamente composta por psiquiatra, psicólogo e nutricionista especializados e treinados no tratamento de transtornos alimentares. Se você identifica dificuldades com a alimentação que têm afetado a sua vida, não hesite em procurar ajuda profissional o quanto antes.
Por isso, para ter saúde, bem-estar e qualidade de vida, recomendo mudar os hábitos alimentares de forma gradual e comendo de tudo. Assim, é possível reconstruir uma boa relação com a comida e com o corpo, como mostro no meu livro "Os 7 Pilares das Saúde Alimentar".
Bon appétit!
Sophie Deram
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.