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Blog da Sophie Deram

OPINIÃO

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Dietas cetogênicas podem trazer mais riscos que benefícios, mostra estudo

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

01/09/2021 04h00

As dietas cetogênicas são aquelas com uma quantidade de carboidratos muito baixa. Elas podem ser uma estratégia para tratar pessoas que apresentam convulsões, no entanto, e hoje têm sido usadas para perda de peso e doenças como o diabetes.

Mas essa dieta realmente traz benefícios? Uma revisão publicada na revista Frontiers in Nutrition avalia os prós e contras das dietas cetogênicas para algumas condições de saúde, bem como o impacto na qualidade da alimentação.

Entenda mais sobre a dieta cetogênica

Como disse, a dieta cetogênica se refere a uma dieta muito pobre em carboidratos (geralmente uma quantidade menor que 50 g, o que é muito pouco, considerando que as orientações para um adulto são de consumir, em média, 130 g desse nutriente), modesta em proteínas e rica emgorduras.

Essa combinação visa induzir a produção de corpos cetônicos ou cetonas. Corpos cetônicos são produtos da conversão de gorduras em glicose que servem como fonte alternativa de energia.

Quando os níveis de glicose estão baixos, o corpo produz os corpos cetônicos para que possa utilizar a gordura como fonte de energia.

Esse mecanismo pode acontecer em pessoas com diabetes descontrolado, mas também com todo mundo, quando ficamos algum tempo sem comer.

Uma certa quantidade de corpos cetônicos circulando pelo corpo é normal, mas níveis muito altos podem gerar toxicidade, aumentando o risco de cetoacidose.

Qual o impacto da dieta cetogênica para a qualidade da alimentação?

Agora vamos à revisão publicada. Um dos seus objetivos foi analisar os efeitos da dieta cetogênica na qualidade da alimentação.

Entre os achados, os pesquisadores apontam que a restrição extrema de carboidratos pode afetar profundamente a qualidade da alimentação, por reduzir ou eliminar frutas, vegetais, cereais e leguminosas, grupos alimentares que apresentam vitaminas, minerais, fibras e fitoquímicos (como os flavonoides, que são antioxidantes naturais).

Com isso, essas dietas podem levar a deficiências nutricionais, pois geralmente são pobres em vitaminas B1, B6, A, E e ácido fólico, cálcio, magnésio, ferro e potássio.

Quanto ao fato de a dieta cetogênica ser pobre em fibras, vale lembrar que elas não só são necessárias para o bom funcionamento do intestino, como também servem de alimento para a microbiota intestinal, que pode produzir efeitos como: aumento da absorção de nutrientes, estímulo da liberação de hormônios da saciedade, melhora da função imunológica e ações anti-inflamatórias e anticancerígenas.

Um dos estudos revisados mostra, inclusive, que a abundância relativa de certas bactérias da microbiota intestinal é reduzida em crianças que consomem uma dieta cetogênica com o intuito de tratar convulsões. Além disso, por apresentarem uma grande proporção de alimentos de origem animal, as dietas cetogênicas geralmente apresentam gorduras saturadas em excesso.

Efeitos das dietas cetogênicas em algumas condições de saúde

Quanto aos efeitos das dietas cetogênicas, os pesquisadores encontraram que elas podem não ser seguras para gestantes, pois estão associadas a um maior risco de o bebê apresentar defeitos no tubo neural, ainda que a mulher receba suplementação de ácido fólico, como é recomendado durante a gestação.

Um dos estudos avaliados, o National Birth Defects Prevention Study, mostrou que as mulheres que relataram consumir dietas com baixo teor de carboidratos no ano anterior à concepção, tinham mais chances de ter um filho com defeitos do tubo neural. Quanto à gravidez não planejada esse risco foi ainda maior.

Em pacientes com diabetes, os resultados são controversos. Parece ser possível uma melhora da glicemia a curto prazo, mas a longo prazo não foram elucidados benefícios da dieta cetogênica.

Por ser rica em proteínas, essa dieta também pode acelerar o desenvolvimento de insuficiência renal em pacientes com problemas renais. Já para as pessoas sem doença renal crônica, um dos maiores riscos é o desenvolvimento de cálculos renais.

Outro risco seria aumentar o colesterol "ruim" (colesterol LDL) em alguns pacientes, o que pode contribuir para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares.

Os pesquisadores também apontam que a restrição de carboidratos leva ao consumo de alimentos que podem estar associados a um risco aumentado de desenvolver doenças do coração, câncer, diabetes e Alzheimer.

A revisão também mostra que a dieta cetogênica não é para perder peso. A curto prazo até pode haver uma perda de peso, mas a longo prazo não é mais eficaz do que outras estratégias. Além disso, não são sustentáveis a longo prazo, pois é difícil ficar sem carboidratos por muito tempo, nosso corpo necessita dele.

Por fim, as dietas cetogênicas foram relacionadas a um risco aumentado de mortalidade por todas as causas, apesar de os dados sugerirem que elas podem estar associadas a um maior ou menor risco de mortalidade dependendo dos tipos de carboidrato, de proteína (animal ou vegetal) e de gordura (saturada ou insaturada).

Dieta cetogênica? Só para tratar epilepsia

Os pesquisadores concluíram que o único uso bem fundamentado para as dietas cetogênicas é reduzir a frequência das crises em algumas pessoas com epilepsia resistente a medicamentos. Mas mesmo assim, não sem efeitos, pois nesses casos as dietas cetogênicas podem causar fadiga, dores de cabeça, náuseas, constipação, hipoglicemia, cetoacidose.

Além disso, um estudo com 300 voluntários que aderiram a dietas cetogênicas por vontade própria mostrou que elas podem ser acompanhadas, temporariamente, por sintomas semelhantes aos da gripe, como dor de cabeça, fadiga, náuseas, tontura, desconforto intestinal, falta de energia, sensação de desmaio e alterações nos batimentos cardíacos.

Não é de se estranhar que as dietas cetogênicas possam provocar tantos efeitos adversos, já que se trata de uma dieta restritiva. E como sabemos, o corpo e o cérebro odeiam dietas!

Em vez de buscar uma dieta milagrosa, como a cetogênica, que é divulgada por aí como uma verdadeira panaceia, busque um estilo de vida saudável: pratique uma atividade física prazerosa, durma bem, aprenda a lidar com o estresse e adote hábitos alimentares saudáveis. Como retratado no livro "Os 7 pilares da saúde alimentar", uma boa saúde alimentar envolve muito mais do que apenas alimentação.

Com isso, quero dizer que você deve comer de tudo (sem restrições!), com prazer, ouvindo seu corpo, honrando sua fome e construindo uma relação de paz com a comida!

Bon appétit!

Sophie Deram